Francisco Louçã – Público, opinião
A
imprensa tem destacado o carácter incerto da promessa de Passos Coelho sobre a
sobretaxa do IRS (em 2016 e se me derem os votinhos…). Tem assinalado o
empolamento das contas do IVA. Tem mostrado que estamos a dois meses das
eleições e isto é um jogo.
Mas,
surpreendentemente, tem aceite o spin do governo, que é a sua arma mais cínica
e calculada, chamando a esta eventualidade de redução a sobretaxa uma
“devolução”. As pessoas vão “reaver”, diz uma televisão. Vão “recuperar”, diz
outra. Paulo Núncio admite, generoso, que a “devolução pode
ser maior
do que o previsto”. “Simule
a devolução”, convida o Expresso. O título do PÚBLICO é mais cuidadoso, mas
deixa a ambiguidade: “o governo
acena com devolução da sobretaxa do IRS”.
A
“devolução” é simplesmente uma cobrança no próximo ano que é um pouco menor do
que no ano corrente. Portanto, não se recupera nada, nada é devolvido, o que é
cobrado é que é um pouco menor. Se for. Se as contas estiverem certas e se os votinhos
se portarem bem, entenda-se.
Quando
vamos a uma livraria e pagamos um livro que teve um pequeno desconto não
costumamos dizer que nos “devolveram” a quantia, pois não? Quando pagamos um
imposto não costumamos dizer que nos “devolveram” a diferença para uma taxa
maior, se o governo a tivesse aplicado, pois não?
É
raro haver um acto político tão exuberantemente cínico. É menos raro que uma
parte tão importante da comunicação social de referência aceite ser manipulada
pelos assessores e membros do governo.
Sem comentários:
Enviar um comentário