segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A TERCEIRA PARTE DO MUNDO



Rui Peralta, Luanda

O Terceiro Mundo nasce com o grito “Liberté ou la mort”, numa insólita ilha do Caribe, quando os escravos negros de Saint-Domingue, liderados por Toussaint Louverture e Dessalines, iniciaram uma revolução que com a abolição da escravatura nas colonias francesas, em 1804. Foi, assim, proclamada a Republica do Haiti iniciando uma tendência que se espalharia por todo o Caribe e América Latina e que teria um profundo impacto na concepção de liberdade e de democracia.

No século XIX e na primeira metade do século XX muitas nações libertaram-se do domínio colonial, mas foi apenas após a II Guerra Mundial que a “periferia do mundo” se afirma num novo contexto das dinâmicas externas, conseguindo o reconhecimento nas Nações Unidas através de uma Resolução da Assembleia Geral que declarava: “todos os povos têm direito á livre determinação, a determinar livremente a sua condição política e a prosseguirem livremente ao seu desenvolvimento económico, social e cultural”. Após esse momento o Terceiro Mundo passou a ser um projecto. Asia, África e América Latina travariam uma luta comum pelo reconhecimento dos Direitos Humanos para todos os Povos do Mundo, contra a desigualdade e a opressão entre países ricos e pobres e pelo reconhecimento da dignidade e da satisfação das necessidades básicas.

Nos finais dos anos 70 do seculo XX, surge um projecto político cujo objectivo é restabelecer as condições de acumulação de capital e de restaurar o poder das oligarquias, beliscado pelas lutas de libertação nacional e pelos movimentos sociais que se afirmaram nas sociedades centrais do Ocidente. O padrão ouro foi abandonado pela Reserva Federal e o projecto Keynesiano, dominante desde o fim da II Guerra Mundial, tornou-se insustentável. A economia-mundo transformou-se. A política de pleno emprego foi abandonada e os mercados liberalizados.

As economias periféricas encontraram-se endividadas e falidas, sendo sujeitas a implacáveis políticas de Ajustamento Estrutural. O Sul do Mundo perdeu a capacidade e dissolveu-se. Neste ocaso do projecto do Terceiro Mundo um último eco de rebeldia fez-se ouvir, a partir de África: o de Thomas Sankara, do Burkina Faso. Em 1987, na 25ª Conferencia da OUA, em Adis Abeba, Sankara pronunciou um discurso contundente contra a divida externa de África. A divida foi denunciada como mecanismo do neocolonialismo, representando o seu pagamento a morte dos povos africanos. Sankara concluíra que a divida não se poderia pagar e propõe a criação de uma Frente contra o “Consenso de Washington”.

A sua voz fez-se ouvir, isolada e Sankara saiu só da Cimeira. Seria assassinado dois meses depois, num golpe de Estado comandado por Camporé, apoiado pelo Ocidente.

Pouco antes da sua morte, na 39ª Assembleia Geral da ONU, Sankara teria tempo, ainda, de proclamar, “em nome de todos os abandonados”, que ele, “herdeiro de todas as revoluções do mundo” tinha consciência que para os povos oprimidos “só a luta liberta” e que estes têm muito a aprender com a “Revolução Americana e Francesa e com todas as lutas de libertação nacional”.

Foi o último grito das nações periféricas. Depois disso África mergulhou no desespero angustiante criado pelo domínio neocolonial e transformou-se na Quarta Parte do Mundo…

Leituras aconselhadas
Prashad, V. Las naciones oscuras. Una historia del Tercer Mundo Ed. Península. 2012 Barcelona.
Galbraith J.K. Historia de la economía. Editorial Ariel, 1989, Barcelona.
Harvey D. Breve historia del neoliberalismo Ed. Akal, 2000, Madrid.
Sankara T. Burkina Faso Revolution: 1983-1987 Pathfinder Press, NY, 2012

Sem comentários:

Mais lidas da semana