domingo, 18 de outubro de 2015

AOS SENHORES DEPUTADOS - O SILÊNCIO SEPULCRAL ENSURDECE A NAÇÃO ANGOLANA



O F8 lancou-me o repto para me transformar, em jornalista ligado a cobertura de assuntos parlamentares, numa altura em que se inicia mais uma ano legislativo. Foi difícil aceitar, por não ser um jornalista, mas apenas um curioso nesse domínio, pelo amor a leitura e a escrita. A fasquia da ousadia do director do F8 foi elevada, principalmente, por me transformar em pioneiro de uma iniciativa, que diz vai continuar, pelo que dei o melhor de mim, logo peço a todos, como responsável, nesta edição dos assuntos parlamentares a vossa compreensão.

Manuel Paulo Mendes de Carvalho Pacavira** - Folha 8 digital

Os cidadãos assistiram o início da penúltima sessão par­lamentar da actual legislatura que ter­mina em 2017, se não ocor­rerem eleições antecipadas ou adiamento das mesmas, que podem ser visualizadas pelo tom do discurso de abertura deste magno acto.

No quadro do molde dos iluminados alfaiates da constituição atípica de Fe­vereiro de 2010, o Presiden­te da República, deve de acordo com o artigo 118.º, dirigir uma mensagem so­bre o Estado da Nação, na casa das leis.

O ritual para estes breves momentos não mudou: no escasso quilómetro que dista a Cidade Alta da As­sembleia Nacional tivemos artérias bloqueadas, milha­res de tropas da Unidade da Guarda Presidencial, espalhados por Luanda, ate­morizando os cidadãos face a ostentação de tanta força militar, em tempo de paz.

De que tem medo, afinal, o Presidente da República?

De Jonas Savimbi? Já mor­reu....

Dos jovens presos políti­cos? Estão presos...

Dos cidadãos?

Dos deputados?

Dos injustiçados e discrimi­nados pelo regime?

É difícil ousar uma resposta e uma justificativa, salvo os excessos e os gastos de di­nheiro público, que oneram as contas do Estado, sem qualquer razão plausível.

Mas voltemos a Assem­bleia Nacional, onde foi estendido o tapete verme­lho, ladeado pelo grupo de dança tradicional, ao som da Marimba e a comissão de honra dos 220 ilustres soberanos eleitos em repre­sentação dos cerca de 24 milhões de almas empobre­cidas, perfilada para saudar efusivamente e venerar a chegada do cidadão, José Eduardo dos Santos nas vestes de “Camarada presi­dente”.

As palavras de ordem em sua honra se multiplicavam e os comentaristas baju­ladores, desdobravam-se em análises, até que cai um balde de água fria. “Devido uma indisposição o Presi­dente será substituído pelo vice-presidente, Manuel Vicente, que vai ler a sua mensagem...

Feita a recepção e a praxe, foi ouvir, nos cerca de 50 minutos que a nação está no rumo certo, ao longo destes 40 anos e tudo que está mal a culpa é do jovem músico Kool Klever.

Mas vamos ao que ficou de fora. O que deveria ser dito à nação, aos angolanos e aos deputados que, indivi­dualmente, representam perto de 110.000 cidadãos, a maioria empobrecida, com excepção dos 4.900 milio­nários ligados a nomencla­tura governante, partidária e bajuladora que orgulhosa e vergonhosamente, Luan­da ostenta.

Recordemos que o OGE (Orçamento Geral de Esta­do) revisto de 2015, fixou-se em 30.754.626.041,00 KWZ , o equivalente a cerca de 300 mil milhões de dólares (USD 300mm) que poderá traduzir-se num valor “per capita” de USD 1.3m, por cada um dos deputados, fazendo com que o Presi­dente da República estará diante dos legisladores mais caros de África e do mundo.

Ao consultar-se o Orça­mento da IIIª Legislatura, iniciada em 2012, notamos que o contribuinte ango­lano pobre e espoliado é “roubado” para pagar as mordomias dos legislado­res em mais de 20 abonos, subsídios e ou regalias ex­traordinárias:

1) subsídio de início de legis­latura – Kwz: 11.250.000,00
2) salário base do Presiden­te da AN - Kwz:– 507.650,00
3) salário base para De­putado simples – Kwz: 430.760,00
4) subsídio de representa­ção – 50% salário base
5) subsídio de renda de casa - 10 % do salário base;
6) subsídio de manutenção de residência - entregue no inicio de cada ano legislati­vo;
7) subsídio de comunicação – 10% do salário base
8) subsídio de férias – pro­cessado no 6º mês de cada ano
9) abono, seguro de saúde;
10) subsídios aos cônjuges –ascendentes e descenden­tes maiores e menores in­capacitados fisicamente e estudantes até aos 25 anos;
11) subvenção vitalícia – no caso de incapacidade no de­curso da legislatura;
12) pensão vitalícia – 8 anos consecutivos em exercício de mandatos;
13) bilhetes em primeira classe – em cada ano parla­mentar incluindo família;
14) subsídio de desloca­ção – Deputados nos res­pectivos círculos eleitorais (265.000,00 Kzs);
15) subsídio ao pessoal do­méstico – 307.433,00 Kwz/mês (motorista, cozinheira, lavadeira, empregada do­méstica );
16) passaporte diplomático extensivo aos cônjuges e filhos menores;
17) porte de arma de fogo;
18) assistência médica e medicamentosa;
19) deslocações no interior para PR da AN – “Per diem” de 36.000,00 kzs, despesas de representação de 80,000 kzs. Para o exterior do país: subsidio diário de USD 600, despesas de represen­tação USD 1500, despesas extraordinárias USD 1200, ajudas de custos ao em­barque USD 1000 somen­te 1x por ano (Resolução 33 de 1 de Julho de 2009);
20) deslocações no in­terior para deputados simples – “Per diem” de 28.000,00 kzs, despe­sas de representação de 60,000 kzs; para o ex­terior do país: subsídio diário de USD 450, des­pesas de representação USD 1500, despesas extraordinárias USD 1200, ajudas de custos ao embarque USD 750 somente 1x por ano (Re­solução 33 de 1 de Julho de 2009);
21) viatura protocolar e fa­miliar – 260 Lexus no valor global de USD 40milhões de dólares, incluindo viatu­ras especiais para Presidên­cia da AN (na IIª legislatura foram USD 45 milhões para 256 BMWs);
22) subsídio de fim de legis­latura – 12.160.00000, kzs

Ufa! É muita mordomia, para pouco trabalho legis­lativo, imparcial, responsá­vel, numa tribuna que não é espelho da reconciliação e conciliação nacional, bem como da contenção econó­mica. São gastadores cujo maior mérito é fazerem passar tudo e às cegas vin­do do Titular do Poder Exe­cutivo, que é um exímio pa­gador destes favores, como se pode verificar no quadro sinótico acima.

Ora são estas mordomias que levou a maioria destes deputados a inverter um princípio basilar de qual­quer parlamento, que é a fiscalização da acção do executivo, que os deputa­dos angolanos, não fazem, em cumplicidade com o Tribunal Constitucional, para beneficiar apenas o chefe, através do inconsti­tucional Acórdão 319/2013, sobre a fiscalização suces­siva ao governo.

Este arrozoado sobre a norma constitucional ofen­de a democracia e fere gra­vemente qualquer princípio democrático em que se exi­ge fiscalização daqueles que gastam o que é de todos, em nome de todos e para todos, logo os cidadãos com esta “engenharia” estão a ser de­fraudados.

Mas, infelizmente, os se­nhores deputados esquece­ram-se, como se poderiam lembrar, estar o salário mínimo em Angola fixado entre 15.003,00 e 22.504,50 Kwz, em 2015 quando final­mente chegou o momento de se discutir o mesmo pre­feriram adiar o debate para “outro momento melhor”, pese o salário dos legislado­res ser 25 vezes superior a de um trabalhador de base.

Infelizmente os deputa­dos parecem anestesiados, tendo em linha de conta, que ainda à pouco tempo, pasme-se, a discussão cen­trava-se entre a compra de viaturas de marca Jaguar ou BMW com valores bem aci­ma dos USD 260.000,00/por unidade. Na actual legislatura os deputados optaram por viaturas de marca Lexus que custam somente USD 150.000,00, demonstrando que em tem­pos de crise os deputados não se identificam com a austeridade.

Daí que o discurso presi­dencial tenha passado ao largo dessa situação, tal como da denúncia de prá­ticas ilícitas passíveis de abertura de CPIs para apu­rar os factos:

1) A SNL é a maior empresa pública de Angola, gerindo activos públicos, e receben­do 10% por ano das receitas petrolíferas, aventurou­-se num processo leonino de internacionalização, na Ásia, com incidência noi Iraque, sem dar explicações ao país; compra de acções empresas portuguesas e em Portugal, muitas das quais são depois, transferidas para a esfera de privados, sendo empresa charneira no denominado processo de acumulação primitiva de capital;

2) Escolha sem critérios universalmente aceites, tudo com a capa de apoiar a entrada de angolanos, na indústria de petróleo e gás, por via de esquemas parti­dários de alguns dirigentes e generais;

3) A confusão da Cobalt e Nazaki Oil, está a levar a Sonangol a ser forçada a comprar, por bilhões de dólares a participação des­tas empresas nos blocos de petróleo;

4) Os 32 biliões de dólares da conta do petróleo, re­portados pelo FMI e Banco Mundial, que o Governo só conseguiu justificar uma parte por “distorções esta­tísticas” entre a Sonangol e Ministério dos Petróleos, onde anda?

5) O BESA faliu sem antes deixar uma factura resolvi­da de USD 6 biliões, conta­bilizados, até agora, estão a ser pagos pelo contribuinte angolano, para a criação do BESA-BOM (Banco Eco­nómico SA), via Sonangol, para além de outras enge­nharias;

6) O GRN geriu biliões de dólares de fundos públicos por via dos empréstimos, na primeira versão da rela­ção com a China, criou-se o CIF e outros apêndices, a instituição faliu transferi­ram-se as dividas para a So­nangol e outras entidades do Estado, mas nunca os seus responsáveis presta­ram conta;

7) O contingente chinês está a fazer concorrên­cia desleal, aos angolanos na Zunga, no negócio do carvão e outros trabalhos menores, que em situação normal, deveriam ser ex­clusivos para os nacionais;

8) Na segunda versão da relação com a China fala-se da venda largas parcelas do território nacional, face a empréstimos multimilioná­rios, sem a autorização do parlamento;

9) Numa determinada noi­te entraram determinados dirigentes, no BNA e de lá saíram com mais de USD 150 milhões de forma ilícita;

10) Em 2010 Angola organi­zou uma das Copas Africa­nas mais caras de todos os tempos, gastando mais de USB 1,7 mil milhões de dó­lares, mas até hoje, não se conhece o relatório e con­tas dos gastos desse dinhei­ro público;

11) Investimento em mais de 1,300 mil milhões de dólares, nos projectos PRE­SILD e Aldeia Nova, que, faliram em tempo recorde, sem prestação de contas;

12) O orçamento para a in­dústria da recolha dos re­síduos sólidos em Luanda é multimilionário, mais de USD 400 milhões, mas o lixo não é recolhido e o contribuinte continua a pagar as mesmas empre­sas de costume, que não prestam contas.

Como se pode verificar es­tes assuntos continuaram, por razões óbvias a ficar de fora e os deputados, quiçá, por ser os mais ca­ros e despesistas dentre 53 nações africanas, não exi­gem, pois são “untados” com benesses, para tapar os olhos a estas aberra­ções e elefantes brancos, a maioria de iniciativa pre­sidencial, tal como as leis, que deveriam ser iniciativa e produção parlamentar;

No Kénia e na Nigéria os deputados estão a baixar os salários e regalias que au­feriam, sob pressão da so­ciedade civil que se fartou das orgias financeiras dos políticos. Na África do Sul o Presidente gastou indevi­damente USD 30 mil dóla­res e o irreverente político jovem, Julius Malema, com o seu partido o EFF, lide­ram um processo judicial, para que o Presidente seja condenado a devolver os fundos públicos, gastos em obras particulares.

Os deputados angolanos deveriam lembrar-se terem sido eleitos pelo povo de forma democrática, directa e universalmente, diferen­te de outros órgãos, que se assumem de soberania, mas tiveram eleição indirecta e a reboque do voto parla­mentar.

Em 15 de Junho de 2015, o mundo comemorou 800 anos da outorga da Magna Carta, em 1215 quando os súbditos a impuseram aoo Rei João Sem Terra, colo­cando fim aos impostos aleatórios, a delimitação do poder do rei e o habeas corpus, para além de indi­carem o parlamento como o guardião das leis e regras constitucionais.

Finalmente, à entrada des­ta sessão, os deputados esqueceram-se de fazer declarações de princípios, como alerta ao Titular do Poder Executivo, para que respeita-se a irreverêren­cia da juventude que quer democracia, liberdades, melhor educação e saúde e não golpes de Estado, que constituem uma miragem e perturbação, quando te­mos consciência de não estarmos a gerir bem a rés pública. Juntem-se os de­putados as vozes da socie­dade civil, vossos eleitores, para não se deixar que os nossos filhos morram de fome nas cadeias. De igual modo, não deveriam tolerar que se cataloga-se os taxis­tas como insurrectos, face a sua utilidade na sociedade.

Ademais deveriam ser os deputados contundentes no que toca a política de terror policial, nos lugares de culto, por simples vigí­lias que servem para aliviar o sofrimento e a dor dos fa­miliares, amigos e cidadãos. Quando se tem medo, tam­bém de vigílias estamos a passar uma má mensagem aos povos.

Por todas estas razões, os deputados deveriam com­prometer-se a fazer mehor o seu trabalho, pois o povo tem feito a sua parte e já não colhe as falsas reclama­ções da falta de meios e, das armadilhas do executivo. Se não têm condições, como advogam, para defender o povo: demitam-se, devol­vendo o poder ao Soberano, para que este volte a confiar o seu poder a outrem que melhor os represente.

Isto por não bastar dizer, em emblemáticos discur­sos: “Viva Angola de Cabin­da ao Cunene e do Mar ao Leste; ou que “somos mi­lhões e contra milhões nin­guém combate!” se nada fôr feito para dignificar a vida do cidadão, independen­temente, da sua coloração política. É tempo de agir com clare­za, transparência e honesti­dade patriótica.

*Editor (nesta edição) para Assuntos Parlamentares

*Tenente-General - Email: osconselhosdoge­neral@gmail.com

Sem comentários:

Mais lidas da semana