O
F8 lancou-me o repto para me transformar, em jornalista ligado a cobertura de
assuntos parlamentares, numa altura em que se inicia mais uma ano legislativo.
Foi difícil aceitar, por não ser um jornalista, mas apenas um curioso nesse
domínio, pelo amor a leitura e a escrita. A fasquia da ousadia do director do
F8 foi elevada, principalmente, por me transformar em pioneiro de uma
iniciativa, que diz vai continuar, pelo que dei o melhor de mim, logo peço a
todos, como responsável, nesta edição dos assuntos parlamentares a vossa
compreensão.
Manuel
Paulo Mendes de Carvalho Pacavira** - Folha 8 digital
Os
cidadãos assistiram o início da penúltima sessão parlamentar da actual
legislatura que termina em 2017, se não ocorrerem eleições antecipadas ou
adiamento das mesmas, que podem ser visualizadas pelo tom do discurso de abertura
deste magno acto.
No
quadro do molde dos iluminados alfaiates da constituição atípica de Fevereiro
de 2010, o Presidente da República, deve de acordo com o artigo 118.º, dirigir
uma mensagem sobre o Estado da Nação, na casa das leis.
O
ritual para estes breves momentos não mudou: no escasso quilómetro que dista a
Cidade Alta da Assembleia Nacional tivemos artérias bloqueadas, milhares de
tropas da Unidade da Guarda Presidencial, espalhados por Luanda, atemorizando
os cidadãos face a ostentação de tanta força militar, em tempo de paz.
De
que tem medo, afinal, o Presidente da República?
De
Jonas Savimbi? Já morreu....
Dos
jovens presos políticos? Estão presos...
Dos
cidadãos?
Dos
deputados?
Dos
injustiçados e discriminados pelo regime?
É
difícil ousar uma resposta e uma justificativa, salvo os excessos e os gastos
de dinheiro público, que oneram as contas do Estado, sem qualquer razão
plausível.
Mas
voltemos a Assembleia Nacional, onde foi estendido o tapete vermelho, ladeado
pelo grupo de dança tradicional, ao som da Marimba e a comissão de honra dos
220 ilustres soberanos eleitos em representação dos cerca de 24 milhões de
almas empobrecidas, perfilada para saudar efusivamente e venerar a chegada do
cidadão, José Eduardo dos Santos nas vestes de “Camarada presidente”.
As
palavras de ordem em sua honra se multiplicavam e os comentaristas bajuladores,
desdobravam-se em análises, até que cai um balde de água fria. “Devido uma
indisposição o Presidente será substituído pelo vice-presidente, Manuel Vicente,
que vai ler a sua mensagem...
Feita
a recepção e a praxe, foi ouvir, nos cerca de 50 minutos que a nação está no
rumo certo, ao longo destes 40 anos e tudo que está mal a culpa é do jovem
músico Kool Klever.
Mas
vamos ao que ficou de fora. O que deveria ser dito à nação, aos angolanos e aos
deputados que, individualmente, representam perto de 110.000 cidadãos, a
maioria empobrecida, com excepção dos 4.900 milionários ligados a nomenclatura
governante, partidária e bajuladora que orgulhosa e vergonhosamente, Luanda
ostenta.
Recordemos
que o OGE (Orçamento Geral de Estado) revisto de 2015, fixou-se em
30.754.626.041,00 KWZ , o equivalente a cerca de 300 mil milhões de dólares
(USD 300mm) que poderá traduzir-se num valor “per capita” de USD 1.3m, por cada
um dos deputados, fazendo com que o Presidente da República estará diante dos
legisladores mais caros de África e do mundo.
Ao
consultar-se o Orçamento da IIIª Legislatura, iniciada em 2012, notamos que o
contribuinte angolano pobre e espoliado é “roubado” para pagar as mordomias
dos legisladores em mais de 20 abonos, subsídios e ou regalias extraordinárias:
1)
subsídio de início de legislatura – Kwz: 11.250.000,00
2)
salário base do Presidente da AN - Kwz:– 507.650,00
3)
salário base para Deputado simples – Kwz: 430.760,00
4)
subsídio de representação – 50% salário base
5)
subsídio de renda de casa - 10 % do salário base;
6)
subsídio de manutenção de residência - entregue no inicio de cada ano legislativo;
7)
subsídio de comunicação – 10% do salário base
8)
subsídio de férias – processado no 6º mês de cada ano
9)
abono, seguro de saúde;
10)
subsídios aos cônjuges –ascendentes e descendentes maiores e menores incapacitados
fisicamente e estudantes até aos 25 anos;
11)
subvenção vitalícia – no caso de incapacidade no decurso da legislatura;
12)
pensão vitalícia – 8 anos consecutivos em exercício de mandatos;
13)
bilhetes em primeira classe – em cada ano parlamentar incluindo família;
14)
subsídio de deslocação – Deputados nos respectivos círculos eleitorais
(265.000,00 Kzs);
15)
subsídio ao pessoal doméstico – 307.433,00 Kwz/mês (motorista, cozinheira,
lavadeira, empregada doméstica );
16)
passaporte diplomático extensivo aos cônjuges e filhos menores;
17)
porte de arma de fogo;
18)
assistência médica e medicamentosa;
19)
deslocações no interior para PR da AN – “Per diem” de 36.000,00 kzs, despesas
de representação de 80,000 kzs. Para o exterior do país: subsidio diário de USD
600, despesas de representação USD 1500, despesas extraordinárias USD 1200,
ajudas de custos ao embarque USD 1000 somente 1x por ano (Resolução 33 de 1
de Julho de 2009);
20)
deslocações no interior para deputados simples – “Per diem” de 28.000,00 kzs,
despesas de representação de 60,000 kzs; para o exterior do país: subsídio
diário de USD 450, despesas de representação USD 1500, despesas
extraordinárias USD 1200, ajudas de custos ao embarque USD 750 somente
1x por ano (Resolução 33 de 1 de Julho de 2009);
21)
viatura protocolar e familiar – 260 Lexus no valor global de USD 40milhões de
dólares, incluindo viaturas especiais para Presidência da AN (na IIª
legislatura foram USD 45 milhões para 256 BMWs);
22)
subsídio de fim de legislatura – 12.160.00000, kzs
Ufa!
É muita mordomia, para pouco trabalho legislativo, imparcial, responsável,
numa tribuna que não é espelho da reconciliação e conciliação nacional, bem
como da contenção económica. São gastadores cujo maior mérito é fazerem passar
tudo e às cegas vindo do Titular do Poder Executivo, que é um exímio pagador
destes favores, como se pode verificar no quadro sinótico acima.
Ora
são estas mordomias que levou a maioria destes deputados a inverter um
princípio basilar de qualquer parlamento, que é a fiscalização da acção do
executivo, que os deputados angolanos, não fazem, em cumplicidade com o
Tribunal Constitucional, para beneficiar apenas o chefe, através do inconstitucional
Acórdão 319/2013, sobre a fiscalização sucessiva ao governo.
Este
arrozoado sobre a norma constitucional ofende a democracia e fere gravemente qualquer
princípio democrático em que se exige fiscalização daqueles que gastam o que é
de todos, em nome de todos e para todos, logo os cidadãos com esta “engenharia”
estão a ser defraudados.
Mas,
infelizmente, os senhores deputados esqueceram-se, como se poderiam lembrar,
estar o salário mínimo em Angola fixado entre 15.003,00 e 22.504,50 Kwz, em
2015 quando finalmente chegou o momento de se discutir o mesmo preferiram
adiar o debate para “outro momento melhor”, pese o salário dos legisladores
ser 25 vezes superior a de um trabalhador de base.
Infelizmente
os deputados parecem anestesiados, tendo em linha de conta, que ainda à pouco
tempo, pasme-se, a discussão centrava-se entre a compra de viaturas de marca
Jaguar ou BMW com valores bem acima dos USD 260.000,00/por unidade. Na actual
legislatura os deputados optaram por viaturas de marca Lexus que custam somente
USD 150.000,00, demonstrando que em tempos de crise os deputados não se
identificam com a austeridade.
Daí
que o discurso presidencial tenha passado ao largo dessa situação, tal como da
denúncia de práticas ilícitas passíveis de abertura de CPIs para apurar os
factos:
1)
A SNL é a maior empresa pública de Angola, gerindo activos públicos, e recebendo
10% por ano das receitas petrolíferas, aventurou-se num processo leonino de
internacionalização, na Ásia, com incidência noi Iraque, sem dar explicações ao
país; compra de acções empresas portuguesas e em Portugal, muitas das quais são
depois, transferidas para a esfera de privados, sendo empresa charneira no
denominado processo de acumulação primitiva de capital;
2)
Escolha sem critérios universalmente aceites, tudo com a capa de apoiar a
entrada de angolanos, na indústria de petróleo e gás, por via de esquemas partidários
de alguns dirigentes e generais;
3)
A confusão da Cobalt e Nazaki Oil, está a levar a Sonangol a ser forçada a
comprar, por bilhões de dólares a participação destas empresas nos blocos de
petróleo;
4)
Os 32 biliões de dólares da conta do petróleo, reportados pelo FMI e Banco
Mundial, que o Governo só conseguiu justificar uma parte por “distorções estatísticas”
entre a Sonangol e Ministério dos Petróleos, onde anda?
5)
O BESA faliu sem antes deixar uma factura resolvida de USD 6 biliões, contabilizados,
até agora, estão a ser pagos pelo contribuinte angolano, para a criação do
BESA-BOM (Banco Económico
SA), via Sonangol, para além de outras engenharias;
6)
O GRN geriu biliões de dólares de fundos públicos por via dos empréstimos, na
primeira versão da relação com a China, criou-se o CIF e outros apêndices, a
instituição faliu transferiram-se as dividas para a Sonangol e outras
entidades do Estado, mas nunca os seus responsáveis prestaram conta;
7)
O contingente chinês está a fazer concorrência desleal, aos angolanos na
Zunga, no negócio do carvão e outros trabalhos menores, que em situação normal,
deveriam ser exclusivos para os nacionais;
8)
Na segunda versão da relação com a China fala-se da venda largas parcelas do
território nacional, face a empréstimos multimilionários, sem a autorização do
parlamento;
9)
Numa determinada noite entraram determinados dirigentes, no BNA e de lá saíram
com mais de USD 150 milhões de forma ilícita;
10)
Em 2010 Angola organizou uma das Copas Africanas mais caras de todos os
tempos, gastando mais de USB 1,7 mil milhões de dólares, mas até hoje, não se
conhece o relatório e contas dos gastos desse dinheiro público;
11)
Investimento em mais de 1,300 mil milhões de dólares, nos projectos PRESILD e
Aldeia Nova, que, faliram em tempo recorde, sem prestação de contas;
12)
O orçamento para a indústria da recolha dos resíduos sólidos em Luanda é
multimilionário, mais de USD 400 milhões, mas o lixo não é recolhido e o
contribuinte continua a pagar as mesmas empresas de costume, que não prestam
contas.
Como
se pode verificar estes assuntos continuaram, por razões óbvias a ficar de
fora e os deputados, quiçá, por ser os mais caros e despesistas dentre 53
nações africanas, não exigem, pois são “untados” com benesses, para tapar os
olhos a estas aberrações e elefantes brancos, a maioria de iniciativa presidencial,
tal como as leis, que deveriam ser iniciativa e produção parlamentar;
No
Kénia e na Nigéria os deputados estão a baixar os salários e regalias que auferiam,
sob pressão da sociedade civil que se fartou das orgias financeiras dos
políticos. Na África do Sul o Presidente gastou indevidamente USD 30 mil dólares
e o irreverente político jovem, Julius Malema, com o seu partido o EFF, lideram
um processo judicial, para que o Presidente seja condenado a devolver os fundos
públicos, gastos em obras particulares.
Os
deputados angolanos deveriam lembrar-se terem sido eleitos pelo povo de forma
democrática, directa e universalmente, diferente de outros órgãos, que se
assumem de soberania, mas tiveram eleição indirecta e a reboque do voto parlamentar.
Em
15 de Junho de 2015, o mundo comemorou 800 anos da outorga da Magna Carta, em
1215 quando os súbditos a impuseram aoo Rei João Sem Terra, colocando fim aos
impostos aleatórios, a delimitação do poder do rei e o habeas corpus, para além
de indicarem o parlamento como o guardião das leis e regras constitucionais.
Finalmente,
à entrada desta sessão, os deputados esqueceram-se de fazer declarações de
princípios, como alerta ao Titular do Poder Executivo, para que respeita-se a
irreverêrencia da juventude que quer democracia, liberdades, melhor educação e
saúde e não golpes de Estado, que constituem uma miragem e perturbação, quando
temos consciência de não estarmos a gerir bem a rés pública. Juntem-se os deputados
as vozes da sociedade civil, vossos eleitores, para não se deixar que os
nossos filhos morram de fome nas cadeias. De igual modo, não deveriam tolerar
que se cataloga-se os taxistas como insurrectos, face a sua utilidade na
sociedade.
Ademais
deveriam ser os deputados contundentes no que toca a política de terror
policial, nos lugares de culto, por simples vigílias que servem para aliviar o
sofrimento e a dor dos familiares, amigos e cidadãos. Quando se tem medo, também
de vigílias estamos a passar uma má mensagem aos povos.
Por
todas estas razões, os deputados deveriam comprometer-se a fazer mehor o seu
trabalho, pois o povo tem feito a sua parte e já não colhe as falsas reclamações
da falta de meios e, das armadilhas do executivo. Se não têm condições, como
advogam, para defender o povo: demitam-se, devolvendo o poder ao Soberano,
para que este volte a confiar o seu poder a outrem que melhor os represente.
Isto
por não bastar dizer, em emblemáticos discursos: “Viva Angola de Cabinda ao
Cunene e do Mar ao Leste; ou que “somos milhões e contra milhões ninguém
combate!” se nada fôr feito para dignificar a vida do cidadão, independentemente,
da sua coloração política. É
tempo de agir com clareza, transparência e honestidade patriótica.
*Editor
(nesta edição) para Assuntos Parlamentares
*Tenente-General
- Email: osconselhosdogeneral@gmail.com
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