O
Ministério Público do regime de Eduardo dos Santos especifica que, no caso da
detenção dos jovens activistas, há “factos que evidenciam claramente que os
arguidos participavam em reuniões com vista a traçar estratégias e acções
conducentes à destituição do Governo e do Presidente da República”.
Orlando
Castro* Folha 8, opinião
A ter
consistência esta tese daquele órgão do regime, todos os principais dirigentes
dos partidos da Oposição, nomeadamente da UNITA e da CASA-CE deverão ser
presos. Isto porque, pelo menos nas democracias, é normal a oposição “traçar
estratégias e acções conducentes à destituição do Governo e do Presidente da
República”. É para isso que a oposição existe.
O
despacho da ala radical do MPLA, eufemisticamente apelidada de Ministério
Público, afirma que os 15 activistas foram detidos –nem mais, nem menos – “em
flagrante delito” quando se preparavam para uma actividade criminosa, cuja
etílica matéria de facto recolhida pelos peritos revela “actos preparatórios
para a prática de rebelião e atentado contra o Presidente da República”.
Nesse
flagrante delito, foi descoberto em poder dos jovens diverso material bélico,
altamente letal, a saber: 12 esferográficas BIC (azuis), um lápis de carvão
(vermelho), três blocos de papel (brancos) e um livro sobre como derrubar as
ditaduras.
Sabe-se,
igualmente, que a Polícia Nacional do regime descobriu que os jovens activistas
tinham mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas nos
telemóveis e outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos.
São, reconheça-se, provas mais do que suficientes para provar que estavam a
preparar um golpe de Estado.
Os
jovens estavam no seu quartel-general, por sinal uma residência em Luanda, numa
reunião dos seus estrategas militares que planeavam o golpe a partir da leitura
do livro “Da ditadura à democracia — Uma estrutura conceptual para a
libertação”, do norte-americano Gene Sharp.
No
quintal, debaixo de uma mangueira, o exército mobilizado por esses jovens
(talvez uns milhões de guerrilheiros) afinava os códigos para lançamento dos
mísseis e, talvez, até de ogivas nucleares contra a residência de Eduardo dos
Santos…
Perante
este manancial de provas, o Ministério Público do regime provou que os jovens
activistas estavam envolvidos numa conspiração para a “destituição do
Presidente da República e de outros órgãos de soberania”, plano que estava a
ser congeminado há muito, muito tempo. Cerca de três meses.
“Os
factos descritos evidenciam claramente que os arguidos participaram em reuniões
com vista a traçar estratégias e acções, tais como manifestações, greves e
desobediência civil generalizada, conducentes à destituição do Governo e do
Presidente da República”, considera – com uma antológica perspicácia – aquele
órgão do regime.
Os
procuradores do regime entendem, baseados nos dados recolhidos, que as sessões
de formação realizadas na livraria Kiazele, na Vila Alice, em Luanda, visavam
“mobilizar as massas populares ideais para desacreditar a governação do
executivo angolano”. Coisa difícil dada a credibilidade de que goza, há 40
anos, o regime, e há 36 anos o Presidente Eduardo dos Santos.
Ainda
com a perspicácia investigativa dos melhores peritos do país, foi possível
concluir que nesses “encontros de concertação” se preparava a máquina de guerra
para “destituir o poder político em Angola”. Poder esse legitimado
democraticamente e que, inclusive, faz com que José Eduardo dos Santos nunca
tenha sido nominalmente eleito.
O
Ministério Público do regime aborda igualmente a análise conspirativa dos
frustrados (como chamou aos jovens o próprio Eduardo dos Santos) baseada numa
“suposta obra de Domingos da Cruz [um dos arguidos] com o título “Ferramentas
para destruir o ditador e evitar nova ditadura: Filosofia para a libertação de
Angola”, uma adaptação do livro de Gene Sharp “Da Ditadura à Democracia”.
Pedagogicamente,
ou não fossemos todos matumbos – o Ministério Público do regime explica que
essa obra “inspirou as chamadas revoluções nos países da Europa de Leste,
países nórdicos, africanos, como a Tunísia, o Burkina Faso, Egipto e Líbia,
cujas consequências de tão nefastas deixaram os países atingidos completamente
na desgraça, destruídos pelo vandalismo e pelas guerras que se seguiram”.
Mostrando
que (até) sabem ler, os instrutores do processo explicam que naquele obra o
autor “ensina como desencadear acções de raiva, revolta e revolução para o fim
da tirania através de manifestações generalizadas, greves e desobediência
civil”.
Mais.
Concluem que os jovens, ao “importar os ensinamentos de Gene Sharp”, pretendiam
impulsionar um descontentamento generalizado da população “com o objectivo de
destituir” José Eduardo dos Santos.
O
Ministério Público do regime pormenoriza, o que só comprova a eficiência dos
seus serviços secretos, as fases das reuniões subversivas. Ou seja,
“explicações sobre a metodologia e objectivos a perseguir e preparação de
acções para a destituição do Presidente da República, ao que seguiria a criação
de um governo de transição”.
Acrescentam
as autoridades do regime que os activistas foram apanhados com a boca no
botija, ou seja (quase) com o dedo na gatilho. Por outras palavras, no exacto
momento em que aprovavam “greves, manifestações generalizadas, violência e o
incêndio de pneus em todas as artérias da cidade de Luanda”. E não iam fazer
por menos. Eram toneladas de pneus para encher “todas as artérias” de Luanda.
“Os
arguidos planeavam formar um governo de salvação nacional e elaborar uma nova
Constituição”, dizem os rapazolas do Ministério Público do regime, mostrando
contudo que os activistas, inimigos ou terroristas até já tinham gente a
trabalhar num novo governo e numa nova constituição. É obra, reconheça-se.
Perante
este amontado de crimes, o Ministério Público do regime volta à pedagogia
dizendo que “o poder político é exercido por quem obtém legitimidade mediante
processo eleitoral livre e democraticamente exercido, sendo ilegítimos e
criminalmente puníveis a tomada e o exercício do poder político com base em
meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a
Constituição”.
“Os
arguidos, que se auto-denominam também de jovens revolucionários e se dizem
defensores dos direitos humanos e lutadores pela democracia, não respeitaram
(nem respeitam), voluntária e conscientemente, os órgãos de soberania, a
Constituição da República de Angola e as leis do país, nomeadamente a lei de
reunião e de manifestação”, diz o Ministério Público do regime.
É
de crer que só mesmo a benevolência divina de Eduardo dos Santos impedirá que
estes frustrados energúmenos não sejam condenados a entrar – como outros – na
cadeia alimentar dos jacarés do Bengo.
*Orlando
Castro é chefe de redação do Folha 8
Sem comentários:
Enviar um comentário