Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
Os
títulos e as honras são mesmo assim, ficam para sempre como parte da
representação de parte do passado de alguém. E, como tal, que ninguém enfie a
carapuça pelo título: o Inverno da democracia ainda não chegou para todos, há
quem pense que a Constituição deve ser levada a sério e as legítimas hipóteses
negociais são válidas tanto à Esquerda como à Direita. É certo que a liberdade
de expressão em Portugal parece espremida por uma imensa maioria de analistas
que se julga superiormente eleita pela moralidade dos seus interesses. Mas não
terão sido estas as "encenações" que Paulo Portas ontem referiu. Uma
coisa é a opinião, outra o ilusionismo. "É a economia, estúpido!" foi
uma das bandeiras comunicacionais de Bill Clinton contra George W. Bush na
campanha para as eleições presidenciais norte-americanas de 1992. Bush,
imbatível nas sondagens após os "êxitos" da sua política externa, só
poderia ser derrotado pela economia doméstica. James Carville, estratega de
Clinton, foi directo ao essencial da mensagem e domesticou-a: a necessidade de
mudança, a defesa do sistema de saúde e o primado da economia. A mesma análise
económica que nos diz que Portugal tem hoje mais pobres do que em 1974. Será,
então, estúpida a democracia? Se a análise política não for mais plural, com
infelicidade, é só uma questão de tempo. Ouviremos dizer que sim.
Cavaco
Silva, amanhã, indigitará Passos Coelho para formar Governo. Até aqui, nada de
novo tendo em conta que a PàF ganhou as eleições e deve ser indigitada. Mas a
PàF não ganhou o país. Pelo contrário. É no Parlamento que os deputados
eleitos, expressão legítima dos votos maioritários dos portugueses, devem
expressar e espelhar as negociações entretanto mantidas pelos partidos em cujas
listas foram eleitos. Percebe-se bem o medo e a demagogia dos poderes
instalados, neste "ver se te avias" para pintar o bicho-papão com
mais vermelho e mais negro. O temor não está reverente, antes afia as garras e
agita a bandeira do golpe de Estado.
Antes
de ser ouvida pelo presidente da República, a coligação PàF reuniu ontem com a
Confederação do Turismo Português. Talvez na perspectiva da Esquerda ao
reclamar que "vão para fora, cá dentro". Mas Passos e Portas parecem
vestir t-shirts com a maioria dos seus "observadores": frase a
"bold" e à medida do peito inchado, "Je suis PàF". Todo
esse medinho de sair. Por ser uma histórica primeira vez em que a esquerda se
pode entender, atemorizam-se muitos daqueles que antes elogiavam (ou acusavam)
o BE por ser apenas um partido de convicta oposição e elogiavam o PCP pelo
amplo sentido de responsabilidade institucional. Os tempos mudam. São os mesmos
que, quando agora o BE favorece uma solução positiva que defenda salários e
pensões como limiar mínimo de entendimento e o PCP exerce a sua
responsabilidade histórica de procurar encontrar pontes na Esquerda, aparecem
deformados ao espelho. Para estes, nem há construção no BE, nem
responsabilidade no PCP. Provavelmente porque nem seus piores pesadelos
sonharam com eles. Agora juntos pelo contexto miserável da anterior
legislatura.
Mérito
indesmentível. Estas eleições, em duas semanas, fizeram mais pela percepção do
nosso sistema eleitoral democrático do que quatro décadas de democracia. Ainda
assim, as eleições presidenciais continuam um fenómeno por explicar. A Direita
já o percebeu. Já é difícil entender como, à Esquerda, ainda há quem pense que
na ausência de uma candidatura agregadora de todo o seu espectro político
(correndo e simultâneo, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém não o agregam,
dividem-no profundamente) e num contexto de vitória anunciada de Marcelo Rebelo
de Sousa, um reino não se faça pela divisão. A Esquerda só poderá evitar uma
derrota copiosa na primeira volta das presidenciais se agregar diversos
candidatos à Esquerda. É um dos raros casos em que a divisão soma. Desde que,
na segunda volta, todos assumam a responsabilidade de um bem que julguem maior.
O
entendimento à Esquerda está longe de ser um caso fechado e, historicamente, a
Direita tem muito maior facilidade em entender-se. Aliás, está bem entendida: é
a finança, estúpido! Independentemente do que suceda, estas eleições trazem
força de luz ao processo de identificação da democracia portuguesa: todos são
"forçados" a optar quando a política do poder se divide em dois
blocos. Não parece mas está tudo mais claro. Sabemos agora, inequivocamente,
quem nega ou tem medo da Constituição que jurou defender ou, pelo menos, que
jurou respeitar e honrar.
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