Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
O
conceito de rico, entre nós, é tão variável quanto a temperatura no interior
dos transportes públicos. Normalmente, os ricos ficam mais ricos quando a
Direita governa (acusa a Esquerda e prova a estatística recente) e ficam mais
pobres (ou só mais inventivos) quando a Esquerda assume o poder. Mas de que
ricos falamos quando fazemos a divisão por pagadores de impostos? Falamos,
quase sempre, dos "ricos" que trabalham por conta de outrem, com
empréstimos bancários, filhos a seu cargo, com uma vida financeira
razoavelmente estável, mas controlada. Em suma, falamos das classes média e
média-alta, que são os pilares do sistema fiscal. E não propriamente dos
magnatas que organizam festas sumptuosas em alto-mar, bebem champanhe francês
às refeições e acomodam as fortunas em paraísos fiscais. Porque, para esses, os
governos, conservadores ou revolucionários, serão sempre uma circunstância
passageira com que eles saberão lidar com o charme e bonomia habituais.
Por
isso é que o debate sobre o efeito da eliminação progressiva da sobretaxa do
IRS nos rendimentos das famílias é muito mais ideológico do que prático. Na
verdade, o que a reforma anunciada pelo Governo de António Costa torna evidente
é que a esmagadora maioria dos "ricos" permanece a bordo da agitada
barca da classe média. Basta ver que 70% dos 930 milhões de euros que a
sobretaxa do IRS rendeu por ano ao Estado foram suportados pelos contribuintes
que ganham entre sete mil e 40 mil euros (ou seja, que auferem, no topo do
escalão, 500 euros e 2800 euros brutos/mês, respetivamente).
A
maioria de Esquerda não foi tão longe quanto desejariam PCP e BE, porque o PS
foi obrigado a beber do fel com que se alimenta a dura realidade das contas
públicas. Nesse sentido, a proposta que o PCP leva ao Parlamento é mais realista
e justa, na medida em que isenta os contribuintes do segundo escalão, com
rendimento anual até aos 20 mil euros (1400 euros brutos/mês). Mas, lá está,
como custa mais dinheiro ao Estado... Veremos, pois, o que dizem as contas do
próximo ano. E se sobra realmente margem para acabar de vez com este imposto em
2017.
A
sobretaxa do IRS foi, para sermos brandos, uma usurpação. Abençoada, por isso,
seja a morte deste imposto sobre um imposto. Mas daí até concluirmos que a
economia vai, de repente, começar a pular de alegria (o aumento para um
trabalhador médio é de cinco euros por mês) e os ricos serão finalmente
castigados vai uma longa distância.
Os
impostos continuam a ser apenas uma arma de afirmação política. E enquanto isso
não mudar, a anormalidade fiscal em que vivemos há muitos anos continuará a
impedir a estabilidade das famílias, a afastar o interesse dos investidores e a
permitir aleivosias como a de haver mais de 900 contribuintes que têm pelo
menos cinco milhões de euros de rendimentos ou 25 milhões de euros de
património que não liquidam os impostos devidos. Esses, sim, os ricos que
deviam pagar a crise.
*Editor executivo adjunto
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