Martinho Júnior, Luanda
1
– África tornou-se no continente onde se foram instalando, muito por poderosa
ingerência compulsiva da ocupação colonial, as relações mais desestabilizadoras
e desequilibradas que alguma vez foram experimentadas pela humanidade em parte
alguma do globo e, em consequência traumatizante disso, são os africanos que
polvilham ainda hoje a cauda dos sucessivos relatórios da ONU, referentes aos
Índices de Desenvolvimento Humano.
Esse
longo e complexo processo, durou séculos a fio, desarticulando as muito vulneráveis
sociedades africanas, de tal forma que nem as independências vieram resolver as
questões profundas desses contenciosos que se prendem entre outros, a factores
de ordem histórica, antropológica e sócio-política, numa equação com os
factores de ordem físico-geográfica-ambiental, que são também eles sujeitos às
premissas impostas pelo domínio vindo de fora.
Em “O
LABORATÓRIO AFRICOM” detalhamos alguns dos aproveitamentos nefastos
alimentados pelo vigor neo colonial, realçando os aspectos que nutrem a
disseminação do caos no continente africano, sem esgotar todavia o assunto.
2
– Reverter a tendência da degradação, num quadro em que África é “um corpo
inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço”, foi e é uma aspiração
ciclópica e corrente por toda a África, mas também aí a subversão dos esforços
tem deixado sua marca crítica, indefectível e dramática.
No
momento em que os esforços mais ingentes e inteligentes se puderam concentrar
nas organizações que compuseram o Movimento de Libertação em África, da Argélia
à África do Sul, foram sendo disseminadas pelo poder dominante ocidental,
organizações etno-nacionalistas com vista a consumir o oxigénio do Movimento de
Libertação em África e assim intoxicar os esforços em prol das expectativas e
esperanças de liberdade.
Isso
funcionou durante décadas a fio e reflecte-se nas horas contemporâneas!
Foram
precisamente Cuba Revolucionária e o MPLA que há 51 anos melhor puderam, em
comum, perceber esse fenómeno e prepararem-se para lhe fazer frente, com
intervenientes desde logo directamente implicados: Agostinho Neto, Ernesto Che
Guevara e Laurent Kabila (1965), com seguidores muito atentos como foram e têm
sido entre outros Jorge Risquet, José Eduardo dos Santos, Raul de Castro e
Joseph Kabila, até aos nossos dias!
Do
4 de Fevereiro de 1961, a 2 de Janeiro de 1965, o MPLA começou a assumir a
linha moderna que deu curso, à latitude sul do país, ao Movimento de Libertação
em África, vindo a constituir de facto Angola numa “pedra angular” desse
tão difícil processo.
O
Programa Mínimo do MPLA foi realizado com sacrifícios enormes, perante o cruzar
constante de obstáculos, riscos e ameaças, a 11 de Novembro de 1975 de boa
memória, tão boa memória como aquele 4 de Fevereiro de 1961, mas subsiste o
empolgante desafio de levar a cabo o Programa Maior, particularmente depois que
a 4 de Abril de 2002 se calaram as armas!
3
– Finalmente, a partir de 4 de Abril de 2002, Angola conseguiu calar as armas,
face a face à história, à antropologia, ao ambiente sócio-político “endógeno”,
aos enormes desafios, obstáculos, riscos e ameaças que se deparam, alguns no
rescaldo de velhos contenciosos, outros em função de impactos recentes,
sobretudo gerados a partir do fim da Guerra Fria.
Por
isso em Angola e nas regiões circundantes, o Não Alinhamento activo em pleno
século XXI subsiste tendo como substância exigente o Programa Maior do MPLA,
sem deixar de sua vinculação estar em jogo em concorrência democrática
multipartidária com outras expressões sócio-políticas, algumas delas sequelas
até de velhos etno-nacionalismos.
Quando
o calar das armas foi alcançado as responsabilidades dos patriotas angolanos
ganharam expressão em caminhos nunca antes experimentados, num quadro em que o
Programa Maior passa obrigatoriamente por décadas de luta contra o
subdesenvolvimento, em que a paz é vital para se semear à latitude angolana a
espécie tão rara quanto frágil da árvore do renascimento africano.
4
– Angola assumiu a paz como um dos eixos essenciais de solução dos contenciosos
internos numa atmosfera multipartidária e em plataformas externas pantanosas
(como a RDC, os Grandes Lagos, ou o Golfo da Guiné…), que implicam, qualquer
delas, a busca incessante de consensos por via do diálogo, do desarmamento, da
recuperação de traumas que vêm de longe e de perto (traumas que atravessaram
várias gerações), da construção e reconstrução de infra estruturas e
estruturas, de inovadoras políticas de redistribuição da riqueza natural, de
busca incessante de harmonia, equilíbrio e justiça social, fortalecendo as
tónicas da educação, da saúde, da reorganização urbana e rural…
A
construção da identidade nacional ainda não pôde vencer algumas questões
básicas que se ligam à antropologia cultural, conforme testemunho corrente que
se pode observar tanto nos ambientes urbanos e suburbanos, quanto nos imensos
espaços rurais.
A
luta contra o subdesenvolvimento requer paz para se poder levar a cabo
atendendo aos seus múltiplos factores de que a cultura é, de facto, um factor
de ponta em relação ao homem e tudo isso num ambiente sócio-político vinculado
à construção duma complexa democracia multipartidária que tem início em
processos representativos, mas que se abre também, cada vez mais, à
possibilidade de participação.
5
– Nem todos os impactos da globalização redundam em factores construtivos,
sobretudo os indexados a processos neo liberais digeridos pela hegemonia
unipolar por via dos “mercados abertos” impostos pelos interesses e
conveniências dominantes com “genes neo coloniais” e“transfronteiriços”.
O
continente africano está afectado directa ou indirectamente por esses impactos “do
Cabo ao Cairo”, isto é: nem a África do Sul se pode livrar deles, ou dos seus
efeitos directos e indirectos!
É
nesse ambiente de “areias movediças” que se mechem os pés ainda
titubeantes da paz angolana e para tal os processos de inteligência são
extraordinariamente críticos, por que sem ela é impossível levar a cabo a
aplicação da lógica com sentido de vida em África no quadro duma tão complexa
luta contra o subdesenvolvimento!
O
relacionamento Angola-Cuba nesse processo, por via substancialmente dos
reforços conseguidos no âmbito alargado e estratégico da “Operação
Carlota”, alimenta as mais legítimas aspirações de luta contra o
subdesenvolvimento num ambiente tão desfavorável, desde aquele longínquo 2 de
Janeiro de 1965.
O
exercício de paz que o Presidente José Eduardo dos Santos tem realizado dentro
e fora das fronteiras do país e até no Conselho de Segurança da ONU, que acabou
com a pena de morte, que desarmou, que desminou, que se abriu às mais diversas
apreciações no âmbito dos direitos humanos basicamente garantidos já pelo
Movimento de Libertação em África, que procura a todo o transe impulsionar
sectores tão diversos que vão desde a educação, à saúde, ou os antigos
combatentes e veteranos da pátria, à reinserção social, ao saneamento básico, à
implantação de energias renováveis, à implantação de esforços em prol da água
potável, à construção e reconstrução de infra estruturas e estruturas, à
diversificação da economia… implica em amplas transformações sócio-culturais que
conduzam em toda a profundidade à gestação duma consciência reflexiva
humanizada e respeitadora da natureza e do ambiente, acima do padrão médio da
mentalidade que permite a paz.
Há
poucos dias no Conselho de Segurança da ONU a delegação angolana apresentou sua
proposta de desarmamento nuclear global, tirando partido do que foi alcançado
por África, continente livre de armas nucleares depois de ultrapassado o regime
de “apartheid”…
É
essa tremenda ousadia que merece ser garantida e cultivada acima de tudo, no
quadro do Não Alinhamento activo em pleno século XXI, sabendo-se que há muitos
ainda que terão dificuldade, inclusive em redundância dos seus estatutos
sociais com reflexos sócio-políticos, em engrenar nessa capacidade que
ultrapassa em muito as plataformas de mentalidade antes alcançadas.
6
– Se em termos antropológicos é tão crítico encontrarem-se soluções de luta
contra o subdesenvolvimento, encontrar formulações geo estratégicas a partir da
água interior, tendo em conta, no âmbito da equação físico-geográfico-ambiental
com os factores humanos, que a matriz da água angolana está na região central
das grandes nascentes, tem merecido um alheamento quase total e isso demonstra
a hipervalorização que se tem dado ao que muitas vezes vem de fora e a
comparativa subvalorização que se dá às capacidades internas do desenvolvimento
sustentável, ainda que seja o futuro a muito longo prazo que esteja em jogo e
com isso a garantia maior de inteligência e de consciência em prol da
construção da identidade nacional.
A
paz por si não resolve se factores humanos e factores físico-geográficos
ambientais não forem tidos em conta na equação do seu inter-relacionamento (a
fim de se consolidarem os processos de desenvolvimento sustentável, de
programação e logística, bem como a mobilização de recursos de toda a ordem,
sobretudo recursos humanos) e isso acaba por fragilizar as aspirações tão
legítimas de Angola, inclusive no âmbito de suas manifestações externas!
A
região central das grandes nascentes em Angola, além duma geo estratégia
inteligente a muito longo prazo, garante à identidade angolana e aos patriotas
encarar os problemas profundos com que se debate o continente africano olhos
nos olhos!
A
busca pela paz a sul do planeta, tem apesar de tudo mais pontos fortes na
América Latina do que em África onde a disseminação do caos transfronteiriço
está em curso pressionando as regiões mais sedentárias de ocupação humana do
continente, as regiões de maior riqueza de água interior.
O
papel de Cuba em relação à paz, é similar ao de Angola, cada um em seu
continente: Cuba conseguiu dar guarida às conversações de paz em curso sobre a
Colômbia, algo decisivo para as espectativas e as aspirações de luta contra o
subdesenvolvimento na América!
Muito
mais que diversificação económica, Angola precisa urgentemente de ser muito
mais sensível aos profundos factores de ordem histórica, antropológica e
sócio-política, equacionados com os factores físico-geográfico-ambientais, de
forma a se determinar a sua própria trilha de desenvolvimento sustentável a
muito longo prazo, num processo gerador de conhecimento, de inteligência, de
consciência patriótica, de construção da identidade nacionl e de mobilização,
tirando partido dos imensos potenciais do homem como da água interior, água que
é vida!
Se
assim não for, Angola terá dificuldades acrescidas também em relação à região
fulcral dos Grandes Lagos e à RDC, sendo incapaz de sair dos parâmetros
alcançados nos seus actuais esforços políticos-diplomáticos em prol da paz em
África, um projecto condicionado pelas conjunturas manipuladas pelo AFRICOM e
potências que pretendem neo colonizar África.
Assumo
essa visão patriótica, ainda que ela tenha sido até agora tão subvalorizada!
Em
saudação ao 4 de Fevereiro de 2016
Ilustrações
e fotos
-
Mapa de África evidenciando-se as pressões humanas que existem sobre as regiões
mais ricas de água e de biodiversidade;
-
Mapa de Angola colocando em destaque os Parques e Reservas Naturais: de todos
eles só a Reserva Natural e Integral do Luando corresponde basicamente em
relação às nascentes dos maiores rios angolanos, precisamente na região central
do país, aquela que poderá algum dia servir para se lançar uma geo estratégia
patriótica e vital, a ser exercida a muito longo prazo;
-
O Presidente José Eduardo dos Santos recebendo pela última vez Jorge Risquet (Risquet
viria a falecer pouco tempo depois); 51 anos de identidade e aspirações comuns
entre a Revolução Cubana e o MPLA, com toda a evidência nas aspirações de paz e
desenvolvimento sustentável.
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