O
Povo de Cabinda, embora habituado a comunicados enviesados do Governo sobre
Cabinda, continua a ter dificuldades em compreender e digerir o que o regime
entende como verdades absolutas.
Orlando
Castro*
Verdades
absolutas que lembram aquelas do Império romano que, aliás, tinha homens sérios
na sua direcção. Diz o provérbio latino que quem se cala (parece) que consente,
e é por isso que a sociedade civil de Cabinda acha pertinente dizer de sua
justiça, diante de tantos quiproquós gerados e difundidos pelo regime.
Ouvindo
a verdade absoluta do regime, fica-se com a impressão que o nacionalismo
cabindês, com as suas lídimas aspirações à autodeterminação, surge nos fins dos
anos noventa. Essa é a estratégia oficial que, ao subverter a realidade, tenta
passar a ideia de que os cabindas são terroristas e subversivos, justificando
por isso prisões, raptos e assassinatos.
Importa,
por isso, recordar (para além do facto de ninguém ser dono da verdade) que, por
exemplo, FLEC/FAC foi fundada em Agosto de 1963, fruto de um longo processo
político nos anos quarenta. Testemunhas, ainda vivas, atestam as idas,
separadamente, de cabindas e angolanos à ONU.
Termos,
como Paz, Reconciliação e Desenvolvimento, parecem ter, quando se fala de
Cabinda, uma outra conotação e, simplesmente, esvaziados da força quer humana
quer histórica que transportam, em princípio, consigo. A Paz que o regime impõe
em Cabinda é ter as povoações cercadas de militares, é impedir que os cabindas
vão livremente às lavras e à caça, é conviverem, sem direito à indignação, com
a discriminação e permanentemente sob a mira de uma polícia com carta-branca
para tudo, de uma Polícia de Investigação Criminal que primeiro prende e,
posteriormente, investiga. Segundo regime, pa para Cabinda é, até, impor-lhe um
deus, uma igreja e um pastor à força da baioneta.
Reconciliação
para os cabindas é, segundo o regime de Eduardo dos Santos, desaparecer como
Povo e ajoelhar-se diante um poder sempre predisposto a humilhar e a
descaracterizá-lo. Desenvolvimento para Cabinda é ter a mão estendida aos dois
Congos para o frango, o feijão, o cimento e para a dor de dentes.
Em
Cabinda vive-se uma guerra, desmentindo todos os que em Luanda dizem o
contrário. Como se isso não bastasse, o regime confunde deliberadamente diálogo
com monólogo. Tem sido sempre esta permanente sobranceria do Governo angolano,
quando dialoga, monologando com o Povo de Cabinda, ao impor à FLEC as suas
soluções unilaterais, amordaçando a Sociedade Civil, ao reduzir o seu espaço e
calar a sua voz. Numa palavra; o cabinda não tem direito à cidadania.
As
gerações sucedem-se, mas mantém-se indelével o sentimento profundo de um Povo,
que uma acção política tendente simplesmente a cercear tudo o que cheira a
cabinda: História (datas e momentos marcantes) e Cultura (nomes, língua e
espaço vital) não logrou aniquilar. A política da palmatória não desenvolveu,
até agora, no cabinda a Síndrome de Estocolmo, pelo contrário, enrijeceu a sua
determinação em salvaguardar a sua especificidade.
Nenhuma
solução será encontrada para Cabinda se o Governo e o MPLA, porque nem todo o
Povo angolano pensa assim, continuarem a sofrer da psicose da ponte sobre-o rio
Zaire. Esta unir-se-á com a RDC e não com Cabinda, se o cabinda não for poder
em Cabinda.
A
independência do Sudão do Sul, a queda de muitos Mubaraks e as grandes mudanças
constitucionais levadas a cabo pelo próprio rei de Marrocos, Muhamed VI, deviam
levar as elites do poder angolano a reflectirem seriamente sobre o futuro do
território de Cabinda.
É
um contra-senso que alguém que tenha lutado contra o colonialismo teima, agora,
que um outro povo não viva a sua liberdade plena (mestre do seu destino
colectivamente consentido e das suas riquezas) e que todos os dias lhe recordam
que não é livre.
A
FLEC e todos os seus líderes estiveram sempre abertos ao diálogo e a Sociedade
Civil um facilitador, todavia, do lado do Governo meramente um fazer-de-contas
com um monólogo insistente e ensurdecedor.
Tibete,
Timor-Leste, Kosovo, Cabinda
Novembro
de 2011. Um dia depois de uma freira budista se ter imolado pelo fogo, e
morrido, um activista tibetano recorreu à mesma forma de protesto em frente à
embaixada da China em Nova Deli.
Este
foi um método de alerta para um mundo cego, mudo e surdo a tudo quanto não lhe
interessa, mesmo que envolva seres humanos.
No
dia 16 de Julho de 2011, o presidente norte-americano, Barack Obama, manifestou
uma “preocupação sincera” sobre os direitos humanos no Tibete. Saberá Barack
Obama o que é Cabinda? Não sabe, com certeza. Se até o presidente do país que
assinou um acordo de protectorado com Cabinda não sabe…
Barack
Obama é “o presidente da maior democracia e, naturalmente, manifestou a sua
preocupação com os valores humanos fundamentais, com os direitos humanos e com
a liberdade religiosa”, disse o líder espiritual dos tibetanos.
Recorde-se
que, segundo o conselheiro jurídico e político do líder tibetano, Michael Van
Walt, a proposta de autonomia apresentada pelo Dalai Lama à China “é muito
parecida à que José Ramos-Horta propôs à Indonésia” em 1995-96.
Michael
Van Walt considera também que o que aconteceu em Timor-Leste e no Kosovo
“tornou as coisas mais difíceis para o Tibete”.
Segundo
o conselheiro do Dalai Lama, que tem uma larga experiência internacional e foi
também assessor jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros timorense, a
proposta de autonomia da chamada “frente diplomática” foi apresentada a Jacarta
“cerca de dois anos antes da grande crise na Indonésia” (em 1997).
No
que a Cabinda respeita, Portugal não se lembra dos compromissos que assinou
ontem e, por isso, muito menos se recordará dos assinados há mais de um século.
E, tanto quanto parece, mesmo os assinados ontem já estarão hoje fora de
validade.
Portugal
não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelos
Acordos de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo
menos moral (se é que isso tem algum significado), por tudo quanto se passa no
território, seu protectorado, ocupado por Angola.
Quando
o actual presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, diz que
Angola vai de Cabinda ao Cunene está, desde logo, a dar cobertura e a ser
conivente, como acontece com a China em relação ao Tibete, com as violações que
o regime angolano leva a efeito contra um povo que apenas quer ter o direito de
escolher o seu futuro.
Mas
terá Cabinda similitudes com Timor-Leste? E com o Kosovo? E com o Saara
Ocidental?
Embora
a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana e
similares elefantes brancos) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe
e não é por não se falar dele que ele deixa de existir.
Cabinda
é um território ocupado e nem o potência ocupante como a que o administrou
pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem.
Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever,
mesmo quando o importante é apenas o petróleo.
Vários
pesos e medidas
Quando
o governo português reconheceu formalmente a independência do Kosovo, o seu
então ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, disse que “é do interesse
do Estado português proceder ao reconhecimento do Kosovo”.
E
apontou quatro razões que levaram à tomada de decisão sobre o Kosovo: a
primeira das quais é “a situação de facto”, uma vez que, depois da
independência ter sido reconhecida por um total de 47 países, 21 deles membros
da União Europeia e 21 membros da NATO, “é convicção do governo português que a
independência do Kosovo se tornou um facto irreversível e não se vislumbra
qualquer outro tipo de solução realista”.
Deve
ter sido o mesmo princípio que, em 1975, levou o Governo de Lisboa a reconhecer
o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos
com a FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de
mortos da guerra civil.
Como
segunda razão, Luís Amado referiu que “o problema é político e não jurídico”,
afirmando que “o direito não pode por si só resolver uma questão com a
densidade histórica e política desta”. Amado sublinhou, no entanto, que “não
sendo um problema jurídico tem uma dimensão jurídica de enorme complexidade”,
pelo que “o governo português sempre apoiou a intenção sérvia de apresentar a
questão ao Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas”.
Ora
aí está. Cabinda (se é que os governantes portugueses, sejam eles quais forem,
sabem alguma coisa sobre o assunto) também é um problema político e não
jurídico, “embora tenha uma dimensão jurídica de enorme complexidade”.
“O
reforço da responsabilidade da União Europeia”, foi a terceira razão apontada
pelo então chefe da diplomacia portuguesa. Amado considerou que a situação nos
Balcãs “é um problema europeu e a UE tem de assumir um papel muito destacado”,
referindo igualmente que a assinatura de acordos de associação com a Bósnia, o
Montenegro e a Sérvia “acentuou muito nos últimos meses a perspectiva europeia
de toda a região”.
No
caso de Cabinda, a União Europeia nada tem a ver. Tem, no entanto, a CPLP
(Comunidade de Países de Língua Portuguesa) onde – desculpem a ingenuidade –
Portugal desempenha um papel importante.
Luís
Amado frisou ainda que Portugal, ao contrário dos restantes países da UE que
não reconheceram o Kosovo, não tem problemas internos que justificassem as
reticências. Pois. Os que tinha (Cabinda é, pelo menos de jure, um problema
português) varreu-os para debaixo do tapete.
Como
última razão, indicou a “mudança de contexto geopolítico que entretanto se
verificou” com o conflito entre a Rússia e a Geórgia e a declaração de
independência das regiões georgianas separatistas da Abkházia e da Ossétia do
Sul que Moscovo reconheceu entretanto.
Isto
quer dizer que no actual contexto geopolítico, Cabinda é Angola. Amanhã,
mudando o contexto geopolítico, Portugal pensará de forma diferente. Ou seja, a
coerência é feita – à boa maneira portuguesa – ao sabor do acaso, dos
interesses unilaterais.
*Folha
8, em Mukandas
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