Rafael
Barbosa* – Jornal de Notícias, opinião
Estava-se
mesmo a ver que esta história de aumentar o salário mínimo para os 530 euros ia
acabar mal.
Bem
prega a Comissão Europeia, como Frei Tomás (Torquemada para os amigos), por
políticas virtuosas. Não temos emenda. Fazemos umas contas simplórias, como
dividir 530 euros por 30 dias, e indignamo-nos com os 16,60 euros que isso dá.
Quem vive com semelhante miséria? Uma pergunta que apenas reflete uma visão
pouco qualificada sobre o mercado de trabalho. Reparem, em alternativa, no
elaborado argumentário dos qualificados, e por isso bem pagos, funcionários da
Comissão Europeia: "Os aumentos não parecem alinhados com a evolução
macroeconómica em termos de inflação, desemprego e crescimento da
produtividade". Isto sim, é que é falar. Que profundidade analítica se
encontra em tentar esmiuçar a vida miserável da operária analfabeta de uma
qualquer fábrica de sapatos de Felgueiras? Ou a violência contratual de uma
qualquer jovenzita licenciada que trabalha numa loja de um shopping? O mais
certo é que não estejam alinhadas com a evolução macroeconómica. Ou que tenham
faltado à escola (a operária) ou escolhido mal o curso superior (a rapariga do
shopping). Seja como for, é seguramente culpa delas, não dos inquisidores (como
Frei Tomás) da Comissão Europeia, lugar onde o salário mínimo (para um
trabalhador braçal) é de 1907 euros.
Mas,
escrevia eu que se estava a ver que isto de aumentar o salário mínimo ia acabar
mal. Porque é sabido que aumentar os rendimentos aos desqualificados do
calçado, têxtil, supermercados, lojas, ou da construção civil tem um efeito
dominó. A seguir, os patrões têm de aumentar os salários aos que ganham um
bocadinho mais. Ora, num país em que 42% dos trabalhadores ganham menos de 600
euros, é muita gente a reclamar aumentos. Mais, o efeito dominó vai por aí
acima, até chegar aos CEO. E é assim que chegamos à EDP e a António Mexia, que,
este ano, vai ganhar mais 600 mil euros do que no ano passado, ou seja,
qualquer coisa como 2,6 milhões de euros. O equivalente ao salário mínimo de
4905 operárias do calçado analfabetas e meninas do shopping com cursos de
Psicologia ou Gestão.
Não
se prendam, no entanto, com contas simplórias. Atentem antes na justificação da
comissão de vencimentos da EDP para justificar o justo aumento de Mexia: é
necessário alinhar o salário com o mercado. Ora aí está, a confirmação do
efeito dominó e a prova de que os alertas da Comissão foram certeiros. Aumentam
o salário mínimo aos tipos do fundo da pirâmide e a coisa vai por aí acima,
acompanhando a evolução macroeconómica. Concluindo, quando, por estes dias, se
indignarem no Facebook com o salário milionário de Mexia, tenham pelo menos a
decência de acrescentar que a culpa é do António Costa e da
"geringonça" que o acompanha.
*Editor-executivo
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