Para
quem teve o privilégio de conhecer Fonseca e Costa e trabalhar com ele, dar os
primeiros passos no mundo do cinema português acompanhado por um mestre,
conviver com o realizador e também com o ser humano que olhava em redor e via o
mundo a seu modo, com uma realidade acutilante que lhe despertava massivas críticas
e que o inspirava nas suas obras, pode sentir ter sido bafejado pela sorte num
mundo em que boa parte das pessoas são cobardes por não quererem enfrentar as
realidades que passam em cortejo à nossa volta.
Na
obra que José Fonseca e Costa nos legou quase tudo isso está lá. O importante são
as pessoas, as de coragem e as cobardes. Ali não existem bons nem maus, somente
pessoas e o resultado em imagens e sons apreendidos no gizar da obra que se
formava peça a peça, frame a frame, no imenso cinecérebro do criativo Fonseca e
Costa.
Foi
fazer “fitas” para outro lado e deixou-nos este Axilas – não como um ponto
final mas sim como garantia de continuidade. Talvez que agora o passem a conhecer e dar o devido valor. Para onde foi deverá ser muito
mais e devidamente bem considerado. Mais e melhor do que aqui neste Portugal pequenino,
abafante, de compadrios, onde um tão grande do cinema não cabia. Liberdade,
enfim, Zé. (MM / PG)
Sinopse
de Axilas
Lázaro
de Jesus é o filho adoptado de uma senhora rica de Lisboa, a quem chama Avó. É
ela que o apresenta ao Padrinho, um grande empresário que o toma como seu
protegido, e a Angelina, a mulher com quem a Avó pretende que ele se case. Mas
Lázaro tem outros interesses ocultos, o mais importante dos quais é uma fixação
obsessiva pelas axilas femininas. Quando vê a violinista Maria Pia a tocar,
Lázaro apaixona-se de imediato e passa a viver em função dela, o que irá
precipitar um final absolutamente imprevisível.
Perante
o enigma do feminino
Foi
o filme final de José Fonseca e Costa (1933-2015): "Axilas", baseado
num conto de Rubem Fonseca, faz o balanço de uma temática centrada na relação
entre o desejo masculino e o carácter insondável das personagens femininas.
Filme
paradoxal, sem dúvida, este "Axilas".
Desde logo, porque sabemos que será, para sempre, um objecto marcado por uma
ausência: José Fonseca e Costa faleceu em Novembro de 2015 e já não o pôde
concluir — num trabalho de invulgar paciência e dedicação, Paulo MilHomens
rodou as cenas que faltavam e organizou a montagem.
Depois,
porque mesmo reconhecendo que "Axilas" nem sempre encontra o
equilíbrio necessário entre um dramatismo demasiado "simbólico" e uma
ironia algo bizarra, à beira do burlesco, talvez seja inevitável reconhecer
também que estamos perante um objecto eminentemente pessoal — dir-se-ia que
Fonseca e Costa quis sistematizar o tema (nuclear no seu universo) da relação entre
o desejo masculino e o carácter insondável das personagens femininas.
Nesta
perspectiva, creio que se pode considerar que "Axilas", baseado num
conto de Rubem
Fonseca, estabelece uma relação muito directa com "Os Cornos de
Cronos" (1991). Em ambos encontramos uma personagem masculina à deriva que
enfrenta o enigma do universo feminino num misto de atracção e distanciação.
A
personagem de Lázaro de Jesus, a que Pedro Lacerda procura emprestar uma
calculada ambivalência dramática e moral, surge, assim, como uma espécie de
herói sem heroísmo, uma marioneta da sua própria imaginação. Com todas as suas
fragilidades (por exemplo, na desigual performance dos elementos do elenco),
"Axilas" fica como um testamento imperfeito de um cineasta que sempre
perseguiu uma ideia de perfeição.
Crítica
de João Lopes, RTP, em Cinemax
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