Para
deputada, parlamentares conservadores que votaram pelo impeachment são os
mesmos que ameaçam políticas sociais
Maria
do Rosário* - Brasil de Fato, opinião
Muito
tem sido dito sobre como a crise política brasileira foi conspirada por
políticos corruptos, a fim de buscar impunidade ao sujeitar todos os problemas
estruturais do país na pessoa e no partido da presidenta Dilma Rousseff. Esta é
uma cena que foi encoberta pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha [atualmente, afastado do mandato pela Justiça por denúncias de
corrupção], o qual iniciou os trâmites do impeachmentcomo uma vingança
pessoal contra o governo, por não ter concordado em ajudá-lo na absolvição dele
no que diz respeito aos seus inúmeros crimes. É também um ato de traição
perpetrado por um vice-presidente [Michel Temer], o qual não deveria, sob
nenhuma circunstância, estar negociando apoio político para derrubar sua
companheira de chapa, muito menos com o PSDB, partido derrotado nas eleições
presidenciais de 2014. Isto é, em suma, um golpe de estado, sob o qual a
presidenta eleita por voto popular está sendo imputada de ofensas não
suficientes para sua destituição.
Uma
questão que tem sido menos discutida nesses dias é, justamente, quais outras
motivações políticas, além da corrupção, estão por trás deste perverso processo
de impeachment. Sem dúvidas, um dos principais fundamentos é o anseio
de avançar uma agenda política de direita sem muitos dos obstáculos criados
pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) durante os últimos 13 anos.
Uma agenda que não só põe em perigo numerosas garantias acerca dos direitos humanos
– as quais os brasileiros lutaram para alcançar, mas também que ameaça o
próprio espírito da nossa Constituição Democrática de 1988.
De
acordo com a Agência de Notícias Pública, o grupo de congressistas que mais
votou a favor da destituição da presidenta pertence ao que se tornou conhecido
como a bancada partidária BBB (boi, Bíblia e bala), ou seja, agentes eleitos
que estão ligados, respectivamente, às afiliações rurais, religiosas e de
"tolerância zero". De outro lado, a maioria dos que votaram
"não" vieram das bancadas partidárias dos trabalhadores e dos
direitos humanos, às quais eu pertenço. Isto não é, certamente, uma
coincidência, ao examinar cuidadosamente que modelo de legislação o primeiro
grupo procura aprovar com o apoio de um futuro presidente ilegítimo.
A
partir da bancada dos proprietários rurais, por exemplo, duas propostas
legislativas se destacam. A primeira é uma emenda constitucional que visa mover
a prerrogativa de decidir sobre a demarcação de terras indígenas do Executivo
para o Poder Legislativo. Esta medida fará com que seja praticamente impossível
para qualquer outro pedaço de terra tradicional ser demarcado no Brasil,
precisamente porque muitos deles são também reivindicados por proprietários de
terras privados, os quais são suficientemente poderosos para eleger seus
representantes no Congresso. Se essa emenda for aprovada, o reconhecimento
oficial da dívida histórica que o Brasil tem com suas populações indígenas será
retirada da nossa Constituição.
O
segundo componente da legislação proposta pretende "suavizar" a
definição criminal de "condições de trabalho análogas à escravidão"
em nosso Código Penal. Ao tentar retirar "horas de trabalho
exaustivo" e "condições degradantes de trabalho" como
qualificadores de escravidão moderna na legislação brasileira, esta proposta
busca dificultar para o Executivo e para o Sistema Jurídico os atos de acusar e
processar empregadores, particularmente em áreas rurais, por submeter
trabalhadores a condições desumanas equivalentes à escravidão. Este projeto
viola os princípios dos direitos humanos e também vai contra os esforços
colocados pelo governo da presidenta Dilma Rousseff para garantir a punição da
escravidão moderna com os mais severos meios disponíveis em nossa legislação.
Por
sua parte, os representantes da bancada "tolerância zero" estão
certos de que uma mudança no governo abrirá caminho para a aprovação de seu
projeto de lei mais celebrado: uma emenda constitucional que diminuirá a idade
penal de 18 para 16 anos. O deputado Eduardo Cunha [que exercia a presidência
da Câmara Federal e que foi afastado pela Justiça por denúncias de corrupção]
está pessoalmente engajado em promover esse revés constitucional. Praticamente
todas as maiores organizações não governamentais e organizações intergovernamentais
dos direitos humanos se posicionaram categoricamente contra este projeto de
lei, tendo em vista que o mesmo criminalizará os jovens mais vulneráveis do
Brasil e irá colocá-los no sistema prisional degradante do País.
Aqui,
é importante salientar que Dilma lutou contra a ditadura militar no Brasil, foi
torturada por este regime e, durante seu primeiro mandato, instituiu uma
comissão para investigar violações dos direitos humanos promovidas por agentes
do Estado entre os anos de 1946 e 1988.
Finalmente,
a bancada religiosa, a qual Eduardo Cunha é um membro notório, está apostando
no apoio de um novo governo para avançar uma legislação discriminatória que
prejudicará, em especial, os direitos das mulheres e das populações LGBT. O
chamado "Estatuto da Família", o qual define família apenas aquelas
constituídas por um homem e por uma mulher, está no topo de sua lista, uma vez
que tem potencial para reverter a decisão da Suprema Corte, a qual permitiu o
casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil desde 2011.
Com
o avanço do conservadorismo no Brasil, Dilma tem sido atacada por muitos
motivos, porém também por sem uma mulher. Parte da imprensa e políticos
oposicionistas tratam a primeira presidenta eleita com falta de respeito. Um
bom exemplo é a capa de uma importante revista, na qual estampava a manchete de
que Dilma estaria perdendo a paciência, agindo de forma histérica, mostrando
uma dimensão sexista contra ela.
A
maior probabilidade desses projetos de lei passarem se a presidenta Rousseff
for injustamente afastada de seu cargo não se baseia apenas em conjecturas.
Essa nova maioria no Congresso que se uniu em torno de seuimpeachment é,
explicitamente, o mais inclinado a prosseguir com esta agenda, uma vez que se
considera livre de qualquer pressão do Poder Executivo para que se comporte de
outro modo. Sem mencionar que essas bancadas de direita estariam na posição de
cobrar do presidente não eleito o preço de seu apoio durante o processo de impeachment.
Este
movimento antidemocrático não pode ser percebido como uma mera "virada
conservadora" na política brasileira. Não é o resultado das eleições
presidenciais, uma vez que não reflete os desejos da maioria dos cidadãos que
manifestou seu voto em 2014. Cinquenta e quatro milhões de brasileiros escolheram
uma presidente que promoveria uma agenda baseada em direitos, mais alinhada com
as aspirações dos nossos trabalhadores e dos nossos movimentos sociais e que
também lutaria contra quaisquer ataques às nossas garantias constitucionais.
Ao
longo das últimas semanas, a presidenta Rousseff ganhou o apoio e a confiança
dos movimentos brasileiros de direitos humanos, a fim de continuar e melhorar
seu trabalho neste campo. Nossa sociedade civil quer que o Brasil continue a
ser um líder internacional na promoção da democracia e dos direitos humanos. Ao
longo dos últimos 13 anos, o Brasil surgiu como um exemplo de como um país pode
enfrentar seus problemas estruturais e promover o desenvolvimento, ao mesmo
tempo em que reduz a pobreza, diminuindo a desigualdade e promovendo direitos.
Retroceder essa tendência seria uma vergonha para o Brasil, para os brasileiros
e para o mundo.
Na
foto: A PEC que diminui a idade penal de 18 para 16 anos é uma das medidas que
pode avançar no Congresso em um cenário de golpe / Arquivo/Agência Brasil
*
Maria do Rosário é deputada federal pelo PT
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