Reginaldo
Silva – Rede Angola, opinião
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de um ano e meio depois de termos participado em Luanda na V Semana Social
Nacional promovida pela CEAST e organizada pelo Instituto para a Cidadania
Mosaiko, afecto aos dominicanos, regressamos esta segunda-feira ao mesmo local,
ao Instituto Superior João Paulo II, para recebermos o livro com as suas actas.
Em
Janeiro do ano passado, participamos desta Semana falando das assimetrias e
desafios do direito à informação em Angola, um tema que voltou agora com toda a
força a actualidade, depois de termos tido conhecimento do conteúdo do novo
pacote legislativo sobre a comunicação social.
É
com ele que o Executivo e o partido no poder pretendem controlar a
imprensa/jornalistas deste país, em mais um assalto ao território das
liberdades e dos direitos fundamentais, à semelhança do que estão a fazer com
os advogados e com as ONGs.
Com
algumas diferenças de pormenor, a lógica é exactamente a mesma.
É
a lógica, se possível, da completa satelitização da sociedade aos desígnios do
(actual) poder político, retirando-lhe todos os espaços que permitam uma
movimentação mais independente dos cidadãos.
Antigamente
era com a ameaça directa e a retaliação aberta/ostracismo, agora é com o
silencioso e legítimo “Estado de Direito”, onde todas as encomendas
legislativas são feitas e refeitas à medida da estratégia definida.
Nas
actas que nos foram entregues, está mais uma brochura que a Mosaiko coloca à
disposição do mercado editorial angolano, desta feita com o título “Igualdade
de Oportunidades”, mas pode ser muito mais do que isso em função do
aproveitamento que cada um dos leitores lhe quiser dar.
Estas
actas, como é evidente, só estariam completas se fosse possível anexar todas as
contribuições que foram dadas pelos prelectores e pelos presentes no período
das perguntas e respostas que, normalmente, se segue a apresentação dos
diversos temas e que acaba por ser sempre o momento mais interessante e
dinâmico deste tipo de iniciativa.
Pelo
volume de trabalho que uma tal abrangência necessitaria, sabemos que ainda não
é possível termos as actas completas.
Já
é, contudo, um bom sinal que a Mosaiko consiga dar a estampa uma tal publicação
desde que assumiu a organização deste projecto da CEAST definido como sendo um
“espaço de estudo, reflexão e debate aberto em torno de um tema socialmente
relevante para ajudar os cristãos a tomar maior consciência das suas enormes
responsabilidades”.
Os
cristãos e não só, pois a Semana Social é aberta a todos os cidadãos com o
propósito de se promover um maior conhecimento mutuo para se lançarem as bases
de uma colaboração futura.
Que
balanço mais concreto se pode fazer destas semanas é um desafio que aqui
deixamos aos seus organizadores, embora saibamos que não é fácil medir estes
impactos.
Neste
regresso ao mesmo espaço, tivemos segunda-feira o grato prazer de ouvir D.
Gabriel Mbilingue que orientou a cerimónia, numa intervenção que acabou por
“actualizar” o conteúdo das actas com a mais recente avaliação que a Igreja
Católica fez da situação do país e que remonta a Fevereiro último.
O
Arcebispo do Lubango e Presidente da Comissão de Justiça e Paz não podia ter
sido mais incisivo nesta actualização ao citar o conteúdo da primeira pastoral
deste ano da Assembleia da CEAST na parte referente ao aumento assustador do
“fosso entre os cada vez mais pobres e os poucos que se apoderam das riquezas
nacionais, riquezas muitas vezes adquiridas de forma desonesta e fraudulenta”.
Nesta
actualização o destaque vai certamente para o dedo que os Bispos angolanos
colocaram nas outras razões que explicam a crise e que o poder político não
quer ver, porque não lhe interessa ou porque então está “careca” de saber que é
assim mesmo, por isso se irrita facilmente quando alguém lhe vem recordar o
óbvio.
D.
Gabriel Mbilingue optou por correr este “risco”, tendo recordado a “irritante”
passagem.
“A
crise económico-financeira em que o país se encontra mergulhado não se deve
apenas à queda do preço do petróleo, mas igualmente à falta de ética, má gestão
do erário público, corrupção generalizada, à mentalidade de compadrio, ao
nepotismo, bem como à discriminação derivada da partidarização crescente da
Função Publica, que sacrifica a competência e o mérito”.
Nesta
passagem (re)citada esta segunda-feira pelo mais internacional dos Bispos
católicos angolanos, que acaba de ser reconduzido em Luanda para mais um
mandato como “Presidente da UA dos católicos”, não estando patente nenhuma
grande novidade para quem vive de facto em Angola, está, certamente, um dos
diagnósticos mais contundentes já subscritos pela Igreja sobre o rumo que está
a ser seguido pelo país real.
Acompanhamos
ainda D. Mbilingue a exorcizar esta segunda-feira o fantasma do medo, que, em
abono da verdade, é aquele que mais tem ajudado a governação deste país a impôr
a suas “indigestas receitas” e a nunca reconhecer que é por causa delas que
estamos a “sempre a subir para baixo”.
“Lutemos
juntos contra o medo que não deixa avançar, o medo que muitas das vezes nos
torna cúmplices das injustiças, cúmplices da manutenção de um sistema que
legítima a desigualdade. Lutemos contra toda forma de violência que promove a
desigualdade quer nas famílias, nos bairros, na sociedade, na igreja”.
Nesta
mais recente oração contra o medo feita pelo Arcebispo do Lubango, está a
resposta para algumas interrogações das pessoas que ainda não perceberam muito
bem como é que o país (não) funciona.
PS:
Por razões de força maior deixarei de assinar esta crónica às quartas-feiras
nas próximas semanas e por um período que espero que não ultrapasse o mês de
Agosto.
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