Houve,
como continua certamente a haver, quem esteja condicionado por interesses no
exercício das suas funções, quem tenha fugido às obrigações fiscais e quem
conte com a candura da sociedade portuguesa ou com a ineficiência do sistema
judicial, mas permitir o abafamento do caso das avenças por via da voragem
noticiosa que, sem critério, dita o que conta e o que não conta, é demais. Uma
vergonha!
António
Galamba – jormal i, opinião
Em
breve decorrerão quatro meses (quatro!) desde que um semanário do consórcio de
órgãos de comunicação social associados às revelações dos Papéis do Panamá – a
maior investigação jornalística de sempre! – anunciou urbi et orbi que havia
políticos e jornalistas avençados pagos pelo saco azul do Grupo Espírito Santo,
a ES Enterprises. E quatro meses depois (quatro!), a higiénica divulgação da
lista de políticos, funcionários públicos, gestores, empresários e jornalistas
constantes da folha de pagamentos através de um paraíso fiscal não
aconteceu.
O
que terá feito esboroar toda a gigantesca encenação mediática montada em torno
das revelações bombásticas dos Papéis do Panamá que tanto prometiam? A falta de
zelo e de amor à profissão dos jornalistas envolvidos na investigação? O poder
dos interesses em presença perante a possibilidade da divulgação dos nomes de
quem estava condicionado pelo Grupo Espírito Santo? O embuste entre a
documentação prometida e a que foi disponibilizada? A verdade é que quatro
meses depois (quatro!), o assunto morreu, nada acontece e quase ninguém se
indigna.
Houve,
como continua certamente a haver, quem esteja condicionado por interesses no
exercício das suas funções, quem tenha fugido às obrigações fiscais e quem
conte com a candura da sociedade portuguesa ou com a ineficiência do sistema
judicial, mas permitir o abafamento do caso das avenças por via da voragem
noticiosa que, sem critério, dita o que conta e o que não conta, é demais. Uma
vergonha!
A
anunciada ponta do iceberg, que tanto prometia, gelou os ânimos da investigação
jornalística, esmoreceu a ambição de mobilizar as sociedades e os Estados para
a regulação dos paraísos fiscais e desembocou num marasmo impróprio das
sociedades de informação modernas, de uma cidadania ativa e de um Estado de
direito em que o cumprimento das obrigações fiscais é uma componente importante
para o modelo de concretização das funções do Estado.
Abafaram
a lista das avenças do GES a políticos e a jornalistas, razão para os cidadãos
exigirem a sua divulgação integral. Não é voyeurismo, é uma questão de higiene
social, antes de poder ser uma questão fiscal e judicial. Não é coscuvilhice, é
contribuir para que não se consolide a ideia de que não são todos iguais,
porque não é assim.
Enquanto
persistir este défice de exigência, de transparência e de separação entre o
exercício de funções públicas ou o dever de informar e os interesses instalados
ou em instalação vão persistir situações vergonhosas, sejam ou não divulgadas.
Quem tanto sofreu com a austeridade nos quatro anos de governos PSD/CDS, quem
continua a não ser tratado com o devido respeito por uma máquina fiscal e por
serviços do Estado investidos no desespero da arrecadação de receita e quem
cumpre as suas obrigações não pode deixar de se indignar perante tudo isto.
E
por falar em estados de alma, ainda que menos sérios quando confrontados com a
realidade das coisas: Portugal tem uma solução governativa em que o Bloco de
Esquerda e o Partido Comunista Português (também o PEV) são uma espécie de
calçadeira do governo PS e, no entanto, a coordenadora do BE, Catarina Martins,
veio afirmar sobre a criação da designada geringonça que “todos os dias me
arrependo. Faz parte”. Tem muita piada este esforço de demarcação em vésperas
da negociação do Orçamento do Estado para 2017. É que quando o Bloco antevê
medidas positivas do governo em estado de euforia não se denota nenhum tipo de
arrependimento, é puro oportunismo, por vezes eivado de populismo. Nesta
disputa pelo anúncio do “bife do lombo”, alguém apresentará os ossos duros de
roer. O PCP não ficou atrás e anunciou que votará “contra medidas de
empobrecimento no Orçamento do Estado para 2017”. A uns e a outros, este é o
tempo para colocarem em cima da mesa as reivindicações que fazem no plano
local, nas autarquias, nas alegadas comissões de utentes e nas moções e
petições que apenas sublinham a sua hipocrisia política. É que não é sério
apoiar o governo em Lisboa, no parlamento, à babugem do “bife do lombo”, e
depois tentar construir a ideia local de que são os grandes defensores daquilo
que não defenderam quando estavam a discutir o poder. Este é o momento: moções
do comité central debitadas para as células, para apresentação nas assembleias
de freguesia e nas assembleias municipais, uni-vos!
É
que isso de querer só o “bife do lombo” era coisa dos donos disto tudo e já
ninguém acredita ser possível um registo assim.
Notas
finais
Areia
nos pés – Com o investimento que é feito na prática desportiva, só mesmo a
excecionalidade dos nossos atletas pode conduzir a resultados excecionais. Para
colher é preciso semear, também no desporto. Aos atletas do projeto olímpico,
obrigado pelos sacrifícios, pelo esforço e pela participação.
Areia
nas virilhas – Entre um líder do PSD imobilizado pelos fantasmas da governação
passada, incapaz de fazer um restart, e uma líder do CDS mobilizada para fazer
a diferença em relação ao ex-parceiro de governação com produções mediáticas
apostadas mais na forma do que no conteúdo, vai assim a oposição: “poucochinha”.
Areia na engrenagem – A gestão do dossiê da CGD vai entrar para os anais da história como uma das maiores trapalhadas, num cocktail de ingenuidade, incompetência e falta de noção de que não estamos sozinhos. Parece que estará a chegar ao fim a novela, com baixas e danos de credibilidade.
Areia
fina – O bravo esforço desenvolvido pelas mulheres e pelos homens do
dispositivo de combate aos incêndios florestais.
Escreve à quinta-feira
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