Ritmo
atual de eliminação de espécies na Terra só é comparável ao que liquidou
dinossauros. Quais as causas da crise. Como ela se relaciona à privatização do
Comum
Ashley
Dawson – Outras Palavras - Tradução: Antonio Martins
O
texto a seguir é a introdução de Extinction: A Radical History [“Extinção: uma
história radical”], de Elizabeth Kolbert
Sua
face havia sido retalhada. Prostrado sobre a poeira rubra, para ser devorado
pelos abutres, seu corpo permanecia intacto, exceto pela fenda obscena no lugar
onde antes estavam seus magníficos dentes de dois metros. Satao era um dos
chamados “dentuços”, um elefante africano com uma cepa genética rara, que
produz dentes tão grandes que chegam a tocar o chão, o que os torna uma grande
atração do Parque Nacional Tsavo East, no Quênia.
As
belas presas também tornaram Satao particularmente valioso para os traficantes
de marfim, que o atingiram com setas envenenadas, cavocaram sua face para
chegar a seus dentes e abandonaram sua carcaça às moscas. A horrível morte de
Satao, um dos maiores elefantes da África, é parte de uma onda violenta de caça
clandestina que varre o continente. Em 2011, 25 mil elefantes africanos foram
massacrados por seu marfim. Outros 45 mil foram mortos nos anos seguintes. Se o
ritmo atual continuar, uma das duas espécies de elefantes africanos, o elefante
das selvas, cujas populações declinaram em 60% desde 2002, terá desaparecido da
África em uma década.
A
imagem de Satao, estendido sem face na poeira, é chocante. Embora o elefante,
enquanto espécie, provavelmente não esteja fadado à extinção (alguns indivíduos
permanecerão livres em reservas e zoológicos), a dizimação de suas populações
selvagens lembra-nos da onda maior de extinções, a sexta já testemunhada pelo
planeta Há apenas algumas dezenas de milhares de anos, durante o Pleistoceno, a
Terra abrigava uma imensa variedade de animais muito grandes e espetaculares.
De mamutes peludos a tigres de dente de sabre e a animais menos conhecidos, mas
igualmente exóticos, como preguiças gigantes e tatus do tamanho de carros, uma
megafauna vagava livremente pelo mundo. Hoje, quase todos estes enormes animais
estão extintos: mortos, a maior parte das evidências sugere, por seres humanos.
À medida em que se espalhava pelo planeta, o Homo Sapiens dizimou
populações da megafauna em todos os lugares onde se fixou. A humanidade, em
essência, devorou os degraus imediatamente abaixo, na cadeia alimentar, ao
varrer a biodiversidade. A África, nosso lar ancestral, é praticamente o único
continente a reunir alguns remanescentes da biodiversidade pleistocênica. Na
morte cruel de Satao e seus iguais, testemunhamos a destruição final da
megafauna remanescentes, o jogo final de uma época de defaunação épica, ou
massacre animal.
Mas
não é apenas a megafauna carismática, como elefantes, rinocerontes, tigres e
pandas que está sendo empurrada para a extinção. A humanidade vive em meio, e á
a causa de dizimação maciça da biodiversidade global. De humildes invertebrados
como besouros e borboletas a várias populações de vertebrados terrestres, como
morcegos e pássaros, as espécies estão caminhando para a extinção em ritmo
recorde. Por exemplo: desde 1500, 322 espécies de vertebrados terrestres
desapareceram, e as populações das que não pereceram mostram uma redução de
cerca de 25%, em todo o mundo. As populações de invertebrados estão igualmente
ameaçadas. Os pesquisadores normalmente concordam que a atual taxa de extinção
deve ser considerada catastrófica: ela ocorre numa velocidade entre mil e dez
mil vezes maior que a verificada antes que o ser humano começasse a exercer
pressão significativa sobre o ambiente. A Terra está perdendo cerca de cem
espécies por dia. Além desta onda de extinções, que os biólogos consideram
capaz de eliminar 50% das espécies animais e vegetais existentes, também está
declinando de modo dramático a abundância de espécies em regiões específicas, o
que ameça o funcionamento dos ecossistemas. Esta extinção em massa é, portanto,
uma expressão – e causa – pouco percebida da crise ambiental contemporânea.
Embora
a onde de extinção em massa seja global, a destruição de espécies está
concentrada num pequeno número de núcleos geográficos. Isso deve-se ao fato da
diversidade estar distribuída de maneira não uniforme. Em terra firme, as florestas
tropicais são seu principal berçário. Embora cubram apenas 6% da superfície
terrestre, seus habitats terrestres e aquáticos abrigam mais de metade das
espécies conhecidas do planeta. Conforme explica E.O.Wilson, os trópicos são o
principal abatedouro da extinção, suas grandes extensões verdejantes divididas
em fragmentos que minguam rapidamente, suas espécies animais e vegetais lutando
para se adaptar à destruição de habitats, às espécies invasivas, à penetração
da agricultura e, cada vez mais, às mudanças climáticas provocadas pelo homem.
Da grande Bacia Amazônica às florestas tropicais da África Central e Ocidental,
às florestas da Indonésia, Malásia e outras partes do Sudeste Asiático, os
seres humanos estão eliminando os lares de milhões de espécies. Ao fazê-lo, não
estamos apenas condenando à extinção vasto número de espécies (a grande maioria
das quais sequer foi identificada, ainda), mas também colocando em risco nossa
própria presença no planeta.
A
publicação de obras acessíveis de jornalismo científico, tais como The Sixth
Extintion [“A Sexta Extinção”], de Elizabeth Kolbert, o ataque à flora e
fauna do planeto começou a se tornar conhecido. O livro de Kolbert conduz os
leitores a uma viagem aterrorizantes. Ela entrevista botânicos que seguem a trilha
da destruição nas montanhas andinas, e biólogos que acompanham a acidificação
dos oceanos. A atual onda de extinções, explica Elizabeth, segue-se a cinco
eventos anteriores de extinção em massa, que devastaram o planeta no último mio
bilhão de anos.
Pode-se
pre ver que a onda atual seja a pior catástrofe para a vida na Terra desde o
impacto de asteroide que destruiu os dinossauros. Ao refletir sobre esta
realidade melancólica os acadêmicos começaram a escrever sobre “culturas de
extinção”. Em resposta a esta preocupação crescente, o governo de Obama, nos
Estados Unidos, constituiu há pouco uma força de trabalho sobre o tráfico de
espécies selvagens, e começou a discutir as redes de comércio que ligam o
massacre de elefantes e rinocerontes a sindicatos do crime como o Janjaweed e o
al-Shabab, que usam os altos lucros obtidos no mercado ilícito de espécies
selvagens para financiar suas operações.
No
entanto, iniciativas como as de Obama resultam muito frequentemente numa
“guerra a pequenos gatunos”, que ignora as causas estruturais por trás da
destruição dos habitats e morte devastadora de animais. Os núcleos de
biodiversidade dos, afinal, estão localizados no que Christian Parent chama de
“trópicos do caos”. Nas latitudes tropicais do planeta, Parenti identifica uma
convergência catastrófica, uma alinhamento extremamente destrutivos, de três
fatores: 1) militarização e fragmentação étnica, relacionadas com o legado da
Guerra Fria em nações pós-coloniais; 2) falência dos Estados e ruptura social
ligada às políticas de “ajuste estrutural” impostas aos países do Sul por
instituições como o Banco Mundial, desde 1980; e 3) fenômenos alimentados pela
mudança climática, como a desertificação. Parenti escreve sobre o impacto desta
convergência catastrófica sobre povos e Estados, mas o quadro que ele oferece,
sobre as tensões que afetam o Sul Global, fica incompleto quando não se
considera as relações entre a humanidade e o mundo natural, em seu sentido mais
amplo. Não é possível entender a convergência catastrófica sem discutir a
dizimação da biodiversidade em curso no Sul Global. Nem, inversamente,
compreender a extinção sem uma análise da exploração e violência às quais as
nações pós-coloniais foram submetidas.
A
extinção é o produto de um ataque global sobre os bens comuns: o grande tesouro
de ar, água, plantas e criações culturais coletivas como as línguas, que foram
tradicionalmente vistas como herança de toda a humanidade. A natureza, a
maravilhosa e abundante vida selvagem do mundo, é essencialmente um repertório
livre de bens e trabalho que o capital tenta capturar. Conforme argumentaram
crítico como Toni Negri e Michael Hart, políticas agressivas de liberalização
comercial propõem a privatização dos Comuns – transformando ideias, informação,
espécies animais e vegetais e mesmo o DNA em propriedade privada. Subitamente,
coisas como as sementes, que antes circulavam livremente em todo o mundo, pelas
mãos dos camponeses, tornaram-se commodities escassas. As corporações
do agrobusiness modificam-nas, para que se tornem estéreis após a primeira
geração. Os agricultores no Sul global chamaram-nas de “sementes suicidas”. A
destruição da biodiversidade global deve ser vista, em outras palavras, como um
enorme – e talvez derradeiro – ataque contra a riqueza comum do planeta. A
extinção de espécies deve ser vista, junto com a mudança climática, como a
principal fronteira das contradições co capitalismo contemporâneo.
O
capital precisa expandir-se a um ritmo cada vez maior, ou mergulha em crises,
gerando a queda de valor de ações, títulos e propriedades – além de fechamento
de fábricas, desemprego em massa e revolta política. À medida em que o
capitalismo expande-se, porém, ele converte cada vez mais em mercadoria o
planeta, eliminando sua diversidade e fecundidade – basta pensar nas sementes
suicidas. Se a tendência inerente do capital a criar o que Vandana Shiva chama
de “monoculturas da mente” já gerou muitas crises ambientais localizadas, esta
tendência insaciável consume agora ecossistemas inteiros, ameaçando o ambiente
do planeta como um todo. Não há, hoje, nenhuma instituição efetivamente capaz
de lidar com a “degradação cancerosa” do ambiente, que segundo David Harvey é
produzida pela obsessão do capital por crescimento contínuo.
Ainda
assim, o capital precisa transformar continuamente a natureza em mercadoria,
para sustentar seu crescimento. O ritmo catastrófico das extinções de hoje, e o
grande declínio da biodiversidade, representam uma ameaça concreta à própria
reprodução do capital. A Sexta Extinção é o exemplo mais claro da tendência da
acumulação de capital a destruir suas próprias condições de reprodução. À
medida em que o ritmo da especiação (a evolução de novas espécies) é cada vez
menor que o ritmo de extinção, tornam-se mais visíveis os riscos de devastação
– ou mesmo aniquilação –, pelo capital, das bases biológicas de que ele
depende.
O
livro Extinção: uma História Radical pode ser visto como uma obra
essencial sobre a extinção para ativistas, cientistas e estudiosos da Cultura,
assim como para membros do público geral que buscam compreender um dos grandes
acontecimentos de nossa época – ainda que frequentemente desprezado. A extinção
é uma realidade material e, ao mesmo tempo, um e discurso cultural. Eles
modelam as percepções populares do mundo e legitimam uma ordem social desigual.
Para responder adequadamente a esta crise planetária, precisamos transgredir as
fronteiras que separam a ciência, o ambientalismo e a política radical.
Inclusive porque a extinção não pode ser compreendida isolada de uma crítica ao
capitalismo e ao imperialismo.
Extinção:
uma História Radical começa com um debate sobre a noção do Antropoceno.
Utiliza este termo não apenas para lançar questões fundamentais sobre quando
começou a sexta onda de extinções em massa, mas também sobre quem, exatamente,
é responsável por ela. O segundo capítulo sublinha as diferentes facetas da
extinção que são produtos do capitalismo – das primeiras formas modernas de
devastação da fauna, como a caça às espécies dotadas de pelos aos
episódios de massacre em massa, como a caça às baleias, que emergiu em sintonia
com a revolução industrial. Este capítulo também discute formas de ecocídio
colateral, como a devastação de corais e a extinção relacionada com espécies
invasivas, assim como formas de guerra ecológica, como o uso de agente laranja
no Vietnã e a poluição do delta do Niger. O terceiro capítulo do livro lança um
olhar sobre o biocapitalismo de desastre: a multiplicidade de respostas
políticas, econômicas e ambientais do capital à crise de extinção.
Este
capítulo destaca não apenas os fracassos evidentes dos esforços para enfrentar
a extinção em meio a lógicas capitalistas, mas também a tendência crescente a
abrir uma nova rodada de acumulação, usando a biologia da síntese para
enfrentar a crise. Ao final, o capítulo sobre conservação radical explora
várias soluções anticapitalistas para a crise de extinção, baseadas em justiça
social e ambiental.
O
espectro da extinção assombra a imaginação popular de hoje. A cultura
contemporânea está cheia de representações de zumbis, pragas e outras
representações espetaculares da catástrofe ambiental. Para os que habitam as
nações rigas do Norte Global, tais representações são fantasmas de um mundo
terrível à espreita. Mas para bilhões de pessoas em todo o mundo, que Ranajit
Guha e Juan Martinez-Alier chamam de “pessoas dos ecossistemas”, cuja sorte
está intimamente imbricada com a fauna e flora do plenta, a questão da extinção
está diretamente relacionada com sua própria sobrevivência presente e futura.
A
carnificina com um elefante como Satao pode enriquecer alguns gatunos, mas ela
empobrece dramaticamente o ecossistema que habitamos. Só estamos começando a
compreender o impacto da liquidação da grande vida selvagem, como os elefantes
nos seus habitats. Mas está ficando claro que estes buracos abertos na rede da
vida têm efeito dramático, em cascata. À medida em que milhões de espécies são
descartadas a biodiversidade que sustenta o sistema planetário, nós mesmos e os
ancestrais que comecemos entra em risco. Esta catástrofe não pode ser reduzida
– muito menos revertida – sob a atual lógica capitalista. Enfrentamos uma
escolha clara: transformação política radical ou extinção em massa cada vez
mais profunda.
— Professor
de Inglês em Cuny, Nova York. Autor de Mongrel Nation eThe Routledge
Concise History of Twentieth-Century British Literature, e do as well
as a short story in the anthology Staten Island Noir.
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