Tenho
paixão por alfarrabistas. Vasculhar livros antigos à procura de um título raro
ou desconhecido, capaz porém de iluminar um determinado período da História de
Angola, pode parecer actividade pouco interessante para quem não se interesse
por livros, ou pela História. Para quem se interessa é uma aventura.
José
Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião
Tenho
paixão por alfarrabistas. Vasculhar livros antigos à procura de um título raro
ou desconhecido, capaz porém de iluminar um determinado período da História de
Angola, pode parecer actividade pouco interessante para quem não se interesse
por livros, ou pela História. Para quem se interessa é uma aventura. Há dias,
comprei num desses alfarrabistas de rua uma colecção completa dos “Cadernos
Coloniais”, setenta folhetos publicados pelas Edições Cosmos, entre 1920 e
1960, que reúnem sobretudo biografias de militares, pombeiros, comerciantes e
outras figuras ligadas à colonização portuguesa de África.
Um
dos cadernos, intitulado “Pombeiros de Angola”, de António Augusto dos Santos,
é particularmente curioso porque se ocupa não só de personalidades portuguesas,
mas inclui também alguns angolanos. Nesse caderno encontrei meia dúzia de
referências a um episódio curiosíssimo, embora muito pouco conhecido, da
História de Angola. Vale a pena recordá-lo aqui pela forma como subverte uma
série de ideias feitas, tanto do lado português quanto do lado angolano, da
História.
No
início do século XX ocorreu uma grande revolta no Planalto Central, comandada
por dois notáveis guerreiros e estrategas: Mutu-ya-Kevela e Samacaca. Nas
primeiras arremetidas as tropas de Samacaca avançaram rapidamente, matando
muitos comerciantes portugueses e aprisionando outros. Aos prisioneiros brancos
foi dado o destino que era habitual naquela época a qualquer inimigo derrotado
em combate: Samacaca fez deles seus escravos. Outros vendeu a sobas aliados.
Leio
em “Pombeiros de Angola” que esses brancos escravizados foram, na sua maioria,
resgatados (ou seja, comprados e depois devolvidos à liberdade) por um rico
comerciante negro chamado António Raimundo Cosme.
António
Augusto dos Santos desfaz-se em elogios à figura de Cosme, realçando que o
mesmo, ao contrário dos comerciantes portugueses, “nunca teve rixas com o
gentio insubmisso, pois, conhecedor das leis gentílicas, a elas se sujeitava em
absoluto.”
Este
parágrafo parece-me extremamente interessante, sobretudo se lido à luz da
época, pois reconhece a existência de “leis gentílicas”, leis tradicionais,
além de deixar subentendido que muitos dos conflitos com as autoridades locais
se devia ao facto dos comerciantes portugueses ignorarem e não respeitarem
essas mesmas leis.
“A
casa de Cosme foi respeitada pelo gentio”, prossegue António Augusto dos
Santos: “A revolta era só contra os brancos. Mas sabendo que havia brancos
acorrentados nas libatas Cosme tratou de os resgatar. Com o seu prestigio, e
com a entrega de mercadorias que possuía, conseguiu a liberdade de muitos. Mais
tarde, uns pagaram-lhe, outros não. Um, pelo menos, foi notoriamente ingrato,
nem sequer lhe pagando o que por ele entregara ao gentio.”
Assim,
tremenda ironia!, alguns dos últimos escravos que tivemos em Angola foram
homens brancos – e o homem que os libertou um próspero e generoso comerciante
negro.
É
sempre a História, afinal, quem escreve os melhores romances.
1 comentário:
Palocci enviou mais de 3 bilhões do BNDES para Angola
https://www.youtube.com/watch?v=HHeBBsxsazc
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