Wikileaks
revela ligações de Hillary Clinton com indústria armamentista, oligarquia
financeira, velha mídia, petroleiras. Ela reage como nos piores tempos do
macartismo — e tenta destruir Julian Assange
Patrícia
Cornils – Outras Palavras
“O
governo do Equador respeita o princípio de não intervenção nos assuntos
internos de outros Estados. Não interfere em processos eleitorais externos e
nem o faz a favor de qualquer candidato em particular.”
Imagine.
Esta frase faz parte de uma nota
oficial na qual o Equador, um país latinoamericano com 15 milhões de
habitantes e sem moeda própria – a moeda lá é o dólar – nega interferência nas
eleições presidenciais do Estado militarmente mais poderoso do planeta. Os
Estados Unidos. A nota foi publicada no dia 18 de outubro para explicar por que
o governo do Equador cortou, dois dias antes, o acesso à internet de Julian
Assange, asilado em sua embaixada em Londres. “Durante as últimas semanas, o
WikiLeaks publicou uma grande quantidade de documentos que têm um impacto sobre
a campanha eleitoral nos Estados Unidos. A decisão de tornar essas informações
públicas é de exclusiva responsabilidade da organização”, escreveu o governo do
Equador.
As
informações publicadas pelo Wikileaks são milhares de emails trocados entre os
principais dirigentes do Comitê Nacional do Partido Democrata entre janeiro de
2015 e o final de maio deste ano, além de emails de John Podesta, coordenador
da campanha de Hillary Clinton. Assange havia anunciado em julho, em entrevista para
a rede britânica ITV, que o Wikileaks tinha emails relacionados a Hillary
Clinton e iria publicá-los.
“O
que você está dizendo, o que você está publicando, atinge Hillary Clinton. Você
prefere que Trump seja presidente?”, perguntou então o entrevistador. A
resposta foi que Trump é um fenômeno imprevisível, que “não se pode prever o
que ele faria na presidência”. Em seguida, Assange acrescentou uma informação
que tem relação com a autodefesa do Wikileaks. Os documentos já publicados,
disse, “mostram que Hillary recebe notícias constantes sobre minha situação
pessoal. Ela fez pressão pela abertura de um processo contra o Wikileaks, que
ainda está em curso. Então achamos que ela é um problema para a liberdade da
imprensa, de maneira geral”.
Assange
está asilado na embaixada para não ser extraditado aos Estados Unidos e julgado
em um processo obscuro, iniciado sob responsabilidade de Hillary Clinton, no
qual mesmo as pessoas interrogadas recebem GAG orders (não podem contar que
foram intimadas e que depuseram). Isso comprova sua afirmação sobre ameaça à
liberdade de imprensa, recomprovada agora pelo corte de da conexão à internet.
O governo norteamericano não assumiu o que deve ter sido uma enorme pressão
sobre o Equador, mas a nota oficial do país latinoamericano diz explicitamente
que cortou a internet para impedir interferência na disputa pela presidência
dos Estados Unidos. O que é espantoso porque o objetivo de toda boa impresa é
exatamente publicar informações para que cidadãos formem sua opinião e
interferiram em decisões políticas.
No
material divulgado pelo Wikileaks, até agora, há declarações relevantes de
Hillary Clinton: “Vamos cercar a China com defesa antimísseis”, “Quero defender
o fracking”; ativistas contra o aquecimento global deveriam “achar o que
fazer”; “você precisa ter duas posições [a respeito de políticas], uma pública
e uma privada” e “meu sonho é um mercado comum hemisférico, com comércio livre
e fronteiras abertas”. As publicações começaram no dia 22 de julho, quando o
Wikileaks iniciou a “Série Hillary Leaks”. No primeiro lote, foram divulgados
19,2 mil emails trocados entre os principais dirigentes da campanha democrata
entre janeiro de 2015 e o final de maio deste ano – e que mostraram dirigentes
do Partido Democrata depreciando um dos pré-candidatos do partido, Bernie
Sanders, e considerando a possibilidade de usar sua crença judaica para
atacá-lo. Esta é a base de
dados do Comitê Nacional do Partido Democrata.
Apesar
do corte da conexão de Assange, o Twitter do Wikileaks segue atualizando o
segundo conjunto de mensagens, os “Podesta
emails”, iniciado dia 7 de outubro. Além de atual coordenador da campanha
de Hillary, Podesta foi chefe do estado maior do presidente Bill Clinton entre
1998 e 2001 e é dono do Podesta Group, uma empresa de lobby. Na primeira leva
foram publicados 2,06 mil emails com foco em mensagens relacionadas a energia
nuclear e doações de empresas mineradoras e envolvidas com a questão nuclear
para a Fundação Clinton.
Mesmo
a contragosto, imprensa norte-americana vê-se obrigada a repercutir as
informações vazadas. Possíveis candidatos a vice analisados por Hillary
Clinton. A íntegra de seus discursos em eventos com banqueiros de Wall Street
em que foi remunerada para falar. “Lotes anteriores dos emails incluíram
exemplos de conluio entre a campanha e a mídia, comentários depreciativos
sobre Bernie Sanders e cópias de discursos proferidos perante banqueiros de
Wall Street, incluindo Goldman Sachs”, escreve hoje o blog financeiro
Zero Edge –que tem publicado textos sobre os e-mails vazados. “E entre as
mais dramáticas revelações há mais confimações de concluio e coordenação com a
mídia (…), uma
revelação chocante sobre
os conflitos de interesse de Bil Clinton na consultoria Teneo, e o
elo perdido dos
e-mails que Hillary apagou,
confirmando que ela havia instruído a exclusão de e-mails desde o início e refutando
seu testemunho anterior.”
Ontem,
no debate com Donald Trump, Hillary Clinton reiterou sua versão para esses
vazamentos. Foram os russos, ela afirma. “O governo russo se envolveu em
espionagem contra americanos. Eles invadiram sites americanos, contas
particulares, contas de instituições. Em seguida, deram essa informação para o
Wikileaks com a finalidade de colocá-la na internet. Isto veio dos níveis mais
altos do governo russo, claramente de Putin em pessoa, em um esforço, como
dezessete de nossas agências de inteligência confirmaram, para influenciar
nossa eleição. Então, realmente acho que a questão mais importante desta noite
é se Donald Trump vai finalmente admitir que os russos estão fazendo isso e
condená-los.”
Hoje
o Wikileaks, ironiza a pergunta em seu Twitter, notando que entre 17
agências de inteligência americanas estão a Guarda Costeira, a Inteligência
Naval, o Departamento de Energia, que provavelmente nada têm a dizer sobre o
assunto. “As 17 agências de inteligência dos EUA de Clinton pode ser a maior mentira,
mais imediatamente refutável, já dita intencionalmente durante um
debate”, publicou o Wikileaks.
No
site do Wikileaks há uma resposta mais direta à acusação. A organização nega o
desejo de tomar partido nas eleições dos EUA, afirma que é independente de
governos e que a alegação de que foca exclusivamente no “Ocidente” é falsa. “O
Wikileaks publicou mais de 650 mil documentos críticos relacionados à Rússia
sob Vladimir Putin. Expôs as listas negras de censura da China. Publicou 2,3
milhões de emails expondo o regime de Assad. O próprio diretor da Inteligência
Nacional dos EUA, James Clapper, confirmou que no que diz respeito às agências
de inteligência norteamericanas não há evidência de que a Rússia foi a fonte
dos emails do Comitê Nacional do partido Democrata e que a especulação da mídia
de que a Rússia estaria por trás desses vazamentos é ‘hiperventilação’”.
O fato
é que as informações publicadas trazem para o debate os impactos das decisões
do governo americano na política mundial, como escreveu o filósofo e ativista
Srećko Horvat na Counterpunch.“O que o WikiLeaks está fazendo é revelar esta luta
brutal pelo poder, mas, como diz o velho ditado, ‘quando um sábio aponta a lua,
o idiota olha para seu dedo’. Em vez de olhar para o dedo que aponta a Rússia, deveríamos
estar olhando para as informações vazadas.”
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