Luísa
Rogério – Rede Angola, opinião
Num
país onde é normal homens fardados agredirem mulheres indefesas, algumas delas
grávidas ou com filhos pequenos às costas, não se estranha que um militar
fardado torture alguém para confessar seja o que for.
Há
alguns dias começou a ser partilhado na internet um vídeo portador de altíssimo
grau de violência. As imagens chocantes mostram dois homens, um dos quais
fardado, e uma mulher brutalmente espancada. De acordo com a legenda o triste
acontecimento decorre numa área florestal algures em Cabinda. Os gritos
lancinantes da vítima, que clama por perdão, ferem a alma de qualquer pessoa
com o mínimo de sensibilidade. Aparentemente, os apelos desesperados da mulher
deixam os seus algozes indiferentes. Não percebi o que ela teria feito e que
razões provocaram a reacção desproporcional. Desisti de o ver o vídeo muito
antes do fim. Na verdade ninguém precisa de concluir a visualização para captar
a dilacerante mensagem de violência gratuita.
Provavelmente
não será o único nem o mais expressivo retrato da violência que grassa entre
nós. Num país onde é normal homens fardados agredirem mulheres indefesas,
algumas delas grávidas ou com filhos pequenos às costas, não se estranha que um
militar fardado torture alguém para confessar seja o que for. Tanto no
paradigmático exemplo das resistentes zungueiras que inspiraram um bem-sucedido
aplicativo para smartphones, quanto no caso da agressão na floresta não se
questionam as motivações. As leis devem ser cumpridas, os regulamentos e normas
de conduta também, ainda que a cada vez mais selvagem luta pela sobrevivência
obrigue as pessoas a desenvolverem esquemas resultantes inúmeras vezes em
atentados à própria existência.
Percorrer
longas distâncias com mercadorias na cabeça, costas e braços assim como
munir-se de coragem para contrariar teimosamente as regras no que toca aos
postos pré-estabelecidos para vendas não resulta de entusiásticas opções de
vida. Chama-se a isso busca de alternativas para garantir o sustento da
família. O espectáculo deprimente visto nas imediações de mercados luandeses já
faz parte do postal da cidade. Homens fardados a correrem atrás das zungueiras
está longe de ser a melhor maneira de lidar com o problema. Como o próprio
termo sugere, reprimir pressupõe proibir por meio de aplicação de castigos. O
ideal é buscar soluções.
Mesmo
sem ter comprovado a fiabilidade do vídeo da floresta e de uma apoquentadora
foto em que uma criança se atira propositadamente debaixo do carro da polícia
para impedir o confisco dos produtos da mãe, o facto é que representam a
crescente violência no país. O pior no meio dessa espiral tem a ver com o
envolvimento de supostos militares e agentes da polícia. Compete às duas
estruturas garantir a defesa do Estado e salvaguarda da ordem pública, tarefas
que em momento algum se pode dissociar da segurança do cidadão. Em condições
normais, sobretudo em países pacificados, as instituições envolvidas deviam
apurar a veracidade das ocorrências e prestar esclarecimentos públicos.
Infelizmente
entre nós a indignação igualou as culpa. Morre solteira. E silenciosa. Não
colhem argumentos do género “são casos isolados”. Qualquer violação de direitos
humanos configura falha grave. Deve activar o sentimento de cidadania que
sintetiza o equilíbrio entre direitos e deveres. Importa ressaltar que falta de
coragem para ver vídeos arrepiantes é uma coisa. Outra, diametralmente oposta,
é fingir que não existem. Não me contento com o grito abafado acompanhado do
encolher de ombros em sinal de resignação. Tão pouco com o desabafo amparado
pelo silêncio na madrugada. Almejo um despertar consciente para lidar com a
realidade.
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