Afonso
Camões* - Jornal de Notícias, opinião
Os
desejos e as resoluções da passagem do ano fazem-me lembrar aquela conversa do
casal. Diz ele: "Querida, as coisas não têm estado a correr muito bem,
seria bom cortarmos algumas despesas. Por exemplo, podíamos dispensar a
cozinheira e tu aprendias a cozinhar". Ao que ela responde:
"Concordo, querido. Até poderíamos prescindir do chofer se tu aprendesses
a fazer amor".
Entre
casais, como entre nações, convém afinar os desejos e concertar o interesse. E,
mesmo assim, há resoluções possíveis, outras improváveis, muitas não passam da
promessa. São para levar a sério, porém, aquelas de que se falará hoje, Dia
Mundial da Paz, em todos os noticiários do Mundo, por entre os ecos do
foguetório. Trata-se de duas resoluções do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, ambas a marcar a agenda no primeiro dia de 2017, que é também o
primeiro de António Guterres como secretário-geral da ONU. No primeiro caso, a
resolução em que se exige de Israel o fim "imediato" e
"completo" da política de colonatos nos territórios palestinianos,
num diferendo que se arrasta há mais de 50 anos. No segundo, a proposta da
Rússia e da Turquia que visa apoiar o cessar-fogo e as negociações de paz na Síria,
previstas para os próximos dias, procurando pôr termo ao conflito que dura há
cinco anos e já fez mais de 500 mil mortos e 12 milhões de deslocados em fuga.
Uma
e outra resoluções dirigem-se, é certo, a essas partes do Mundo em carne viva,
que só parecem doer-nos nos noticiários. Mas valem para todos nós, porque os
estilhaços dessas guerras nos atingem por dentro, por vezes em atos de terror,
ou dão todos os dias à costa de uma Europa dividida e amedrontada. E são esses
assuntos, mais os assomos de populismo e xenofobia associados às desigualdades,
e também a fome e a subnutrição de milhões, ou ainda o combate às alterações
climáticas os principais encargos de António Guterres, naquele que é, segundo o
seu antecessor como secretário-geral das Nações Unidas, "o trabalho mais
difícil do Mundo".
Espera-se
dele que chame à conversa as partes desavindas, que abra vias de diálogo e
procure concertar interesses num condomínio de 193 nações que todos desejamos
mais humano e frequentável. Num tempo em que a única certeza é a incerteza dos
dias que nos esperam, honra-nos que seja um português a quem o Mundo confia
tamanha empreitada. A revista Notícias Magazine, que hoje dedicamos
integralmente a Guterres, é também a nossa forma de partilharmos convosco a
esperança e votos de bom ano.
*Diretor
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