As
suspeitas de corrupção que recaem sobre o vice-presidente, em Portugal, afectam
a sua ambição de suceder a José Eduardo dos Santos.
Apontado
como um dos possíveis sucessores de José Eduardo dos Santos à frente dos
destinos do MPLA, Manuel Vicente, actual vice-presidente da República, é
suspeito de ter corrompido um magistrado português. O caso ameaça as intenções
políticas de Manuel Vicente. E volta a baralhar o processo de substituição de
José Eduardo dos Santos.
Se
a posição de Vicente dentro do MPLA era frágil à partida, por diversas razões,
o caso judicial que envolve o vice-presidente da República praticamente
afasta-o da liderança do partido. O sonho de ser presidente da República está
em vias de ser adiado, como aconteceu com outras figuras do MPLA que pensavam
ter o caminho aberto para chegar ao topo.
Manuel
Vicente é suspeito de corrupção activa pelo facto de duas transferências
bancárias, que totalizam um montante de 200 mil euros (cerca de Kz 36 milhões),
terem sido feitas para uma conta de Orlando Figueira pela Primagest, uma
sociedade associada à Sonangol, precisamente quando o actual vice-presidente
era o PCA da companhia petrolífera estatal. As denúncias partiram de Angola.
Em
2010-2011, Figueira, que agora está em prisão preventiva sob suspeita de ter
recebido dinheiro para arquivar os casos, entretanto reabertos, era o
procurador responsável pelas investigações lusas a avultados movimentos
financeiros de figuras como Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, Leopoldino do
Nascimento ou Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BESA, entre outros.
Tanto
na vertente política e diplomática como na vertente judicial tudo parecia ter
sido resolvido. De forma célere.
Só
que, em 2014, uma “denúncia anónima mas pormenorizada” contra o procurador
português fez estalar o sinal de alarme. Orlando Figueira, 55 anos, tinha sido
apontado como o beneficiário das transferências de dinheiro feitas pela
Primagest. Manuel Vicente, enquanto representante público na liderança da
Sonangol (cargo que desempenhava na altura em que se iniciou a investigação), é
suspeito de ter corrompido um magistrado de outro país.
O
caso estoira publicamente quando Manuel Vicente é o número dois, em termos
formais, do regime angolano. Segundo a Constituição, em caso de impedimento é
Manuel Vicente que substitui JES. Em muitas outras regiões do mundo uma suspeita
deste género é motivo de demissão. A reacção oficial surgiu num tom discreto.
“Na
verdade, sou completamente alheio, nomeadamente, à contratação de um magistrado
do Ministério Público português para funções no sector privado, bem como a
qualquer pagamento de que se diz ter beneficiado, conforme relatos da
comunicação social, alegadamente por uma sociedade com a qual eu não tinha
nenhuma espécie de relação, e que não era nem nunca foi subsidiária da
Sonangol”, lê-se num comunicado publicado pela Angop.
Sobre
a relação entre a Primagest e a Sonangol subsistem muitas dúvidas.
“Uma
simples averiguação de origem de fundos relativos à compra de um imóvel” levou
à apresentação “cabal da origem lícita dos fundos e o processo não poderia
deixar de ter sido arquivado – comprovação essa que, se necessário, poderá ser
renovada”, afirma.
O
referido imóvel fica no Estoril, a cerca de 30 quilómetros a oeste de Lisboa,
num prédio conhecido como “o prédio dos angolanos”. Ao todo, são cerca de 30 as
fracções em posse de cidadãos nacionais. Pitra Neto, José Pedro de Morais,
Álvaro Sobrinho e o próprio vice-presidente são os mais visíveis.
Manuel
Vicente diz que o envolvimento do seu nome “na investigação ora em curso, não
tem, pois, qualquer fundamento”; não obstante, manifesta-se “totalmente
disponível para o esclarecimento dos factos”.
Especializado
em crimes económicos e fiscais, Orlando Figueira, antigo titular de vários
processos – todos arquivados num primeiro momento – relacionados com Angola
acabou por pedir uma polémica licença sem vencimento. De longa duração. A
licença foi aceite pelo Conselho Superior do Ministério Público, de Portugal,
debaixo de muita polémica. O órgão aceitou o pedido sem saber para onde Orlando
Figueira iria trabalhar.
O
caso acabou por saltar para os jornais tanto em Angola, como em Portugal.
Durante
o ano de 2014, o semanário Novo Jornal e o extinto Agora publicaram
matérias que cruzavam a entrada de Orlando Figueira no grupo MilleniumBCP com a
influência e proximidade de Carlos Silva, um gestor associado a Manuel Vicente.
Carlos Silva é, actualmente, presidente do Banco Privado Atlântico e
vice-presidente do Conselho de Administração do MilleniumBCP. As duas
instituições têm presença accionista da Sonangol. Carlos Silva foi também um
dos fundadores do ex-BESA (actual Banco Económico).
Apesar
da controvérsia, Orlando Figueira começou a colaborar como consultor para a
área de compliance, prevenção e branqueamento de capitais no ActivoBank,
um banco ligado ao MillenniumBCP – grupo financeiro de origem portuguesa que
tem a Sonangol como maior accionista. Após a detenção, o magistrado português
mostrou-se “disponível para colaborar” com a justiça portuguesa.
Coincidências
e paixões
A
recente mudança de governo, em Portugal, e a crise financeira e económica, que
se vive em Angola, anunciam uma nova dinâmica nas relações entre os dois
países. Até há alguns meses, Pedro Passos Coelho era o líder do governo e do
Partido Social Democrata (PSD). Neste momento, António Costa é o
primeiro-ministro português e líder do Partido Socialista (PS).
Desde
logo, o facto de João Soares – um conhecido crítico, histórico opositor do MPLA
e apoiante da UNITA, em Portugal – ter sido nomeado Ministro da Cultura é um
sinal de que Luanda já não manda tanto em Lisboa. O PS é também o partido da
euro-deputada Ana Gomes. E a actual ministra da Justiça, Francisca Van Dúnem
(que viu o seu irmão, José Van Dúnem, ser assassinado e acusado de
“fraccionismo”, a 27 de Maio de 1977), é uma cidadã luso-angolana com origem
nas famílias tradicionais de Luanda.
Os
laços históricos e familiares são sobretudo com o MPLA, apesar do desencanto.
Este
cenário é totalmente diferente do clima que se viveu, nos últimos anos, entre o
MPLA e o PSD. Desde, pelo menos, os anos de 1990 que a relação entre os dois
congéneres é bastante próxima. Cavaco Silva, ex-primeiro ministro e
ex-presidente da República portuguesa, foi importante nos Acordos de Bicesse,
em 1992. Nessa altura, José Manuel Durão Barroso era o secretário de estado dos
Assuntos Externos e Cooperação e foi depois primeiro-ministro português. De
onde seguiu para a liderança da Comissão Europeia, o órgão executivo de topo da
União Europeia.
Durão
Barroso esteve recentemente, em Luanda, para acompanhar o lançamento da edição
lusófona da revista Forbes – mais um negócio de Isabel dos Santos. Em
2006, foi um dos ilustres convidados para o casamento de Tchizé dos Santos com
Hugo Pêgo, que se realizou em Luanda.
José
Sócrates, ex-primeiro ministro português entre 2005 e 2011, procurou colocar o
PS no centro da relação portuguesa com Angola. Até por razões económicas:
Angola vivia o boom do petróleo e a euforia pós-guerra, enquanto Portugal
definhava e só seria salvo da bancarrota pela intervenção da União Europeia e
do Fundo Monetário Internacional.
Sócrates
está preso de forma preventiva, em casa, também envolvido em suspeitas de
corrupção.
Para
exemplificar a diferença de postura entre o último governo do PSD e o actual
governo do PS, basta recordar o que disse à Rádio Nacional de Angola o
ex-ministro dos Negócios Estrangeiros português, Rui Machete, em Setembro de
2013. Foi precisamente na altura em que os meios de comunicação portugueses
começaram a noticiar as investigações judiciais a altas figuras da Cidade Alta.
O
governo de Passos Coelho pediu “desculpas diplomáticas” ao Estado angolano
pelas investigações judiciais. Rui Machete adiantou ainda saber que “nos
inquéritos em curso em Portugal”, os quais, na sua maioria, “envolvem suspeitas
à volta de avultadas transferências de dinheiro, não há nada substancialmente
digno de relevo e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além
do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas”.
As
investigações que envolvem dirigentes e gestores angolanos, em Portugal, estão
quase todas relacionadas com branqueamento de capitais. Para além do caso que
envolve Manuel Vicente, também Álvaro Sobrinho está sob suspeita devido ao
ex-BESA e à movimentação de avultadas somas em dinheiro.
Manuel
Vicente, Leopoldino Nascimento e Kopelipa foram ainda citados no caso Cobalt –
Nazaki Oil and Gas – Apler Oil. Para entrar no mercado petrolífero angolano, a
Cobalt, empresa americana associada a dois fundos de investimento e ao banco
Goldman Sachs, juntar-se-ia aos três dirigentes angolanos – que ficariam com 60
por cento do capital e os restantes 40 por cento seriam da Cobalt.
As
autoridades norte-americanas iniciaram as primeiras investigações, em 2011, por
suspeitarem que a abertura do capital social da Cobalt a dirigentes angolanos
seria fraudulenta – devido às ligações e incompatibilidades entre o exercício
de um cargo público e a participação em negócios directamente relacionados com
as funções de Estado.
A
Cobalt acabou por vender, em 2015, a sua participação à Sonangol por USD 1,5
mil milhões. E restringiu a sua presença apenas ao Bloco 9 do off-shore angolano.
Miguel
Gomes – Rede Angola
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