Manuel Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Os
cinco cenários apresentados esta semana pelo presidente da Comissão, como
possíveis opções de rumo da União Europeia (UE) não passam, até agora, de um
mero exercício retórico. Na apresentação de Jean-Claude Juncker ficou claro que
os dirigentes europeus - desde logo a Comissão - não trabalharam o conjunto de
questões a considerar para se poder definir uma visão de futuro para a UE. Os
pronunciamentos que entretanto vão surgindo, vindos de governantes e outros
políticos de diversos países e famílias políticas, confirmam-no. Ora, se
tivermos presente que as "escolhas", agora apresentadas por Juncker,
não estavam nos programas eleitorais com que os atuais governantes dos países
se apresentaram aos respetivos eleitorados e que é impossível uma discussão e
pronunciamento sérios por parte dos cidadãos a partir daquele cardápio, devemos
perguntar: o que se vai discutir? Quem, como e quando se vai pronunciar sobre o
futuro da UE?
No
próximo dia 25, em Roma, os líderes europeus vão reunir-se e, por certo, tentar
passar uma imagem e mensagens positivas sobre os "compromissos" que
assumirem, mas isso não eliminará o somatório de fracassos e negações que o
"projeto europeu" em curso vem acumulando. Seria um milagre surgir
dali alguma proposição séria e positiva a apresentar aos povos.
Sem
dúvida que a Comissão se deparou com grandes obstáculos ao produzir este
cardápio. Contudo, a grande questão é que Juncker e Ca. teimam em empurrar os
problemas com a barriga e em ignorar, ou subvalorizar, os profundos conflitos
de interesses que estão por detrás da cortina, nomeadamente, as reais
divergências económicas entre países. As eleições em França e na Alemanha estão
aí à porta e os seus resultados terão forte influência no rumo tomado por
Bruxelas, mas as eleições nos países continuarão a realizar-se, os povos não
vão abdicar de eleições e de exigir respostas para as questões concretas da
vida do seu dia a dia. Por outro lado, como bem mostra a nossa história
recente, não é por um país se associar a um "pelotão da frente" que
consegue atenuar a sua divergência económica e social. A moeda única, na sua
conceção e funcionamento está cheia de armadilhas, impõe regras únicas a
realidades bem diferentes, choca com objetivos de solidariedade e com condições
específicas de desenvolvimento dos países. A Comissão avança propostas que, no
fundamental, ignoram estes factos.
Perante
o aprofundamento da opção securitária (e belicista) dos Estados Unidos,
conduzido pela Administração Trump, os cenários apresentados por Juncker também
reforçam as apostas na "defesa" e nas medidas securitárias. Porquê e
para quê? Porque está aceleradamente a crescer o clima de uma nova Guerra Fria
e a UE entra na corrida (como quer Trump) enfraquecendo perigosamente
princípios de defesa da paz e da liberdade que se diziam fundadores do projeto
europeu. A resolução de graves problemas que dão origem a enormes movimentos de
refugiados, o combate ao terrorismo, ou a necessidade de lidar com novos polos
de poder não podem ser o recurso à guerra e a amputações de direitos
fundamentais.
A
União Europeia deveria guiar-se pelos objetivos de criação de emprego e de
melhoria da sua qualidade, de coesão social e territorial, de liberdade de
circulação das pessoas, mas esse não parece ser o caso. Por isso, é preciso
desconstruir os conceitos "europeísta"/"antieuropeísta" que
marcam os discursos e o debate público em Portugal e no resto da UE. Os
pressupostos e conceções que estão por detrás dessa dicotomia não permitem
gerar caminhos novos que nos retirem do atual beco político. Novos rumos
positivos serão possíveis analisando e considerando com rigor as condições e anseios
dos povos e novas realidades sociais, económicas, culturais e políticas.
Em
Portugal, é desejável que o Governo, e o Partido Socialista em particular, mas
também todos os partidos que suportam a atual maioria parlamentar, sejam
cuidadosos nas abordagens que vão fazendo sobre estas matérias, que confrontem
entre si posições, que se vão comprometendo em propiciar ao povo as condições
de informação, de análise e de pronunciamento que lhes deve caber, sem fechar à
partida o debate.
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Investigador e professor universitário
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