Manuel
Carvalho da Silva* - Jornal de Notícias, opinião
Esta
semana foi marcada pela formalização do pedido de saída do Reino Unido da União
Europeia (UE). Com um tom marcadamente anglófobo, a generalidade dos meios de
Comunicação Social portugueses procuraram inculcar-nos a mensagem central de
Donald Tusk: os restantes 27 países estão mais unidos do que nunca no seu
compromisso com a integração europeia. O que vale esta afirmação, quando o rumo
da UE é marcado por profundas contradições e por um acumular de problemas sem
resoluções à vista, no que se refere a elevadas taxas de desemprego (em
particular dos jovens), à situação dos refugiados, a retrocessos sociais e a
fundamentadas desconfianças nos políticos?
Não
se pode nem deve esconder a importância da saída do Reino Unido, a segunda
maior economia europeia e um país com grande importância geoestratégica no
plano europeu e mundial. Sendo certo que os precedentes que se criarem marcarão
muito o futuro da UE, não há forma de os camuflar e ignorá-los seria
desastroso.
À
medida que o processo de integração avança, escamoteando os bloqueios à
democracia, e que a UE se mostra incapaz de resolver os obstáculos criados com
a crise financeira, nomeadamente no que ao euro diz respeito, as tensões
políticas vão-se acumulando por todo o espaço europeu.
Exemplo
maior destas tensões é o problema bancário que se manifesta em países como
Itália ou Portugal. De facto temos assistido, nestes dias, a mais um episódio
da ingerência europeia, num ato de gestão política que subjuga os legítimos
interesses dos portugueses às práticas predadoras dos "mercados". Sob
pressão de Bruxelas, o Governo (terá remado forte contra a maré?) vende a preço
de saldo um dos maiores bancos portugueses a um fundo "abutre", o
Lone Star, grupo especializado em comprar barato e vender caro, mas jamais vocacionado
para efetivas reorganizações da Banca. Bruxelas "permite" ao Estado
uma participação de 25% no capital do banco, mas sem real direito a voto na
condução do negócio. O Estado subsidia a privatização do Novo Banco - na
realidade é uma ajuda de Estado ao Lone Star - quer através da participação no
capital, quer das garantias que terá de assegurar. Tudo isto, a pretexto da
proibição europeia de "ajudas de Estado", o que só pode parecer uma
piada de mau gosto, depois de anos de apoio público à Banca promovido pela
própria UE.
A
pressionada venda do Novo Banco ao fundo "abutre", deve ser entendida
como passo intermédio na transferência dos ativos deste banco para um qualquer
grande banco europeu. Este é o programa das instituições europeias: criação de
conglomerados financeiros europeus. Para promover tal agenda, servem-se das
situações de crise nos países. Em Portugal, a execução deste objetivo já tinha
sido adotada aquando da venda do Banif ao Santander.
Continua
assim por resolver um dos maiores bloqueios da economia nacional. Temos um
setor bancário com problemas recorrentes, incapaz de alavancar o investimento
produtivo, o que é muito grave, pois sem ele não há criação de emprego com
qualidade, nem bases sólidas para o desenvolvimento do país. Devemos preocupar-nos
quando vemos a Banca voltar a um modelo de negócio que já deu maus resultados:
o crédito imobiliário e o crédito ao consumo concedido às famílias. Prova desse
rumo é o retorno da publicidade agressiva dirigida a estes segmentos de
mercado, já presente nos grandes meios da Comunicação Social.
A
crise que vivemos depois de 2008 pôs termo a um modelo que compensava a
desvalorização salarial com facilidades de acesso ao crédito. Fomos empurrados
para essa armadilha e depois acusados de "andar a viver acima das nossas
possibilidades". Tomemos cautelas para não cairmos nesse logro uma segunda
vez.
O
país precisa de debates sérios sobre os problemas da dívida e do euro, pois
situam-se aí grandes obstáculos ao investimento e ao desenvolvimento e será com
a sua discussão que poderemos reajustar melhor a nossa estratégia na UE. Será
um desastre recolocar o endividamento como motor da procura. A procura
necessita de um bom estímulo, mas ancorado na valorização do trabalho e dos
setores produtivos.
*
Investigador e professor universitário
Sem comentários:
Enviar um comentário