domingo, 23 de abril de 2017

FARIA DE OLIVEIRA, NOVO BANCO, BANQUEIROS... MAIS DO MESMO - entrevista TSF/DN


Em entrevista TSF/Diário de Notícias é hoje o dia da banca, esse desastre nacional que se compõe de gente muito pouco honesta, contrariamente ao que devia acontecer. O entrevistado é Faria de Oliveira, atual presidente da Associação Portuguesa de Bancos.

Faria de Oliveira já foi peça integrante de governos por diversas vezes o salto para a banca aconteceu como aconteceu a muitos outros dos governos PSD – sobretudo no tempo do PM Cavaco Silva. Também outros do PS deram o mesmo salto ou muito semelhante. Pormenor interessante que redunda nesta “mãe de todas as crises”. O que quiser saber sobre Faria de Oliveira, este é o banqueiro hoje abordado, pode ver em Wikipedia Imaculada. Ali está a transparência conveniente sobre o entrevistado.

A entrevista está neste momento a começar. Vai do  após noticiário das 12, até pouco antes do noticiário das 13 horas. Na TSF.

Para ouvir já constam aqui as indicações, para ler basta continuar a “devorar” o que retirámos por “empréstino do site da TSF. Não são aqui tecidas considerações sobre o que é dito na entrevista de Faria Oliveira. Afinal eles dizem todos o mesmo. Até se consideram vítimas do “sistema”. A falta de vergonha caracteriza estes bandos de “banqueiros” que levam ao esbulho dos portugueses e empurra para a miséria milhões dos chamados “contribuintes”. Enquanto isso alguns dos referidos bandos têm o descaramento de recorrer a offshores para pôr a seguro milhares de milhões de euros. Tudo acontece impunemente, na paz do sistema mafioso que a elite formada nos governos pós 25 de Novembro veio impondo. Aos portugueses resta pagar com língua de palmo e meio os sistemáticos sacrifícios que lhe são impostos em nome de Portugal. Pagar somente para beneficio de uns quantos, essas tais elites. Esses tais bandos. 

MM | PG

Banqueiros muito preocupados com solução encontrada para o Novo Banco

O presidente da Associação Portuguesa de Bancos é o entrevistado esta semana da TSF/DN. Faria de Oliveira considera que a solução para o Novo Banco foi a "possível" e acredita na recuperação do setor.

A banca portuguesa entrou na união bancária com condições mais penalizantes

Vou ler-lhe vários títulos que encontrei ontem na preparação desta entrevista em sites de informação: "Bancos ainda têm pessoal e balcões a mais" (TSF); "FMI quer bancos nacionais a dar créditos só com critérios comerciais (Jornal de Negócios); "Bancos foram dos que menos reduziram rácios de crédito malparado" (Diário de Notícias); e, finalmente, "FMI diz que banca portuguesa e italiana são o elo mais fraco da zona euro" (Expresso). Depois de nos últimos anos termos resolvido, com custos de milhares de milhões de euros, vários problemas na banca, estes subsistem. Como saímos daqui?

Tem sido um período particularmente longo e difícil para todo o sistema bancário. Tudo começou com a crise financeira internacional em 2008, muito agravada com a crise da dívida soberana em 2011. É muito importante procurar entender qual foi a realidade que se viveu. O sistema bancário português foi muito fortemente afetado pela recessão económica derivada destas crises, essa recessão económica foi entretanto acompanhada por mudanças de política económica e pelo modelo de crescimento económico que o país viveu durante muitos anos. Em que é que isto se traduziu? Isto significou que muitas empresas - designadamente aquelas dos setores dos bens não transacionáveis, a construção civil, o imobiliário, que eram muito apoiadas pelo sistema bancário em termos de concessão de crédito -, viram os seus mercados fecharem-se, na medida em que a obra pública praticamente parou; o imobiliário também teve uma redução fortíssima e, com isso, essas empresas, que já estavam endividadas, ficaram sem capacidade de cumprir as suas obrigações perante a banca.

Mas houve aí uma má análise de risco...

Eu creio que a análise de risco é sempre objeto das circunstâncias em que as decisões são tomadas. E a verdade é que durante muitos anos a análise de risco se baseava fundamentalmente nos critérios correspondentes aos modelos de análise de risco de então que acompanhavam as políticas económicas do governo e as circunstâncias, outras, em que as decisões eram tomadas. A posteriori é fácil dizer que, na realidade, houve excesso de concessão de crédito por eventual condescendência na análise de risco, mas os factos provam que as taxas de incumprimento que vigoraram ao longo de muitos anos, até 2011, foram sempre extremamente reduzidas, o que, pura e simplesmente, é a demonstração cabal que os critérios então praticados correspondiam às circunstâncias do funcionamento da economia do país, e da Europa, pois o problema não é naturalmente um problema exclusivo da banca portuguesa.

Eu creio que existe, infelizmente, uma tendência significativa para, na análise das causas da situação do sistema bancário, não se ir ao fundo das questões. No método científico há dois princípios que têm de ser seguidos e que são os seus princípios fundamentais: a compreensão da realidade e a objetivação. Ora, muitas vezes, nesta matéria confundiu-se objetivação com objetivos. Na realidade, a opinião pública foi muito conduzida no sentido de atribuir a má gestão - designadamente por parte das instituições -, a um elevadíssimo peso das imparidades na gestão do sistema bancário. Na realidade, a atividade bancária tem o risco como inerente; se o risco existe em todas as atividades económicas, no sistema bancário tem um peso incomparavelmente superior, é específico do sistema bancário. E, portanto, seguramente que há sempre erros na concessão de créditos porque muitas das decisões depois não correm bem. Os erros também são inerentes, agora, atribuir a principal razão da situação da banca a erros de gestão parece-me sinceramente um exagero. Como digo, é fácil provar que a esmagadora maioria das imparidades registadas resultam das consequências da recessão económica.

Em janeiro, na comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, o senhor disse que foi a crise das dívidas soberanas - um pouco no seguimento do que nos dizia antes - que, com as suas consequências, acabou por afetar os bancos e não estes a causarem essa crise. Isto implica que na resolução dos problemas do setor há uma responsabilidade acrescida para os Estados que terão estado na origem desta situação?

Como todos sabemos, a origem de tudo esteve na crise do subprime nos Estados Unidos, no comportamento de instituições bancárias que tiveram muito más práticas e comportamentos éticos absolutamente inaceitáveis, numa proliferação de produtos complexos no sistema bancário que geraram, depois, problemas de uma enorme dimensão. Essa é a principal origem.

E essas são também responsabilidades do setor bancário?

Seguramente, e extremamente graves, e que tiveram consequências depois, por efeitos de arrastamento, em todo o sistema bancário europeu que, como se recordarão, conduziram à necessidade de os Estados - designadamente o G20 e, dentro da Europa, o Conselho Europeu -, definirem programas específicos para tentar evitar que as consequências dessas situações causadas no sistema bancário se refletissem na economia. Daí, as garantias de Estado e os aumentos de capital que atingiram uma dimensão astronómica, que foi necessário aplicar para salvar vários bancos e, nomeadamente, bancos de grande dimensão. Não nos esqueçamos do que se passou em Inglaterra, nos países nórdicos, na Bélgica, na Holanda, etc. e, na Irlanda, em particular. O conjunto de medidas de apoio do estado, por exemplo à banca irlandesa, chegou a ultrapassar os 200% do PIB.

Em Portugal, o total das ajudas do Estado ao sistema bancário português foi de treze mil milhões de euros, (13 bis, que é uma expressão mais simples). Desses 13 bis, cinco estão recuperados, foram pagos pelo sistema. Portanto, na realidade, as perdas, aquilo que se pode designar por custos para o Estado e, portanto, para os contribuintes, são 8 bis, cerca de 5% do produto interno bruto. Portugal tem um peso, em qualquer circunstância, elevado, sem dúvida nenhuma que o é, mas que tem de ser visto no contexto da enorme crise que o sistema bancário sofreu, e que não está eliminada, não nos podemos esquecer que o sistema bancário europeu ainda tem, como anteontem disse Danièle Nouy, novecentos e trinta e um mil milhões de euros de imparidades, de NPLs [non-performing loans], nas carteiras dos bancos. Isto tem, portanto, uma dimensão que excede largamente a dimensão nacional, é um problema manifestamente europeu.

Mas o FMI salienta que a situação da banca portuguesa e italiana é a mais complicada da zona euro.

Sem dúvida. Em relação à banca portuguesa creio que há algumas razões que o podem explicar. Devo dizer que ao procurar explicar cabalmente a situação não estou a dizer que o sistema bancário português não devesse estar mais bem preparado para enfrentar crises, como a que infelizmente aconteceu. O que quero enfatizar é que a situação que o sistema bancário atravessou, para além daqueles fatores que referi, foi agravada porque, ao mesmo tempo, exatamente quando estávamos a negociar o programa de ajustamento económico e financeiro, e a aplicá-lo, surgiram os novos requisitos, o novo quadro regulatório do sistema bancário europeu; com novos requisitos gravíssimos e que implicaram necessidades de aumento de capital de grande dimensão, bem como o mínimo de cumprimento de rácios de liquidez, de rácios de leverage [alavancagem financeira], etc.

Depois ocorreu um segundo facto. No momento em que estávamos no auge da recessão surge também a união bancária com outros novos requisitos. Portanto, a banca portuguesa teve condições de entrada na união bancária mais penalizantes do que aqueles que teve a grande maioria dos outros Estados-membros da União Europeia. Isto também é uma realidade inquestionável. Isso conduziu a que o sistema bancário português começasse a apresentar rentabilidades negativas. Os resultados dos bancos, praticamente desde 2012, passaram a ser resultados negativos. E, naturalmente também, conciliar necessidades de aumento de capital com rentabilidades negativas é algo extremamente complicado, porque os investidores olham, naturalmente, para as rentabilidades esperadas. E não esqueçamos também a destruição de capital colossal que derivou da crise do mercado de capitais e, designadamente, do valor das ações da banca. Não esqueçamos que em relação à capitalização bolsista em 2007-2008 chegou a haver uma perda de cerca de 90%, que depois foi parcialmente recuperada. Tudo isto afasta investidores e, portanto, torna mais complicado, quando há necessidade de realizar os aumentos de capital, atrair capital.

Seria útil um banco privado com capital maioritário português

Vamos olhar exatamente para esse ponto, para como está a banca hoje: a banca portuguesa passou tempos a resolver problemas - chegou-se a falar do perigo da espanholização da banca -, mas depois os espanhóis do La Caixa ficaram com o BPI, os chineses da Fosun entraram no BCP, os norte-americanos da Lone Star podem vir a entrar no Novo Banco, se o negócio se vier a confirmar, o Estado reforçou capitais na Caixa, chegou até a existir uma pequena polémica quanto à origem do investimento que obrigou o engenheiro Faria de Oliveira a vir explicar o que tinha dito. Esta diversidade deixou-o satisfeito?

Eu creio que sim. Nós estamos no âmbito do projeto europeu, de acordo com os objetivos definidos pelo próprio BCE, a caminhar para um sistema de bancos pan-europeus. Há uma manifesta intenção de promover uma maior consolidação do sistema bancário europeu, mas, entretanto, a realidade também demonstra que os próprios Estados-membros continuam a manter um número significativo de instituições nacionais dentro do sistema bancário. No sistema bancário português, devido ao facto de o capital ser um bem escasso e, neste momento, ter havido uma grande destruição de capital em termos nacionais, naturalmente as necessidades de capital têm de ser supridas através da entrada de investimento estrangeiro.

Mas, em sua opinião, faria falta um banco privado com maioria de capital português?

Eu penso que seria seguramente útil e penso que isso ainda venha a ser, eventualmente, possível no futuro, quando houver uma recuperação das condições dos investidores nacionais. O país precisa manifestamente de aumentar o investimento e de aumentar a poupança, e só depois de se conseguir aumentar a poupança se criarão condições para que o investimento possa aumentar significativamente. Nós, neste momento, como sabe, temos taxas de poupança que são extremamente baixas, das mais baixas no contexto europeu.

Mas, neste contexto, o facto de haver um conjunto de bancos internacionais com origens de capital diversificadas pode ser positivo. Gostava que a banca portuguesa fosse particularmente apetente em termos de investimento para algumas instituições europeias de relevo e, infelizmente, neste momento, até porque muitas delas também têm problemas ainda a enfrentar até atingirem a total normalidade, isso não tem vindo a acontecer. E acho que os bancos espanhóis, que são dois bancos que eu conheço bem, extremamente sólidos, extremamente bem geridos, (o La Caixa e o Santander), oferecem todas as garantias de poderem, de facto, dar um contributo para que a banca nacional - porque os bancos, em qualquer caso, o BPI e o SantanderTotta, são bancos nacionais, com capital maioritariamente estrangeiro, mas são bancos nacionais -, cumpra aquelas que são as duas grandes missões do sistema bancário, e que são indispensáveis: o financiamento da economia e dos cidadãos por um lado e a garantia do sistema de pagamentos eficaz e seguro. Estas são duas missões insubstituíveis do sistema bancário.

Nunca o incomodou a ideia de que podia haver uma espanholização da banca portuguesa?

Como sabe eu estive três anos em Espanha, onde dirigi o então banco da Caixa Geral em Espanha, e conheço bem as instituições bancárias espanholas e bastante bem a maneira de pensar estrategicamente das instituições. Os próprios dirigentes políticos e bancários espanhóis serão os primeiros a ter muito bom senso no que diz respeito à sua maneira de atuar.

Há ainda um elefante, é um elefante bebé, mas é um elefante no meio da sala. Há razões para estarmos atentos com o que se passa com a Caixa Económica Montepio, que é um banco, ou o problema não é bancário, é do acionista e dos mutualistas que fazem parte desta instituição?

Bom, eu aqui tenho uma questão de princípio, porque é mesmo uma questão de princípio: a APB, desde sempre, não se pronuncia sobre questões específicas dos seus associados e dos seus acionistas, portanto tenho muita dificuldade...

Nós também temos um princípio, que é ser jornalistas e fazer perguntas.

Eu sei, evidentemente, evidentemente.

Não tem de se pronunciar de forma específica, pode ser de uma forma geral [risos] ...

Portanto, o que é a missão da APB? É tratar dos assuntos transversais ao setor e dos interesses gerais dos seus associados. É nisso que nós trabalhamos mas, naturalmente, dentro da atuação da APB importa que cada banco nosso associado - e, principalmente, aqueles que são mais relevantes no sistema, e o Montepio Geral é um banco relevante no sistema, não apenas por ser um banco centenário -, tenha preservada a sua solidez, a sua modernidade e a confiança que traz para os seus clientes. O que passa pelo cumprimento das exigências regulatórias e das exigências de supervisão e, seguramente, isso está efetuado pelas autoridades competentes. É basicamente isto o que tenho a dizer e, o que estou a dizer em relação ao Montepio é absolutamente geral em relação a qualquer outra instituição.

Está satisfeito com a hipótese de serem instituições de caráter social, numa lógica de como é também uma caixa mutualista, a fazerem parte da solução que o governo preconiza?

Mais uma vez é-me difícil fazer comentários sobre essa matéria.

Não me parece possível um veículo para o mal parado, talvez uma plataforma

Temos estado a resolver caso a caso os problemas do setor bancário. Tarda, ainda assim, a solução para um problema que é generalizado, a questão do crédito malparado, já temos vindo a falar dele, a Associação Portuguesa de Bancos integra aliás um grupo de trabalho que procura soluções para esta questão. O tal veículo de que o primeiro-ministro tem falado, de que falou há mais de um ano, estamos mais perto dessas soluções, elas já existem?

Vamos ver. Em primeiro lugar, sem dúvida que a Associação Portuguesa de Bancos tem estado fortemente envolvida no que diz respeito ao encontro de soluções que permitam acelerar a resolução do problema da venda do crédito malparado, que é basicamente o que está em questão. Mas nós não fazemos parte do grupo de trabalho relacionado com aquilo que se chama veículo ou plataforma que vai ser criada para permitir que se criem mecanismos que sejam principalmente capazes de gerar um mercado secundário de compra de créditos pouco produtivos ou não produtivos que seja mais eficiente. Como sabe, no nosso país esse mercado é muito incipiente, basicamente são alguns fundos internacionais que trabalham nesse mercado, e, ao mesmo tempo, é um biased market e, como biased market que é naturalmente que o simples facto de haver pressão para a venda diminui a capacidade negocial das instituições.

A nossa preocupação, e isso sim, fazemos parte de um segundo grupo de trabalho que foi constituído, tem muito a ver com a eliminação de todo um conjunto de entraves e bloqueamentos a que seja possível atuar sobre o crédito malparado de uma maneira mais célere.

Entraves legais, entraves fiscais?

Entraves fiscais, judiciais - do funcionamento mais célere ou menos célere dos tribunais -, muito ligados com o SIREVE, com o PER, com os processos de recuperação e de insolvência que em Portugal são tão morosos que os bancos ficam, até à decisão final, inibidos de poder fazer o write off desses créditos nos seus balanços; isto tem muito a ver com a questão dos DTAs que eu depois poderei também abordar. Desde logo, a otimização do PER e do SIREVE, a melhoria da eficácia e da eficiência dos processos de revitalização e de insolvência, a dinamização do mercado secundário, como eu já referi, e a melhoria do enquadramento fiscal, muito relacionada com a questão dos DTAs, são questões que, para nós, são tão ou mais importantes do que trabalhar no domínio da criação da plataforma.

E esse tipo de questões já tem soluções desenhadas que permitam depois avançar? Estava a falar dos DTAs, o que é que procura que o governo seja capaz de dar em matéria fiscal?

Vamos lá ver, logo aí há uma matéria que importa clarificar: o governo não está a dar, eu sei que têm surgido algumas notícias de que há uma nova ajuda para o sistema bancário relacionada com a questão dos DTAs, mas isso é muito importante clarificar. Qual é, na realidade, a questão que se coloca? Quatro países no âmbito da União Europeia, quatro, Grécia, Itália, Espanha e Portugal, tinham um regime contabilístico não coincidente com o regime fiscal no tratamento fiscal das imparidades; isto é, uma instituição regista uma imparidade porque determinou que um crédito é praticamente incobrável, mas a autoridade fiscal não aceita esse registo até que os tribunais decidam que deixou de haver condições de recuperar o crédito; só com a decisão do tribunal. E há um hiato de tempo em que o banco registou a imparidade e, portanto, tendo resultados positivos está a pagar o IRC por antecipação e o Estado o que faz? O Estado transforma esse crédito que recebeu antecipadamente num DTA que pode ser recuperado mais tarde, exatamente quando houver o reconhecimento integral da perda.

Estes quatro países viveram durante muitos anos em perfeita desvantagem em relação a todos os outros Estados-membros da Europa, onde coincide o regime fiscal com o regime contabilístico.

E tem isso assegurado por parte do governo para poder resolver a questão do crédito malparado?

Em princípio sim. Devo dizer que o Banco Mundial e o BCE fizeram recomendações no sentido de se eliminar esta diferença temporal entre o regime fiscal e o regime contabilístico. O nosso governo está, aparentemente, de facto a trabalhar neste assunto para poder aprovar a legislação que, pura e simplesmente, harmoniza com o resto da legislação europeia.

Este crédito malparado, e estamos a falar de dezoito a vinte mil milhões de euros, não é necessariamente para passar todo para esse veículo. De que percentagem dele é que seria necessário os bancos libertarem-se para uma melhor governação?

Os bancos na ausência de um mecanismo - e, uma vez mais, a Danièle Nouy na entrevista de anteontem refere que no âmbito europeu se pensa criar também um mecanismo pan-europeu para acelerar o tratamento despes NPLs, aliás no seguimento de uma proposta feita pelo governador do Banco de Portugal, se não estou em erro, em novembro de 2015, que terá sido pioneira no âmbito do Conselho Europeu para criar uma tal solução, visto que o problema é sistémico, é europeu, não é um problema exclusivamente nacional, embora Portugal seja um dos países, como diz o relatório do Fundo Monetário, onde o problema é mais premente -, têm vindo a trabalhar neste domínio. Estes aumentos de capital que foram realizados têm também muito a ver com a possibilidade de acelerarem o tratamento da resolução destes problemas.

Eu creio que na medida em que o mercado secundário puder ser vitalizado, na medida em que as tais questões de natureza temporal, que são bloqueamentos, forem resolvidas...

...acha que não será preciso um veículo?

Não, um veículo pode ser muito útil, principalmente se for pan-europeu, pode ser extremamente útil.

Mas vejo-o pessimista em relação a um veículo que pudesse ser unicamente para os bancos portugueses.

Não. Vamos lá ver, eu tenho dúvidas de que seja possível criar um veículo, como aconteceu com outros Estados-membros muito beneficiados nesta matéria, com garantias de Estado. Isso seria o ideal.

O primeiro-ministro já disse que não estava disponível para isso.

Seria necessário que houvesse um waiver por parte das instituições europeias nesse sentido. É mais natural que, a prazo, se venha a criar um veículo europeu, chamemos-lhe assim, mas entretanto se houver uma plataforma que dinamize este mercado já seria extraordinariamente positivo.

Mas não acredita que esse veículo venha a conhecer a luz do dia, a nível nacional para o problema português, se não houver garantias de Estado?

Não será um veículo, será uma plataforma, chamemos-lhe assim, em que sejam incentivadas várias instituições, fundos, etc., especializados na compra do crédito malparado e que permitam...

...mas cada uma delas a fazer a gestão dos próprios ativos, pelos quais se responsabilizará.

Exatamente, exatamente.

Ficámos preocupadíssimos com a solução encontrada para o Novo Banco

Há uma solução anunciada para o Novo Banco, à espera ainda da confirmação final, esta solução terá custos acrescidos, nomeadamente para o Fundo de Resolução, ou seja, para os outros bancos. Ficaram dececionados com a solução que acabou por ser encontrada?

Ficámos preocupadíssimos, mas a verdade é que este processo teve um pecado original e insofismável, que foi a decisão da medida de resolução do BES, um banco sistémico. Logo nessa altura, a Associação Portuguesa de Bancos e os presidentes dos bancos disseram claramente que esta decisão não devia ser tomada, visto que o BES era um banco sistémico e não só o Fundo de Resolução não estava devidamente apetrechado para isso, tinha menos de trezentos milhões de euros naquele momento de fundos, como, ainda por cima, o efeito de natureza quase sistémica que teria em relação aos outros bancos que têm, em qualquer caso, a responsabilidade de financiar o Fundo de Resolução, podia trazer problemas complicados. Mas pronto. Não foi possível sermos atendidos nesta matéria, nem pelo governo de então, nem pelo Banco de Portugal e o processo pode dizer-se que correu mal.

Eu creio que não havia um completo conhecimento da qualidade da carteira do BES e que as autoridades admitiram, nessa altura, que uma venda próxima do banco de transição se poderia fazer por valores próximos do capital que iria aí ser investido. A realidade veio demonstrar uma situação bem diferente. A verdade é que o Novo Banco foi acumulando prejuízos, falhou a primeira tentativa de venda, esta segunda tentativa de venda acabou por ser, na fase final, praticamente limitada à negociação com um concorrente. Para os bancos do sistema isto constitui um fardo pesadíssimo. Repare, os 4,9 mil milhões de capital inicial do Novo Banco já ultrapassavam aquilo que em termos europeus se define como limite máximo de exposição que deve haver em relação à resolução de um banco, que são 5% do passivo mais fundos próprios; isso dava, em relação ao BES de então entre 3,6 e 3,9 bis, e foram definidos 4,9; e estes 5% não foram definidos completamente por acaso, são para salvaguardar a estabilidade financeira. Agora ficamos sujeitos a uma exposição adicional, através de um mecanismo contingente que fica responsável, que é uma garantia para todos os efeitos.

De 3,9 mil milhões.

Claro, isto atira para nove mil milhões de euros, praticamente. É um valor de uma dimensão brutal que é cerca de 5% do PIB nacional. Portanto, isto não pode deixar de nos provocar preocupações. É certo, e até de acordo com uma proposta de vem de há muito tempo e que a APB fazia, que foi possível obter atendimento por parte das instituições europeias de que em termos contabilísticos e prudenciais, a exposição dos bancos ao Fundo de Resolução pudesse ser diluída no tempo; isto é, de que houvesse a possibilidade de o fazer mantendo um valor anual das contribuições periódicas dos bancos para o Fundo de Resolução.

Isso já foi conseguido, agora queria perguntar se confia que os atuais obrigacionistas estarão disponíveis para fazer um haircut que permita os quinhentos milhões de euros que são necessários para o aumento de capital e que são cruciais para que o negócio se conclua?

Eu creio que esta operação tem características ligeiramente diferentes daquela que foi a retransmissão das obrigações para o banco mau, esta é mais ou menos voluntária. Agora, ela tem de ser atingida e compete criar condições para facilitar o encontro...

... mas é um pouco como dizer, ou aceitam cortar estes quinhentos milhões ou vão ficar sem nada.

Vamos lá ver, isto vem sempre de acordo com a questão de fundo, que era esta: que alternativas havia para a resolução do problema do Novo Banco nesta matéria? Havia quatro hipóteses. A primeira, a liquidação, estava fora de causa porque o efeito sistémico era garantido e porque os custos para o Estado eram ainda maiores. A segunda era a nacionalização. Segundo o que ouvimos do primeiro-ministro os custos também eram superiores e creio que havia também uma questão política de fundo, uma nacionalização neste momento de uma instituição bancária, no contexto em que vamos vivendo em termos políticos, podia ser muito mal entendida pelos mercados e penalizar fortemente o país e, portanto, era uma solução possível, por exemplo nós não tínhamos nada contra ela, mas reconhecemos que em termos de imagem... Depois era a venda nas melhores condições possíveis e é isso que corresponde àquilo que o primeiro-ministro tentou, e haveria eventualmente uma última que era o adiamento da venda.

Aqui temos duas questões, a primeira é que havia compromissos com Bruxelas que não o permitiam, teriam de ser renegociados. A segunda é que a experiência existente até agora, não é muito grande mas há alguma, é que até hoje não foi possível através de adiamentos melhorar as questões de valorização das instituições. Portanto, nada nos garantia que poderiam ser obtidas melhores condições. A solução encontrada é um mal menor. É um mal menor e um grande fardo para o sistema bancário.

O senhor já referiu que o Fundo acaba por dar garantias no valor de cerca 3,9 mil milhões de euros nesta venda, se eles forem necessários será o Estado a emprestar e os bancos terão de pagar até 2046. Já houve uma renegociação de prazos e juros e houve mesmo o PSD a perguntar se houve um perdão de dívida aos bancos que suportam o Fundo. A minha pergunta é exatamente essa, houve um perdão de dívida?

Não, não houve perdão de dívida nenhum. Os bancos são o responsável último pelo montante definido em relação à resolução quer do BES, quer do BANIF. As condições de cumprimento, através das contribuições que os bancos vão fazendo é que são outras, não são feitas à cabeça, o que daria um problema sistémico. Repare, admitamos que são só os cinco bis, a Caixa Geral de Depósitos que representa cerca de 24% a 25% teria de registar à cabeça uma imparidade da ordem de 1 bi ou mais, e o mesmo se passaria com o BCP que é da mesma ordem de grandeza. Isto era insustentável e, portanto, foi possível fazer entender às autoridades nacionais e estrangeiras que tinha que haver uma diluição no tempo do pagamento deste financiamento do Fundo de Resolução. Isso foi conseguido, os bancos registam anualmente as imparidades correspondentes ao valor da contribuição anual que fazem e que está fixada mais ou menos em duzentos e cinquenta milhões de euros/ano e o tempo é que passou a ser a variável. Através do eventual aumento da exposição dos 4,9 até chegar aos 9, pode vir a ser necessário até prorrogar o horizonte temporal.

Entretanto, as condições de fixação da remuneração do financiamento que o Estado renegociou com o sistema bancário, porque o financiamento já existia, aumentando as taxas de juro, têm muito a ver com duas preocupações essenciais e, a primeira, é assegurar a solvência do Fundo de Resolução, porque se o Fundo de Resolução deixar de ser solvente temos um problema muito sério.

Aí serão os contribuintes a pagar.

Exatamente.

Temos um Presidente 5 estrelas

Vamos só olhar um pouco para a política, mas naquilo que diz respeito à vida dos bancos. A Associação Portuguesa de Bancos considerou arbitrária a cobrança à banca do imposto de selo em relação ao pagamento com cartões. Num setor com problemas de rentabilidade, o poder político, na opinião da APB está a criar dificuldades à atividade. Acha que isto tem a ver com o facto de existir uma aliança parlamentar de esquerda que não vê com bons olhos a iniciativa privada na banca, acha que esta pressão vem daí, desta questão política?

É uma excelente questão. Em relação ao caso concreto que referiu devo dizer que são muito mais questões de princípio do que propriamente o valor que está em causa, em relação ao imposto de selo sobre a taxa de serviço do comerciante. O que está em causa é que arbitrariamente se transforma um imposto que é um imposto sobre o consumo num imposto sobre o rendimento e isso é um caso completamente distinto. Não se atenta à natureza do imposto e isso é gravíssimo, do meu ponto de vista. E, ainda por cima, esse imposto sobre o rendimento incide sobre o rendimento bruto, não incide sobre o rendimento real e esquece que nesse rendimento estão incluídas várias verbas que não são para os bancos, são para os skins são para os Visas, são para esse tipo de entidades. Do ponto de vista, chamemos-lhe assim, eminentemente técnico, isto é uma barbaridade. Foi isso que nos levou a reclamar, porque não é o valor que está em causa, não é isso.

Mas acha que a decisão é marcadamente ideológica?

Eu acho que a decisão é ideológica. Agora, isso tem muito a ver com o funcionamento da geringonça. Eu distingo muito entre governo e geringonça. A geringonça é instrumental para viabilizar o governo, mas ela agrega partidos que são contra a economia de mercado, que são contra o euro, que são contra a União Europeia, que são contra o sistema bancário, que têm posições diferentes das do PS, e essas posições penalizam bastante o país, por um lado, perante os investidores, perante os círculos políticos dominantes, provocam desconfiança, etc. Mas a geringonça tem também alguns aspetos positivos, porque criou um clima de estabilidade social, com menor contestação, pugna pelas classes mais baixas ainda que, eventualmente, num processo que se continuasse podia ser perverso, de alinhamento por baixo, até hoje a experiência empírica mundial mostra claramente que nenhuma sociedade conseguiu prosperar e aumentar a criação de riqueza com base neste tipo de modelo.

Mas a ação governativa tem tido, indiscutivelmente, vários méritos. Desde logo, aqueles que são conhecidos e que têm a ver com os progressos registados na redução do défice, no aumento do emprego, no aumento do crescimento económico, no investimento, ainda que muito ténue. E ainda temos que registar muito positivamente a determinação na resolução de problemas candentes e essenciais para o país, que são o problema da capitalização das empresas, o problema da estabilidade financeira, da eliminação de todo um conjunto de bloqueamentos a uma maior eficácia de atuação por parte do aparelho produtivo e bancário. Isto é indiscutível e resulta muito de uma capacidade de diálogo muito forte que tem havido, mas existe ainda um conjunto de omissões e de eventuais riscos que importa salvaguardar. Para mim, a maior preocupação que existe é uma certa falta ou a inexistência de uma visão estratégica e de um rumo, para o médio e longo prazo, claro para o nosso país. Eu acho que isso é essencial para transmitir confiança e mobilizar os cidadãos, e, depois, há vários temas que merecem planos contingentes ou uma grande atenção, como seja por exemplo o caso do valor da dívida pública e o respetivo ILD, no caso de o Banco Central Europeu reduzir o programa de compras da dívida pública ou alterar a sua política de taxas de juro. Nós temos de estar preparados para responder a isso. Neste momento não temos tanto o perigo da DBRS deixar de nos atribuir o rating adequado...

Mas temos de nos preparar para poder ir ao mercado se faltar o BCE.

Exatamente. Depois é o adiamento das reformas estruturais que é algo gravíssimo, a verdade é que reformas adiadas são ruturas anunciadas, portanto esta matéria também tem de ser objeto de muita atenção.

Pedia-lhe agora para olhar também para o papel do presidente da República, de quem já se disse que, de alguma forma, leva também ao colo o governo e a solução política encontrada no Parlamento. Está satisfeito com a prestação do chefe de Estado até esta altura?

Vou ser extremamente curto: cinco estrelas.

A entrevista TSF / Diário de Notícias passa este domingo, depois das notícias das 12h.


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