Manuel
Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias, opinião
No
discurso político e social sobre a educação, o ensino e a formação, desde logo
dos jovens, existe unanimidade quanto ao reconhecimento de que essa deve ser
uma área prioritária de investimento para se alcançar o desenvolvimento da
sociedade e do país.
Entretanto,
quando observamos a forma como diversos governos trataram a escola e os
professores, somos levados a concluir que a bota não dá com a perdigota. Também
já constatámos que a aposta numa maior escolaridade e formação é sempre um
ganho para quem as faz, mas se o país não tiver uma matriz de desenvolvimento
que integre as formações adquiridas, pouco ganha numa perspetiva estratégica.
As jovens gerações, com mais conhecimento e preparação, são
"convidadas" a emigrar acabando por ir dar contributo ao desenvolvimento
de outros países.
A
escola pública portuguesa no global é uma boa escola, tem dado contributos
extraordinários para avanços do país em múltiplos campos. O que nos tem faltado
é um projeto de desenvolvimento que, por um lado, seja capaz de integrar
formações e qualificações adquiridas e, por outro, seja gerador de dinâmicas
propiciadoras de acertos (organizacionais, curriculares, pedagógicos e outros)
em todo o sistema de ensino.
A
escola portuguesa aguentou-se, apesar do chorrilho de suspeições e ataques aos
professores ao longo dos anos. Tais práticas, prosseguidas por governantes
obcecados por projetos pessoais prenhes de determinismos, mas sem sustentação
empírica e científica, e apoiadas por formadores de opinião sempre ao serviço
das "propostas inovadoras" do poder e da cartilha neoliberal,
desgastaram violentamente uma geração de professores, facilitaram a amputação
de meios humanos e materiais à escola, prejudicaram a necessária renovação do
quadro de professores nos diversos graus de ensino, alimentaram perigosas
roturas entre gerações, complicaram as condições necessárias para uma boa
gestão das escolas.
O
contexto político que se tem vivido nestas quase duas décadas que já levamos no
século XXI e a panóplia de fundamentalismos transportados pela
"crise" conseguiram distanciar os portugueses de uma observação
objetiva sobre os rumos e opções seguidas. Entretanto, aquando do confronto de
posições em torno da questão dos Contratos-Programa, sentiu-se um interessante
despertar dos portugueses e das famílias que, de forma esmagadora, souberam
rechaçar interesses egoístas (privados) e apoiar os interesses coletivos e a
escola pública. Parece-me que, nas últimas semanas, a propósito de novas
questões e de movimentações dos professores e seus sindicatos, esses sinais
mostram amadurecimento e uma perceção bem melhor sobre como estão a funcionar
as escolas, sobre as condições de trabalho e o papel dos professores.
O
Ministério da Educação está sob fogo das forças de Direita e conservadoras,
exatamente porque intervém numa área estratégica para o modelo de
desenvolvimento do país. É por isso também que, ciclicamente, os sindicatos e,
em particular, a FENPROF são vilipendiados e insultados, sendo as suas
propostas, no fundamental, muito válidas. Será que o Governo e aquela equipa
ministerial em particular, estão capazes de ultrapassar hesitações e, com
coerência, coragem e empenho, encetarem paulatinamente a necessária correção de
políticas?
A
discussão do "Perfil do Aluno" pode constituir uma reforma de
interesse se não ficar pela apresentação; se entretanto forem encetadas
respostas que melhorem a rede escolar e tratem, nomeadamente, do número e
rejuvenescimento dos professores, dos currículos, do sistema de avaliação; se
for garantida autonomia às escolas e não mudança de subjugações.
É
insustentável a precariedade de trabalho que afeta cerca de 20 000 dos
professores tutelados pelo Ministério e milhares e milhares de outros
trabalhadores das escolas - alguns destes pagos a menos de 3 euros por hora, mas
a desempenharem importante papel de acompanhamento de crianças e adolescentes.
Não se pode ter apenas 451 professores com menos de trinta anos num universo de
110 000. Os professores não podem continuar a trabalhar, em média, 46 horas por
semana entre atividade letiva e não letiva e sem carreiras dignas.
*Investigador
e professor universitário
Sem comentários:
Enviar um comentário