Afonso
Camões* | Jornal de Notícias | opinião
Não
votamos no país que inventou a Esquerda e a Direita na política. Mas o
resultado das eleições presidenciais de hoje, em França, é também assunto
nosso. Não apenas pelo mais de um milhão de portugueses que lá vivem, mas
sobretudo porque o desfecho condicionará o futuro da União Europeia tal como a
conhecemos.
São
onze candidatos, e as últimas sondagens dão empate técnico aos primeiros
quatro: a nacional-populista Marine Le Pen, o conservador François Fillon, o
centrista Emmanuel Macron e o esquerdista Jean-Luc Mélenchon. Entre eles, está
tudo em aberto. Nos quase 60 anos que leva a quinta república fundada por De
Gaulle, é a primeira vez que tantos candidatos chegam à ponta final em
condições de se qualificarem para a segunda e decisiva volta, a 7 de maio. Pela
primeira vez, também, à Esquerda e à Direita, é seguro que nenhum dos
candidatos dos principais partidos lá chegará.
A
crise francesa, filha do vazio político europeu, estilhaçou a sociedade e
também os partidos tradicionais que governaram nas últimas décadas. Em França,
tal como na Grécia, em Espanha, em Inglaterra e na Holanda, a principal vítima
são os socialistas. François Hollande, o presidente cessante, é o rosto do
desencanto da social-democracia europeia. E o facto de não se ter recandidatado
é a assunção do seu próprio fracasso, deixando órfão um partido cujo candidato
oficial, Benoît Hamon, não chega sequer aos 10% nas sondagens.
Do
outro lado, animadas pelas vitórias de Trump nos Estados Unidos e do Brexit no
Reino Unido, todas as previsões apontam para que a candidata da
extrema-direita, Marine Le Pen, ganhe a primeira volta ou que, pelo menos, se
qualifique para a segunda. Mas não o suficiente para chegar ao Eliseu, que
requer maioria absoluta. Pouco proporcional, o sistema eleitoral francês,
sempre a duas voltas, é a chave da exclusão desta Frente Nacional contra quem,
até agora, todos se têm aliado para a afastar da órbita do poder. Xenófobo,
anti-imigrantes, antiglobalização e antieuropeísta, o partido de Le Pen obteve
um quarto dos votos nas mais recentes eleições, mas continua marginal. Apesar
de ser o mais votado na primeira volta das eleições de 2015, em seis das 13
regiões, não controla nenhuma delas, governando apenas em 14 dos 36 mil
municípios do país...
Na
expressão feliz de um historiador gaulês, "à primeira volta os franceses
votam no seu candidato, e à segunda elegem o seu presidente". Sobra um
detalhe que diz tudo sobre o que está em jogo nesta eleição: entre os
principais candidatos, há um único assumidamente europeísta. É um filho do
sistema, o que sobra dele.
*Diretor
do JN
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