Grande
entrevista DN/TSF com o secretário-geral do PCP
Com
tanta gente chocada, o senhor também está chocado com o ambiente de crispação
que se gerou entre o governo socialista e o Presidente na sequência das
comunicações feitas ao país quer por António Costa quer por Marcelo Rebelo de
Sousa?
Nós
não consideramos isso um elemento político relevante, consideramos que esse
processo, o estado de choque ou não choque, não é um elemento político de
avaliação tanto do Governo como do próprio Presidente da República; registamos,
fazemos a devida avaliação, mas eu desdramatizaria esse acontecimento.
Considera
que há um novo patamar no relacionamento entre o Governo e o Presidente com
este episódio que tem diversos contornos?
Naturalmente
compreenderão que eu não posso antecipar o que está no pensamento do Senhor
Presidente da República, o que posso dizer é que pode tender a haver uma
evolução da situação, mas seria excessivo dizer que a partir daqui vai haver um
novo ciclo, um desenvolvimento político de consequências ainda imprevisíveis,
não chego a esse ponto. O Presidente da República naturalmente saberá, mas há
que observar esses possíveis desenvolvimentos.
Na
discussão da moção de censura, muito centrada nos fogos que aconteceram este
ano no país, o PS ficou, de alguma forma, a defender-se sozinho, contando com a
ajuda do PCP apenas para atacar a direita e apontar-lhe responsabilidades
históricas pelo que aconteceu. Em seu entender, o Governo não tinha defesa
nesta questão?
Eu
creio que é importante, em nome da coerência política, fazer o sublinhado em
relação a omissões e responsabilidades próprias do Governo nesse trágico
acontecimento. Creio que isso tinha de estar presente e particularmente claro
na nossa intervenção, o que não invalida - e não invalidou -, a desmontagem do
aproveitamento político e partidário do CDS, que talvez em concorrência com o
próprio PSD, admito, procurou cavalgar nessa mesma tragédia, o que aconteceu
pela primeira vez numa moção de censura. A moção de censura parte geralmente de
um quadro político e social existente, seja no bom ou no mau sentido mas,
particularmente, quando as coisas se agudizavam, ao longo destas décadas, no
plano político, económico e social justificava-se essa moção de censura num
quadro mais abrangente. Aqui não, o CDS escolheu apenas potenciar as emoções,
os sentimentos e a própria dor de quem foi vítima da tragédia e, por isso
mesmo, nós consideramos que tendo em conta as próprias responsabilidades diretas
do CDS no Governo anterior, tendo em conta a ocupação da deputada Assunção
Cristas na governação e, em especial, no Ministério da Agricultura, com medidas
que eram contraproducentes para a necessidade de recuperação da nossa floresta,
enfim, grandes questões que se colocavam no plano do financiamento, no plano da
prevenção, no plano do combate, o CDS não tinha moral nenhuma para,
aproveitando essa tragédia, fazer ali um exercício de instrumentalização
política. Possivelmente para assumir um protagonismo maior em relação ao PSD e,
simultaneamente, fazer um certo ajuste de contas com a derrota que teve nas
eleições legislativas passadas.
Jerónimo
de Sousa, mas de todas as moções de censura que houve até hoje apenas uma foi
aprovada e fez cair um governo. O PCP voltou a favor dessa moção de censura
apresentada pelo PRD. É normal que as moções de censura possam querer apenas a
censura política feita por um determinado partido àquilo que o Governo está a
fazer, seja na área económica, seja no geral, seja numa área particular como
foi esta sobre o combate aos fogos. Não vê aí legitimidade do CDS ou de outro
partido qualquer para censurar o Governo face àquilo que aconteceu no verão?
Eu
quero sublinhar o respeito absoluto por um direito constitucional que o CDS tem
de exercer esse mesmo direito de apresentação de uma moção de censura, isso é
inquestionável e queria aqui clarificar a nossa posição. Outra coisa é a
interpretação e a caracterização que se faz dos objetivos que estavam
subjacentes a essa mesma moção de censura, porque, como é sabido, quando falo
em ajuste de contas, se a moção tivesse vencimento o Governo caía na Assembleia
da República. Sem recusar qualquer legitimidade do CDS no exercício desse
direito constitucional, creio que o CDS também tinha de ser simultaneamente
responsabilizado em relação àquilo que pretendia, particularmente no quadro da
exploração da dor e do drama de tantos e tantos portugueses que foram tão
flagelados com os incêndios.
Então
que avaliação faz o PCP, e o Jerónimo de Sousa em concreto, do que se passou e
da atuação do Governo em matéria do combate aos fogos durante este verão?
Nós
dissemos na intervenção final, mas eu queria aqui sublinhar, que tivemos um
posicionamento bastante crítico, particularmente tendo em conta que o Governo
subestimou os perigos reais que existiam face às condições climáticas que eram
anunciadas. Uma crítica muito acentuada em particular à desativação que houve
dos meios e dos mecanismos de combate aos fogos em que, como é sabido, os meios
aéreos de 48 passaram para 18.
Isso
em relação ao 15 de outubro.
Exatamente.
A experiência de Pedrógão foi o drama que foi, há ali um período de uns meses
em que as condições climáticas se mantêm e até se agravam, e houve aqui uma
clara subestimação do Governo, particularmente em relação à prevenção. Eu não
sei, não consigo imaginar se o reforço desses meios poderia ter impedido ou não
a dimensão desse fatídico domingo, nunca saberemos, mas, de qualquer forma,
creio que é motivo de crítica pela subestimação que o Governo fez dessas
condições, dos perigos, dos riscos que existiam, apesar de o PCP - antes dos
acontecimentos e logo a seguir aos acontecimentos de Pedrógão -, ter
apresentado uma iniciativa legislativa em que, designadamente, a continuação e
o reforço dos meios nesse período era uma questão fundamental. Essa iniciativa
legislativa não passou na Assembleia da República porque o PS não acompanhou
esse objetivo a que nos propúnhamos.
Segundo
esse ponto de vista a demissão da ministra da Administração Interna pecou por
tardia?
É
evidente que essa é uma decisão que compete ao primeiro-ministro tomar, mas
naquele contexto toda a gente considerou que era uma solução que não tinha
possibilidade de grande continuidade. Eu não quero culpar a senhora individual
ou pessoalmente, é fácil acusar, mas eu estou a falar no plano político e, de
facto, ela não tinha condições para continuar à frente daquele ministério.
A
propósito da reforma da floresta e da proteção civil, o Presidente da República
pediu que a folga orçamental fosse utilizada nesse combate. Entretanto, o
ministro das Finanças já disse que o défice é para cumprir, inclusive, na
entrevista ao Diário de Notícias avisou que fará todas as cativações
necessárias para atingir os objetivos orçamentais definidos. Uma das bandeiras
que o PCP tem para as negociações no Parlamento é o fim do corte de 10% nos
subsídios de desemprego, perante este cenário teme que não seja possível levar
em frente, hastear essa bandeira?
Creio
que é inaceitável colocar de uma forma dicotómica medidas de apoio à floresta e
medidas de reposição de rendimentos e direitos.
Mas
foi isso que de certa maneira fez o Presidente da República na comunicação ao
país.
Continuo
a não querer fazer juízos de valor, mas se foi isso que pretendeu colocar - não
tenho a certeza, mas admitindo que tivesse sido -, o que nós consideramos é que
existem condições para encontrar verbas disponíveis para acudir à floresta sem
prejuízo desses compromissos que estão assumidos no quadro do exame comum da
proposta do Orçamento do Estado. Nós colocamos esta questão: andam à procura de
dinheiro, mas o dinheiro está cá, nós tivemos um excedente de cinco mil milhões
de euros.
Descontando
a dívida...
O
grande drama é esse mesmo. Pôr em contradição a necessidade que temos de
encontrar formas de financiamento para resolver os problemas da floresta, e
naturalmente também das populações, das empresas e das produções atingidas,
sacralizando, pondo como algo de intocável a questão da dívida, volta-se sempre
ao mesmo problema.
O
Governo faz o mesmo, o Governo secunda o Presidente da República e vemos
declarações um pouco contraditórias entre vários membros do Governo, o próprio
primeiro-ministro, o ministro dos Negócios Estrangeiros, o ministro das
Finanças, sobre a necessidade de cumprir este défice ou de poder dar uma folga
ao défice que está estabelecido, mas, no geral, percebemos que o Governo quer
cumprir o défice de 1%. O PCP está disponível para fazer uma negociação no
Parlamento que tenha isso em conta ou se vai pressionar o Governo para haver
mesmo o fim do corte dos 10% no subsídio de desemprego?
Eu
quero ser franco, admito que não seja um leigo em matéria de economia, mas
ainda nenhum economista, nem nenhum governante, nem nenhum comentador me
conseguiu convencer do mal que vem ao mundo se em vez de o défice ser 1%, ser
1,2%, 1,3%, 1,4%... Estamos a falar de que cada décima significa 200 milhões de
euros. Num quadro em que o Governo resolveu ser mais papista que o papa, indo
mais longe do que aquelas que eram as exigências externas...
Quase
que ia indo mais longe do que a troika...
Mais
longe do que os compromissos com a própria União Europeia. Nós colocamos isto
como exemplo e a verdade é que ninguém me explica porque é que não podemos
acrescentar o 0,1, o 0,2, mas porquê? Qual é a razão económica? Qual é a razão
política? Eu perguntei ao senhor primeiro-ministro, num debate quinzenal, se,
por exemplo, o Governo está disposto a salvar a floresta como salvou o Banif,
em termos de dinheiro, em termos da verba que foi colocada. São opções políticas,
naturalmente.
E
que pode ser tentado na União Europeia do mesmo modo, isso não contar para o
défice. É isso que acha que o Governo tem obrigação de fazer também, poder
gastar esse dinheiro sem contar para o défice?
Sim,
eu até poderia referir outros exemplos de alguns países da Europa onde isso
aconteceu e ninguém achou que era um crime de lesa-pátria. Não me coloquem é a
alternativa pensando nessa reposição de rendimentos e direitos que já resultam
de compromissos na discussão da proposta do Orçamento do Estado. Isso é que
seria profundamente injusto, inadmissível e incompreensível.
Já
fizeram as contas em relação a duas propostas que são do PCP, se o aumento da
derrama no IRC compensa o aumento da despesa no subsídio de desemprego e se as
duas podem ser apresentadas ou aprovadas como compensação em matéria
orçamental, sabendo nós que quem está no governo diz sempre a quem faz
propostas que tem de haver uma compensação, onde há mais despesa tem de haver
um corte de despesa ou um aumento de receita?
Em
relação ao acordo sobre o subsídio de desemprego eu acho que nem se pode
invocar a questão da verba. Como é sabido a Segurança Social hoje tem condições
de dar uma resposta a um problema que não é meramente simbólico, o de um
trabalhador que está na situação dramática do desemprego, que tem vindo a
verificar que nos últimos quatro anos, depois do corte, o subsídio foi sempre
reduzido, reduzido, agravado por esse corte de 10%. É importante repor aquilo
que é de inteira justiça num problema tão sensível. Estamos a falar do
desemprego, não estamos a falar de outra coisa.
Nem
sequer é matéria de compensação.
A
Segurança Social tem, como digo, todas as condições para ultrapassar este
problema e repor aquilo que é devido a quem já tem esse drama de ter perdido o
emprego.
Está
confiante que essa medida será aprovada, o que é que lhe dizem nas negociações
com o Partido Socialista e com o Governo?
Não
gosto de avançar coisas que não estão adquiridas ou onde não há compromisso,
melhor dizendo, mas posso dizer aqui que houve, no quadro do exame comum, uma
aceitação e uma disponibilidade por parte do Governo para considerar
positivamente essa proposta durante a fase da discussão de especialidade do
Orçamento do Estado.
Mesmo
sem compensação.
Mesmo
sem compensação.
Uma
sondagem publicada no Jornal de Negócios dá conta de que os aumentos das
pensões e do salário mínimo são vistos como obra do PCP. Imagino que a sondagem
lhe agrade obviamente, porque são duas questões fundamentais que o PCP levantou
ao longo destes últimos anos. Imagino-o satisfeito por existir esta perceção,
mas pergunto-lhe se está preparado para perder na intenção de ter o salário
mínimo nos 600 euro já em 2018, tendo em conta que o Governo já disse que isso
só será atingido no final desta legislatura?
Bom,
separemos as coisas, pois, como é sabido, o salário mínimo nacional não tem a
ver com o Orçamento, tem de haver a posição do Governo e evidentemente a da
concertação social, mas nós consideramos que em relação a isso, com todas as
dúvidas que eu tenho em relação a sondagens ou barómetros, se quiser, sejam
bons ou sejam maus tenho sempre uma reserva mental...
São
apenas um instrumento de análise.
Exato,
geralmente pode-se ver uma tendência, mas admitindo alguma credibilidade a esse
barómetro, tem de se reconhecer o papel construtivo, persistente, fundamentado
do Partido Comunista Português durante o processo de exame comum. Nós, com uma
grande frontalidade e uma grande seriedade não exigimos tudo nem nos colocamos
no posicionamento do tudo ou nada, mas apresentamos as propostas que são
viáveis, possíveis - mesmo com todos estes constrangimentos que nos são
impostos no plano externo, particularmente pela União Europeia -, em relação,
por exemplo, às reformas e às pensões, e isto está ligado ao salário mínimo
nacional, pois com o aumento do salário mínimo nacional a par do crescimento do
emprego que se verificou em Portugal, a Segurança Social melhorou as suas
contas.
Temos
um superavit que não tínhamos antes.
Exatamente.
Quando nós defendemos, por exemplo, o aumento das reformas e das pensões
consideramos que é da mais elementar justiça, porque, durante anos, as reformas
sofreram uma desvalorização impressionante. O Governo anterior argumentava que
as reformas mais pequenas tinham pequenos aumentos, nós lembramo-nos de que na
altura estes eram de um euro ou um euro e meio, mas com as reformas de 400,
500, 600 euros, durante anos foi sempre a perder, foram sistematicamente
desvalorizadas. É, portanto, justa uma inversão nesta matéria. O PS acompanhado
pelo Bloco esteve de acordo com o descongelamento, mas a questão que se
colocava não era só o descongelamento, era a necessidade de um aumento e, por
isso, batalhámos, demonstrámos que era possível, e conseguiu-se, não digo
vencer, mas pelo menos colmatar uma injustiça tremenda.
Mas
a pergunta não é sobre a razão que assiste ao PCP nesta matéria, é sobre o
acordo que existe entre o PS e os partidos à esquerda no Parlamento e se o PCP
ao pedir os 600 euro está preparado para não ter essa vitória porque o que está
estipulado é que esses 600 euro sejam apenas em 2019.
Nós
ainda não baixámos a bandeira. Estamos a falar de 600 euro, muitas vezes temos
de ter o sentido da medida, e nós consideramos que seria muito benéfico,
primeiro para os trabalhadores inevitavelmente, mas também para a própria
Segurança Social com o aumento dos descontos para o regime da SS. É uma batalha
que não é do Orçamento do Estado, mas que não pode ser dissociada dele e, por
isso, vamos manter esta insistência, esta persistência para uma reconsideração,
conhecendo nós as limitações que existem tendo em conta o compromisso do PS
também com o Bloco de Esquerda nesta matéria de um aumento aquém deste valor e
deste objetivo pelo qual lutamos. Quero dizer que vamos persistir porque é de
uma profunda injustiça que se olhe para 25, 30 ou 40 euros como um escândalo
perante quem tem tanta dificuldade em fazer face à vida.
Há
pouco lembrámos a sondagem do Jornal de Negócios onde há uma perceção dos
portugueses de que há coisas que foram conseguidas pela ação do PCP, no entanto
- e lembro-me de na noite das autárquicas, onde a CDU perdeu 10 câmaras e cerca
de 60 000 votos -, poucos dias depois das eleições o senhor acusou o Partido
Socialista e o Bloco de Esquerda de serem também responsáveis por esse mau
resultado no sentido em que hostilizaram as autarquias comunistas. Se pensa
assim, pergunto-lhe se ficaram bem mais difíceis as relações com os parceiros
depois do que aconteceu nas autárquicas?
Procurando
situar-nos nesse passado recente quero lembrar que o Governo, o PS, fez uma
reorientação da sua campanha eleitoral com base na ideia de "Deem mais
força ao PS para que o Governo do PS consiga prosseguir esta linha de melhoria
das condições de vida, de resolver os problemas nacionais", dando aqui uma
natureza e uma dimensão nacionais que até aí não tinham sido dadas. Quanto ao
Bloco, nós naturalmente registámos toda aquela linha, particularmente na margem
sul, de combate às maiorias absolutas e isto tinha um alvo em termos
geográficos, em termos de realidade daquela margem sul procurando
fundamentalmente enfraquecer a CDU. Quero aqui dizer que são fatores a que se
juntam outros, no plano local. Não fizemos tudo bem feito e isso está ainda em
discussão e apreciação nas organizações do partido.
Já
encontraram algum tipo de explicação para aquilo que aconteceu nas autarquias
que o PCP perdeu?
Não
há só um fator. Nós tínhamos a consciência de que em todas as eleições se
perdem ou se ganham câmaras, isso tem sempre acontecido. Depois existem também
estes fatores nacionais; há outros mais subliminares, se se lembram, durante os
três meses antecedentes acentuou-se o preconceito e o anticomunismo por razões
nacionais e internacionais, às vezes até de uma forma inaceitável. Lembro, por
exemplo, que quando foi o conflito na Autoeuropa, a decisão dos trabalhadores
de irem para a greve foi um aqui-del-rei que o PCP queria destruir a Autoeuropa
com o perigo da deslocalização da empresa. Este é um exemplo concreto, não
estou aqui a inventar desculpas, mas isto não invalida a perceção que tínhamos
de que ganhámos câmaras há quatro anos à pele, passe o termo, e desta vez
perdemos à pele, mas nada que não se possa recuperar e com outra ideia
complementar que eu considero fundamental: a CDU continua a ser uma grande
força autárquica, porque teve essas perdas mas continua a ter 24 câmaras, mais
de 6000 eleitos em freguesias e seiscentos e tal vereadores.
O
PCP reconhece que para além de ter razão na política é preciso demonstrá-la ou
seja, comunicá-la, no sentido em que nesta aliança de partidos no Parlamento
que dão sustentabilidade ao Governo do Partido Socialista, o Bloco de Esquerda
demonstrou nestes dois primeiros anos de vida uma grande capacidade de estar a
comunicar aquilo que fazia, enquanto o PCP se contentou em ter razão sem a
demonstrar. Admitem que falta comunicação ao PCP?
Não
falta comunicação, muitas vezes essa comunicação era silenciada.
Não
na TSF nem no Diário de Notícias.
Não,
não. É verdade. Admito que o BE conseguia ser mais expedito, admito isso,
particularmente no contacto com a comunicação social. Nós, em cada compromisso
assumido, em cada passo adiante na reposição de rendimentos e direitos, estamos
sempre a pensar em que alguém vai beneficiar disto e talvez não fossemos tão
expeditos na afirmação clara de que foi resultado de muito e muito trabalho,
muitas noites perdidas, na procura da construção das propostas.
Perante
estes resultados das autárquicas, o PCP tem de mudar de vida, ou seja, tem de
intensificar a luta para estar mais próximo do seu eleitorado?
Se
lerem a nossa declaração aquando do processo de formação da solução política
que foi encontrada para o Governo minoritário do PS, se há um ponto sublinhado
nessa declaração é que a luta não estava dispensada, nunca esteve, nos bons e
nos maus momentos.
Convenhamos
que estes dois últimos anos foram anos em que houve uma mudança a nível de
contestação, nomeadamente nas ruas, das políticas do Governo. Portanto, face a
estes resultados, face à atual situação do país, isso vai ou não vai ser alvo
de uma inversão por parte do Partido Comunista Português?
Não,
mantemos a mesma ideia de valorização da luta, da sua dinamização, do seu
desenvolvimento a partir de reivindicações concretas, de aspirações concretas,
porque há muita coisa para fazer. Nós estamos aqui a falar de avanços, podíamos
falar de outros, mas não falamos dos constrangimentos, das limitações que temos,
tendo em conta problemas estruturais que existem no nosso país, que precisam de
respostas estruturais que não estão a ser dadas devido às amarrações, aos
constrangimentos que nos são impostos e que depois se verificam no
investimento, nas infraestruturas, no défice agroalimentar, no défice
tecnológico, até no défice demográfico, que precisam de respostas estruturais e
que, infelizmente, depois não existe a disponibilidade financeira capaz de
responder a esses mesmos problemas. Nós vivemos nesta contradição em que há
avanços, em que há reposição e rendimentos e direitos, mas os problemas
estruturais persistem.
Estando
os acordos assinados com o PCP, com os Verdes e com o Bloco quase completamente
cumpridos, isso significa que há necessidade e condições para conversar sobre
novas metas ainda para esta legislatura, tendo em conta aquilo que está a
dizer, ou o melhor é navegar à vista porque ainda não está tudo sustentado na
perspetiva do PCP?
Bom,
obviamente que olhando para a posição conjunta podemos dizer que ainda há muito
trabalho para realizar, mas eu diria uma coisa, possivelmente nem será
necessário, a acontecer uma relação de forças na Assembleia da República
correspondente à que hoje existe, que exista uma posição conjunta. Partindo
desta ideia fundamental que está exposta na nossa posição conjunta, que é a de
que o Partido Comunista Português afirmou que iria trabalhar com seriedade para
ver da possibilidade do desenvolvimento desta nova fase da vida política
nacional e da solução política encontrada, mas dissemos também que o primeiro e
principal compromisso do PCP era com os trabalhadores e com o povo. Em muitas
matérias o PCP votou contra propostas, durante aquele processo mais sensível
que foi o processo do Banif em que foi a direita que foi a correr apoiar o
Governo para resolver essa situação, e houve outras iniciativas legislativas
onde o PS votou contra muitas iniciativas do PCP e nós também o fizemos. Ou
seja, a questão desta solução política ser mais ou menos duradoura está muito
ligada a uma boa ou má resposta aos problemas.
O
que me está a dizer é que o PCP não passa cheques em branco, não dá garantias
de que a legislatura seja cumprida e fará, como diz aliás o Presidente da
República na entrevista que deu ao DN no início do verão, uma avaliação a cada
momento das condições para cumprir a legislatura?
Há
questões fundamentais que precisam de uma reposta em relação à sua pergunta.
Por exemplo, não há Orçamentos de Estado previamente aprovados. Imagine por
exemplo uma proposta que faria o arrepio deste caminho, que faria voltar para
trás em relação a esta ideia de progresso, de avanço, embora insuficiente e
limitado, mas que é um caminho, se existisse uma inversão, a questão estava
colocada porque o nosso compromisso com o PS, e isto está na posição conjunta,
é o de examinar a proposta do Orçamento do Estado.
Mas
desde que seja cumprido aquilo que está nos acordos iniciais, a legislatura vai
até ao final?
Bom,
essa é uma pergunta que tem de fazer ao Partido Socialista para saber se ele
está ou não disposto.
Mas
também ao PCP.
Sim,
mas da nossa parte há primeiro uma afirmação de independência, segundo, de
forma frontal e séria nós queremos que este caminho de reposição se mantenha,
que haja progresso e desenvolvimento económico e social no nosso país. De quem
é o Governo? O Governo é do Partido Socialista que terá naturalmente de
responder a esta grande questão que está colocada.
Mas,
de qualquer forma, visto de outra perspetiva, não há nenhuma garantia de que a
legislatura possa chegar ao final dizendo o Jerónimo de Sousa aquilo que acabou
de dizer.
Pois,
mas eu não estou aqui a fazer nenhum juízo de intenção, nem estou aqui com uma
faca no bolso à espera...
Deixe-me
perguntar-lhe de outra maneira, pela positiva: a legislatura é para levar até
ao fim assim queira o Governo do Partido Socialista?
Sim,
em conformidade com a política que realiza.
O
PCP admitiria ou rejeitaria liminarmente a possibilidade de vir a integrar um
futuro Governo liderado pelo PS?
Em
primeiro lugar, nós sempre colocámos uma questão central que é: um Governo com
essas características para fazer o quê? Para fazer que política? Já dissemos
que o país tem problemas e precisa de medidas estruturais e não são encontradas
as respostas a esses défices que existem na sociedade portuguesa. Nós propomos
uma política alternativa, uma política que caracterizamos como patriótica e de
esquerda, que dê resposta a esses problemas de fundo, problemas estruturais que
não se compadecem com medidas avulsas. Naturalmente que se fosse para realizar
essa política que nós defendemos a consideração seria uma, mas...
Se
o programa do Governo incluísse aquilo que é o programa político do PCP - parte
dele, obviamente - num Governo de coligação...
Seria
uma visão, mas não aceitamos visões minimalistas. Qual é o problema? Temos de
dizer com clareza que o Partido Socialista tem dificuldades em romper com esses
constrangimentos, com a dependência de setores do capital monopolista.
Há
a ligação à União Europeia, ao euro.
Sim,
são problemas objetivos, portanto estamos aqui a discutir cenários, mas existem
elementos fundamentais que a não serem alterados, removidos, naturalmente não
temos condições para integrar um Governo.
Quando
ouve falar numa maioria absoluta do PS ou numa maioria PS/Bloco de Esquerda o
que sente é que estão a tentar ver-se livres do PCP?
Bom,
se se fizer uma avaliação mais fina da situação nacional, da situação política,
há uma coisa que se verifica, tanto os setores da direita política como da
direita económica apontam a bateria não tanto ao PS, não tanto ao Bloco, mas a
um problema chamado PCP. Aliás com esta contradição: alguns desses analistas,
desses comentadores, umas vezes falam da morte do PCP e outras vezes dizem que
o PCP manda em tudo; existe aqui uma contradição onde nem uma coisa nem outra
são verdadeiras, mas existe o objetivo claro de acabar com esta solução
política da parte desses setores e não é por raivinha, é porque está a ser
desmontada e derrotada toda aquela tese desses setores que considerava que era
o aumento da exploração e do empobrecimento do povo português que levaria o
país por diante. Hoje está-se a provar, com estes elementos económicos e
sociais, que era errada e brutal essa teoria que massacrou profundamente não só
os trabalhadores, mas classes e camadas muito diversas que foram brutalmente
atingidos por essa política e que, agora arredada, se demonstrou que era
possível outro caminho.
Está-nos
a dizer que esses setores de direita viveriam bem com um Governo Partido
Socialista/Bloco de Esquerda, o que os incomoda é o PCP?
Admito
perfeitamente que isso acontecesse. Admito porque a nossa coerência, o nosso
posicionamento ético, até, se quiserem, de afirmação do nosso projeto, de
afirmação da nossa independência, e a forma coerente, e acrescento, séria como
estamos neste processo leva naturalmente a que existam essas vontades claras de
olhar para o PCP como o principal obstáculo à recuperação desse caminho do
passado.
Para
terminar, lembro-me de o João Oliveira ter dito há muito pouco tempo que há
muito quem tenha vontade de voltar à tese do bloco central. A mudança de líder
no PSD pode gerar uma maior instabilidade nos partidos que sustentam a atual
solução governativa, ou seja, tendo a perspetiva de que o bloco central tem
eventualmente vários defensores?
Eu
não gosto de praticar ingerência em relação à situação interna de qualquer
partido - quero fazer já este registo -, mas naturalmente esta dinâmica do PSD
que está em curso pode querer responder a essa questão de uma certa
recomposição do bloco central, com ou sem o CDS, tendo em conta que o Partido
Socialista poderia ser abraçado pelo PSD. Podíamos depois discutir quem era o
primeiro-ministro ou quem era o vice-primeiro-ministro, mas no plano das opções
políticas de fundo naturalmente o PSD tem grandes proximidades com o PS.
Teme
que essa tese possa ter vencimento também dentro do PS, mesmo liderado por
António Costa?
Estamos
a entrar no terreno da dúvida e da especulação.
O
eleitorado pensa em tudo quando tem de votar...
Mas
aquilo que se verifica no plano concreto é de facto a dificuldade que o Partido
Socialista tem de se demarcar dessas pressões, ingerências, constrangimentos,
em termos de política económica e de política europeia, no entanto, não me
inclino para que neste momento o primeiro-ministro esteja inclinado, até por
razões de interesse próprio, para essa reconstituição do bloco central.
Como
vê as críticas que foram feitas pelo presidente da Câmara de Lisboa ao PCP por
não querer dialogar no sentido de encontrar uma solução para a autarquia
idêntica àquela que existe no Parlamento?
Estar
a misturar coisas que não são misturáveis é complicado. Aquilo que disseram na
Câmara de Lisboa os nossos vereadores eleitos, foi que não teríamos uma posição
de obstáculo, não seríamos uma força destrutiva ou corrosiva, que contassem com
a CDU naquilo que é positivo para a cidade e para os lisboetas e que podiam
confiar nisso. Naturalmente queremos ficar com a independência de não acompanhar
aquilo que consideramos negativo e não tentar transportar mecanicamente aquilo
que nem sequer é uma coligação - existe um conjunto de questões onde houve
convergência e compromissos que não tem de ter expressão em termos formais numa
chamada coligação -, até porque estamos à vontade pois já fizemos uma coligação
com o PS na Câmara de Lisboa. Hoje a conjuntura é diferente, as coisas são
diferentes, contem com o PCP para dar a sua contribuição positiva para Lisboa,
naturalmente não contem com o PCP naquilo que consideramos negativo.
Paulo
Baldaia e Arsénio Reis | Diário de Notícias | Foto: Leonardo Negrão/Global
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