Sai, nos EUA, livro sobre Karl
Polanyi – o pensador que mostrou como a desregulação das economias levaria à
desigualdade brutal e, por fim, ao fascismo
Robert Kuttner | Outras Palavras | Tradução: Mauro Lopes | Imagem: Cena de “Os Deuses
Malditos”, peça teatral adaptada a partir do filme homônimo, de Lucchino
Visconti
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Resenha do livro:
Karl Polanyi: A Life on the Left, de Gareth Dale
Imprensa da Universidade de Columbia, 381 páginas, 27 dólares
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Resenha do livro:
Karl Polanyi: A Life on the Left, de Gareth Dale
Imprensa da Universidade de Columbia, 381 páginas, 27 dólares
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Que era esplendorosa estaríamos
supostamente vivendo, com a única superpotência restante espalhando o
capitalismo e a democracia liberal em todo o mundo. Em vez disso, a democracia
e o capitalismo parecem cada vez mais incompatíveis. O capitalismo global escapou
dos limites de uma economia mista pós-guerra, que reconciliou o
dinamismo com a segurança através da regulamentação do sistema financeiro, do
empoderamento do trabalho, do estado do bem-estar social e de elementos de uma
propriedade pública. A riqueza eliminou a cidadania, produzindo maior
concentração de renda e poder, bem como a perda de fé na democracia. O
resultado é uma economia de extrema desigualdade e instabilidade, organizada
não para muitos, mas para poucos.
Não surpreendentemente, muitos
reagiram. Para decepção daqueles que esperavam na esquerda democrática
disposição para limitar a ação dos mercados, a reação é principalmente dos
populistas de direita. E por “populista” entenda-se a natureza dessa reação
cuja retórica, princípios e práticas nacionalistas tangenciam o neofascismo. Um
aumento do fluxo de migrantes, outra característica da globalização, agravou a
raiva de pessoas atingidas pelas crises econômicas que querem Fazer
a América Grande Novamente (assim como a França, a Noruega, a
Hungria, a Finlândia …) . Isso ocorre não apenas em países fracamente
democráticos como a Polônia e a Turquia, mas nas democracias estabelecidas —
Grã-Bretanha, EUA, França, e mesmo a Escandinávia social-democrata.
Já vivemos esta situação antes.
Durante o período entre as duas guerras mundiais, os liberais do “livre”
mercado que governam a Grã-Bretanha, a França e os EUA tentaram restaurar o
sistema do laissez-faire de antes da Primeira Guerra Mundial.
Ressuscitaram o padrão-ouro e colocaram como prioridade não a
recuparação econômica,mas o pagamento das dívidas de guerra e reparações. Foi
um tempo de “livre” comércio e especulação desenfreada, sem controle sobre
capital privado. O resultado foi uma década de insegurança econômica que
terminou em depressão, enfraquecimento da democracia parlamentar ereação
fascista. Até as eleições alemãs de julho de 1932, quando os nazistas se
tornaram o maior partido no Reichstag, a coalizão governamental anterior a
Hitler estava praticando a austeridade econômica recomendada pelos credores da
Alemanha.
O grande profeta de como as
forças do mercado levaram ao extremo de destruir a democracia e uma economia em
funcionamento não foi Karl Marx, mas Karl Polanyi. Marx esperava que a crise do
capitalismo acabasse numa rebelião global dos trabalhadores que levaria até o
comunismo. Polanyi, com quase um século mais de história para avaliar, indicou
que a maior probabilidade era o advento do fascismo.
Como Polanyi demonstrou em sua
obra-prima, The Great Transformation (A Grande Transformação –
Editora Campus, Rio, 2ª ed, 2000), de 1944, quando os mercados se tornam
“desembarcados” de suas sociedades e criam deslocamentos sociais severos, as
pessoas acabam por se revoltar. Polanyi viu a catástrofe da Primeira Guerra
Mundial, o período entre as guerras, a Grande Depressão, o fascismo e a Segunda
Guerra Mundial, como a culminação lógica das forças do mercado que esmagam a
sociedade. Tratava-se, para ele do “esforço utópico do liberalismo econômico
para criar um sistema de mercado autorregulado” — algo que começou na Inglaterra
do século XIX. Esta foi uma escolha deliberada, ele insistiu, e não a reversão
a um estado econômico natural. A sociedade de mercado, Polanyi demonstrou
insistentemente, só pode existir devido a uma ação deliberada do governo que
define direitos de propriedade, termos de trabalho, comércio e finanças.
“O laissez faire“, escreveu ele enfaticamente, “foi planejado”.
Polanyi acreditava que a única
via política capaz de moderar a influência destrutiva do capital organizado e
sua ideologia do ultra mercado era por meio de movimentos trabalhistas
altamente mobilizados, astutos e sofisticados. Ele concluiu isso não a partir
da teoria econômica marxista, mas de uma observação aguda da experiência mais
bem sucedida de um socialismo municipal na Europa entreguerras: a “Viena
Vermelha” (Red Viena), onde trabalhou como jornalista econômico na década de
1920. Por um tempo no pós-Segunda Guerra Mundial, todo o Ocidente teve uma
forma igualitária de capitalismo construída sobre a força do Estado democrático
e sustentada por fortes movimentos trabalhistas; mas, desde a era de Thatcher e
Reagan, esse poder de contenção foi esmagado, com resultados previsíveis.
Em A Grande Transformação,
Polanyi enfatizou que os imperativos essenciais do liberalismo clássico do
século XIX eram 1) o “livre” comércio, 2) a ideia de que o trabalho devia
“encontrar seu preço no mercado” e 3) a aplicação do padrão-ouro. Os
equivalentes de hoje são estranhamente semelhantes. Temos um impulso cada vez
mais intenso para o comércio desregulado, para destruir os restos do
capitalismo com algum nível de gestão e regulação; e o desmantelamento do que
resta das salvaguardas do mercado de trabalho para aumentar os lucros das
empresas multinacionais. No lugar do padrão-ouro, cuja função do século XIX era
a de forçar as nações a priorizar o “dinheiro seguro” e os interesses dos
detentores de títulos antes do verdadeiro bem-estar econômico, temos políticas
de “austeridade” aplicadas pela Comissão Europeia, pelo Fundo Monetário
Internacional e a chanceler alemã, Angela Merkel, com os bancos centrais
endurecendo o crédito aos primeiros sinais de inflação.
Esta trindade obscena de
políticas econômicas que Polanyi identificou não está funcionando mais agora do
que na década de 1920. São fracassos retumbantes , na economia, na política
social e na política. A análise histórica de Polanyi, em ambos os escritos
anteriores e em The Great Transformation, foi confirmada três vezes,
primeiro pelos eventos que culminaram na Segunda Guerra Mundial, depois pela
contenção temporária do laissez-faire com a prosperidade democrática
durante o boom do pós-guerra e agora novamente pela restauração do liberalismo
econômico primário e a reação neofascista a ele.
A biografia intelectual escrita
por Gareth Dale, Karl Polanyi: A Life on the Left [Karl Polanyi: Uma vida
à Esquerda — Columbia University Press, 2013], fez um fino trabalho de
mergulhar no homem, seu trabalho e a configuração política e intelectual em que
ele se desenvolveu. Esta não é a primeira biografia de Polanyi, mas é a mais
abrangente. Dale, cientista político que ensina na Brunel University em
Londres, também escreveu um livro anterior, Karl Polanyi: The Limits of
the Market (2010), sobre seu pensamento econômico.
Polanyi nasceu em 1886 em Viena,
em uma ilustre família judaica. Seu pai, Mihály Pollacsek, emigrou da região
dos Cárpatos do Império
Habsburgo e formou-se engenheiro na Suíça. Ele era empregado do
vigoroso sistema ferroviário do império. No final da década de 1880, Mihály
mudou a família para Budapeste, de acordo com o Arquivo Polanyi. Embora tenha
mantido seu sobrenome, ele adaptou o dos filhos para ao magiar (húngaro) Polanyi em
1904 — o mesmo ano em que Karl iniciou estudos na Universidade de Budapeste. A
mãe de Karl, Cecile, a filha bem educada de um rabino de Vilna (Lituânia), era
uma feminista pioneira. Ela fundou um colégio de mulheres em 1912, escreveu
para periódicos de língua alemã em Budapeste e Berlim e presidiu um dos salões
literários de Budapeste.
Em casa, o alemão e o húngaro
eram falados (juntamente com o francês “à mesa”); e o inglês foi aprendido,
conta Dale. As cinco crianças Polanyi também estudaram grego e latim. No quarto
de século antes da Primeira Guerra Mundial, Budapeste era um oásis de
tolerância liberal. Tal como em Viena, Berlim e Praga, uma grande proporção da
elite profissional e cultural era de judeus assimilados. Em meados da década de
1890, Dale observa: “a fé judaica recebeu os mesmos privilégios que as
denominações cristãs, e os representantes judeus receberam assentos na câmara
alta do parlamento”.
Com base em entrevistas,
correspondências e textos publicados, Dale evoca a era vividamente. O círculo
de Polanyi em Budapeste, conhecido como A Grande Geração, incluiu
ativistas e teóricos sociais, como seu mentor, Oscar
Jaszi; Karl Mannheim; o marxista Georg
Lukács; o irmão mais novo de Karl e seu sparring ideológico, o
libertário Michael Polanyi; os físicos Leo Szilard e Edward Teller; o matemático John von Neumann; e
os compositores Béla Bartók e Zoltán
Kodály, entre muitos outros. Foi nesta estufa que Polanyi
desenvolveu-se, frequentando o ginásio Minta, um dos melhores da cidade e a
seguir a Universidade de Budapeste. Ele foi expulso em 1907, depois de uma
confusão em que antissemitas interromperam uma palestra de um professor
esquerdista popular, Gyula Pikler. Terminou sua graduação em Direito em 1908 na
Universidade Provincial de Kolozsvár (hoje Cluj, na Romênia). Lá, foi um dos
fundadores do jornal de esquerda humanista Círculo Galilei e depois
integrou o conselho editorial do periódico.
Polanyi tornou-se um dos
principais membros do partido político de Jaszi, o Radical, e foi nomeado
seu secretário-geral em 1918. Ele foi atraído pelo socialismo cristão de Robert Owen e Richard
Tawney e o socialismo comunitário de G.D.H. Cole.
Ele contemplou uma fusão do marxismo e do cristianismo. Polanyi talvez seja
melhor classificado como um social-democrata de esquerda — um cético, ao longo
da vida, com a possibilidade de uma sociedade capitalista tolerar um sistema
econômico híbrido.
Quando a Primeira Guerra Mundial
eclodiu, Polanyi alistou-se como oficial de cavalaria. Quando voltou para
casa no final de 1917, sofrendo de desnutrição, depressão e tifo, Budapeste
estava num conflito caótico entre a esquerda e a direita. Em 1918, o governo
húngaro firmou uma paz separada com os Aliados, rompendo com Viena e imaginando
criar uma república liberal. Os acontecimentos nas ruas ultrapassaram a disputa
parlamentar e o líder comunista Béla Kunproclamou
o que acabou por ser uma República soviética húngara de curta duração.
Polanyi partiu para Viena, tanto
para recuperar a saúde como para sair da linha de frente política. Lá,
encontrou sua vocação como jornalista de economia de alto nível e o amor de sua
vida, Ilona Duczynska, uma polonesa radical de esquerda. Sua
filha, Kari, nascida em 1923, recorda, como um pré-adolescente, que fazia
um clipping recortando artigos de jornais em três línguas diferentes
para o seu pai. Com 94 anos, ela continua a co-dirigir o Arquivo Polanyi em
Montreal.
Polanyi foi contratado em 1924
para escrever sobre política internacional naquele que pode ser considerado o
equivalente da Europa Central ao The Economist, o semanário Österreichische
Volkswirt. Ele continuou sua busca por um socialismo viável, envolvendo-se
com outros intelectuais de esquerda e polemizando com a direita, especialmente
com os argumentos do teórico do livre mercado, Ludwig von Mises. Nos debates, publicados em detalhes,
Polanyi mostrava como uma economia socialista poderia ser capaz de praticar
preços eficientes. Mises insistia que não era. Polanyi argumentava que uma
forma descentralizada de socialismo liderada pelos trabalhadores poderia
praticar preços com uma boa precisão. Com o tempo ele concluiu, diz Dale, que
estes argumentos técnicos abstrusos haviam sido um desperdício de seu tempo.[1]
Uma resposta prática ao debate
com Mises estava se desenrolando ao vivo na Viena Vermelha. Trabalhadores
mobilizados mantiveram um governo socialista municipal no poder por quase 16
anos depois da I Guerra Mundial. O governo fornecia gás, água e eletricidade, e
construía casas e prédios para os trabalhadores, financiando-se por impostos
pagos pelos ricos — incluindo um imposto para os funcionários públicos. Havia
subsídios familiares para pais e seguro desemprego municipal para os
sindicatos. Nada disso prejudicou a eficiência da economia privada na Áustria,
que era ameaçada pelas políticas infelizes de “austeridade” econômica
criticadas por Polanyi. Depois de 1927, o desemprego aumentou implacavelmente e
os salários diminuíram, o que ajudou a levar ao poder em 1932-1933 um governo
austrofascista.
Para Polanyi, a Viena Vermelha
foi tão importante por sua política quanto por sua economia. A política
perversa da Inglaterra de Dickens refletiu a fraqueza política de sua classe
trabalhadora, enquanto a Viena Vermelha era um emblema da força de sua classe
trabalhadora. “Enquanto [a reforma das leis sociais dos ingleses] causou um
verdadeiro desastre para as pessoas comuns”, escreveu ele, “Viena alcançou um
dos triunfos mais espetaculares da história ocidental”. Mas, como Polanyi
ponderou, uma ilha de socialismo municipal não poderia sobreviver à maior
turbulência do mercado e ao fascismo crescente.
Em 1933, com os fascistas
assumindo o governo, Polanyi deixou Viena e foi para Londres. Lá, com a ajuda
de Cole e Tawney, ele encontrou trabalho em um programa de extensão patrocinado
pela Universidade de Oxford, conhecido como Associação Educacional dos
Trabalhadores. Ele ensinou, entre outros temas, a história industrial inglesa.
Sua pesquisa original para essas palestras formou os primeiros rascunhos
de A Grande Transformação.
Seu mentor, Oscar Jaszi, também
estava agora no exílio e ensinava em Oberlin. Para complementar o seu reduzido
pagamento como adjunto, Polanyi conseguiu se contratado para conferências em
faculdades nos Estados Unidos. Ele encontrou a América de Roosevelt um
contraponto esperançoso à Europa. Depois que a guerra explodiu, uma dessas
viagens de conferência evoluiu para uma nomeação por três anos no Bennington
College, onde completou seu livro.
O timing para a publicação de A
Grande Transformação foi auspicioso. O ano de 1944 testemunhou o Acordo
de Bretton Woods, o apelo de Roosevelt por uma Declaração de Direitos
Econômicos e o plano épico de Lord Beverage, Pleno Emprego numa Sociedade
Livre. O que estas iniciativas tinham em comum com o trabalho de Polanyi era a
convicção de que um mercado excessivamente livre nunca mais deveria levar à
miséria humana, que termina no fascismo.
No entanto, o livro de Polanyi
foi inicialmente recebido com um silêncio retumbante. Isto, penso eu, foi o
resultado de dois fatores.
Primeiro, Polanyi não pertencia a
nenhuma disciplina acadêmica e era essencialmente um autodidata. Dale escreve
que quando finalmente lhe foi oferecido um trabalho como professor de História
Econômica em Columbia, em 1947, “os sociólogos viram-no como um economista,
enquanto os economistas pensavam o contrário”. Os meados do século XX, nos
Estados Unidos, foram um período em que a economia política, o arcabouço
institucional, a história do pensamento econômico e a história econômica
entraram em um período de eclipse, em favor de uma visão formalista. E o
pensamento de Polanyi não era uma hipótese que poderia ser testada.
Segundo e mais importante, os
adversários ideológicos de Polanyi gozavam de prestígio e eram promovidos,
enquanto ele contava apenas o poder de suas ideias. Mises, como Polanyi, não
tinha credenciais acadêmicas. Mas ele conduziu um influente seminário privado a
partir de seu cargo como secretário da Câmara de Comércio da Áustria. O
seminário desenvolveu a escola de economia ultraliberal austríaca. O primeiro
aluno de Mises foi Friedrich Hayek. Como teórico do laissez-faire financiado
por empresários, Mises antecipou a Fundação Heritage em meio século.
Hayek afirmou em The Road to
Serfdom [O Caminho da Servidão, livro que lhe deu o Nobel de Economia em
1974] que os esforços bem-intencionados do Estado para controlar os mercados
acabariam em despotismo. Mas não há nenhum caso de social-democracia que tenha
derivado em ditadura. A história deu razão a Polanyi, demonstrando que um
mercado livre sem regras é que leva a uma ruptura com a democracia. Hayek
acabou com uma cadeira na London School of Economics, que foi fundada originalmente
pelos socialistas fabianos; a “Escola austríaca” foi reconhecida
como uma escola de economia ultraliberal; e Hayek depois ganhou o Prêmio Nobel
de Economia. O Caminho da Servidão, também publicado em 1944, foi um
best-seller, publicado em capítulos no Reader’s Digest. A Grande
Transformaçãode Polanyi vendeu apenas 1.701 cópias em 1944 e 1945.
Quando A Grande
Transformação apareceu em 1944, a resenha no The New York Times foi
seca. O resenhista, John Chamberlain, escreveu: “Este ensaio maravilhosamente
escrito reavalia 150 anos de história e apresenta um sutil apelo por um novo
feudalismo, uma nova escravidão, um novo status econômico que vai amarrar os
homens aos seus lugares de residência e seus empregos”. Não à toa, esta opinião
soa como Hayek: o mesmo Chamberlain acabara de escrever o prefácio efusivo
para O Caminho da Servidão. É o que se poder chamar de economia política
de influência.
No entanto, o livro de Polanyi recusou-se
a desaparecer. Em 1982, seus conceitos foram a peça central de um impactante
artigo do estudioso de relações internacionais John Gerard
Ruggie, que denominou a ordem econômica do pós-guerra de 1944 de
“liberalismo incorporado”. O sistema de Bretton Woods, escreveu Ruggie,
reconciliou o estado com o mercado por “re-incorporar” o liberalismo econômico
na sociedade por meio de políticas democráticas”[2]. O sociólogo dinamarquês Gøsta
Esping-Andersen, importante historiador da social-democracia, usou o
conceito polanyiano de ” desmercantilização” em um livro
importante, The Three Worlds of Welfare Capitalism [Os três mundos do
capitalismo do bem-estar social -1990], para descrever como os
social-democratas continham e complementavam o mercado.[3]
Outros estudiosos que valorizaram
as ideias de Polanyi foram os historiadores políticos Ira
Katznelson, Jacob Hacker e Richard
Valelly, o falecido sociólogo Daniel Bell,
e os economistas Joseph Stiglitz, Dani Rodrik e Herman Daly.
Por outro lado há pensadores que parecem essencialmente polanyianos em
sua preocupação com os mercados que invadem os reinos não mercadológicos,
como Michael
Walzer, John Kenneth Galbraith, Albert
Hirschman e a premiada com o Prêmio Nobel Elinor
Ostrom. Este é o preço que se paga por ser, na auto-descrição de Hirschman,
um intruso.
Exilado três vezes — de Budapeste
para Viena, de Viena para Londres, e mais tarde para Nova York — Polanyi teve
que se mudar mais uma vez quando as autoridades dos EUA não concederam a sua
mulher Ilona um visto, alegando que ela havia sido do Partido Comunista na
década de 1920. Eles mudaram-se para um subúrbio de Toronto, de onde
Polanyi foi para Columbia, até sua aposentadoria em meados da década de 1950.
Embora seus entusiastas tendam a
se concentrar apenas em A Grande Transformação, o livro de Dale é precioso
para a avaliação sobre Polanyi depois de 1944. Ele viveu por mais 20 anos,
trabalhando no que era conhecido como sistemas econômicos primitivos, o
que lhe deu mais bases para demonstrar que o mercado livre não é uma condição
natural, e que os mercados de fato não têm que predominar sobre o resto da
sociedade. Ao contrário, muitas culturas ancestrais misturaram as formas de
intercâmbio de mercado com relação econômicas e comerciais não mercadológicas.
Ele estudou o tráfico de escravos do Daomé e a economia de Atenas na
Antiguidade, os quais “demonstraram que elementos de redistribuição,
reciprocidade e troca poderiam ser efetivamente fundidos em ‘um todo orgânico’
“. Dale escreve: “Para Polanyi, a Atenas democrática foi na verdade uma
precursora, na Antiguidade, da Viena vermelha”. Atenas, é claro, estava
longe de ser socialista, mas naquela economia pré-capitalista estavam mescladas
formas de geração de renda mercadológicas e não mercadológicas.
Dale também aborda os pontos de
vista de Polanyi sobre a escalada da Guerra Fria e sobre a economia mista do
pós-guerra, que muitos agora veem como uma era dourada. Os Trinta
Gloriosos [assim são conhecidos os 30 anos de forte crescimento na
economia do pós-guerra, de 1946 a 1975] que combinavam o capitalismo igualitário
e a democracia restaurada, foram sentidos por Polanyi como uma afirmação.
Mas ele, tendo vivido duas guerras, a destruição da Viena socialista, a perda
de familiares durante o nazismo, quatro exílios e longas separações de Ilona, não
foi tão facilmente convencido. Enquanto admirava Roosevelt, ele
considerava o governo trabalhista britânico de 1945 como um exemplo acabado de
estado de bem-estar num sistema ainda capitalista.
Meio século depois, essa
preocupação mostrou-se acertada. Outros viram o sistema de Bretton Woods como
uma maneira elegante de reiniciar o comércio, criando condições para cada
nação-membro administrar suas economias de pleno emprego; mas Polanyi
considerou o sistema como uma extensão da influência do capital. Isso também pode
ter sido profético. Na década de 1980, o FMI e o Banco Mundial foram
transformados em defensores da austeridade, o oposto do que fora planejado por
seu arquiteto, John Maynard Keynes. Ele culpou, pela Guerra Fria,
principalmente a ação dos Aliados. Louvou a visão de Henry
Wallace [vice-presidente dos EUA sob Roosevelt], de que o Ocidente
poderia ter conseguido uma acomodação com Stalin.
Dale não poupou críticas a
Polanyi sobre o que chamou de seu ponto cego em relação à União
Soviética. Em vários momentos das décadas de 1920 e 1930, ele observa, Polanyi
deu sua aprovação a Stalin, mesmo culpando o pacto
Molotov-Ribbentrop de 1940 pelo o anti-sovietismo da Casa Branca. Ele
estava muito otimista quanto às intenções dos soviéticos no período imediato do
pós-guerra. Como membro do Conselho de Emigrados Húngaros em Londres, ele
discutiu com os outros líderes se o Exército Vermelho deveria ser entendido
como um precursor do socialismo democrático. A libertação soviética da
Europa Oriental, insistiu Polanyi, traria “uma forma de governo representativo
baseado em partidos políticos”.
Comprovado o erro de sua tese,
Polanyi aplaudiu a abortada revolução húngara de 1956. Mesmo depois de a rebelião ter
sido esmagada por tanques soviéticos, ele encontrou razões para a esperança
no comunismo
goulash ligeiramente reformista que se seguiu. Isso era ingênuo, mas
não totalmente equivocado. Embora Polanyi não fosse marxista, havia uma
abertura suficiente na Hungria a ponto de em 1963, um ano antes de sua morte e
bem antes da queda Muro de Berlim, ele ter sido convidado para conferências na
Universidade de Budapeste, sua primeira visita a seu país em quatro décadas.
No centenário de nascimento de
Polanyi, em 1986, Kari Polanyi-Levittorganizou um simpósio em homenagem
a seu pai em Budapeste. O volume da conferência é um excelente companheiro à
biografia de Dale[4]. Os 25 artigos curtos são escritos por
uma mistura de escritores com base no Ocidente e vários que moravam no que
ainda era a Hungria comunista — onde Polanyi era amplamente lido. A escrita é
surpreendentemente exploratória e não dogmática. Mesmo assim, quando chegou sua
vez da falar, Polanyi-Levitt pediu: “Se me for permitido mais um pedido à
Academia Húngara das Ciências … este é que A Grande Transformação seja
disponibilizada aos leitores húngaros em língua húngara”. Isso foi finalmente
feito em 1990. Como muitos no Ocidente, o regime comunista em Budapeste não
tinha certeza do que fazer com Polanyi.
Hoje, depois de um interlúdio
democrático, a Hungria é um centro da autocracia ultra-nacionalista. Políticas
equivocadas de licenciosidade financeira têm desempenhado sei papel habitual.
Após o colapso financeiro de 2008, o desemprego húngaro aumentou constantemente,
de menos de 8% antes do crash até quase 12% até o início de 2010. Na
eleição de 2010, o Fidesz – Magyar Polgári Szövetség (União Cívica
Húngara), de extrema direita, varreu o governo de esquerda, ganhando mais do
que 2/3 dos assentos parlamentares, o que possibilitou a “democracia de
controle” do primeiro-ministro Viktor
Orbán. Foi mais um eco, de que Polanyi não precisava.
O que, afinal, devemos fazer com
Karl Polanyi? E que lições ele pode oferecer para o momento presente? Como até
mesmo os seus admiradores admitem, algumas de suas observações eram falhas.
Alguns de seus seguidores, Fred Block e Margaret
Somers, ressaltam que sua narrativa da Grã-Bretanha do final do século
XVIII exagera na abrangência da proteção legal aos mais pobres. Seu
famoso estudosobre a Lei dos Pobres ou Lei
Speenhamland, de 1795, cuja assistência pública protegeu os pobres das
primeiras perturbações do capitalismo, exagerou na avaliação de sua aplicação
na Inglaterra como um todo. No entanto, seu relato da reforma liberal
da Lei dos Pobres na década de 1830 foi perfeito. A intenção e efeito
foram expulsar as pessoas da rede de apoio e forçar os trabalhadores a
aceitarem empregos por salários mais baixos.
Pode-se também argumentar que o
fracasso da democracia liberal em conquistar a Europa Central no século XIX, o
que abriu o caminho para o nacionalismo de direita, teve causas mais complexas
do que a disseminação do liberalismo econômico. No entanto, Polanyi estava
certo ao observar que foi a tentativa fracassada de universalizar o liberalismo
de mercado após a Primeira Guerra Mundial que deixou as democracias fracas,
divididas e incapazes de resistir ao fascismo, até o início da guerra. Neville
Chamberlain é mais lembrado por sua capitulação para Hitler em Munique
em 1938. Mas, no fosso da Grande Depressão, em abril de 1933, quando Hitler
estava consolidando o poder em Berlim e Chamberlain era o chanceler conservador
do Tesouro em Londres, ele afirmou : “Estamos livres desse medo que nos assola,
o medo de que as coisas vão piorar. Nós devemos nossa liberdade ao fato de
termos equilibrado nosso orçamento”. Tal foi a sabedoria convencional perversa,
então e agora.
Um artigo recente de três
cientistas políticos dinamarqueses no Journal of Democracy questiona
se é razoável atribuir o surgimento do fascismo nas décadas de 1920 e 1930 às
políticas liberais do laissez-faire e ao colapso econômico.[5] Eles relatam que as democracias bem
estabelecidas do noroeste da Europa e das antigas colônias britânicas do
Canadá, dos EUA, da Austrália e da Nova Zelândia “foram virtualmente imunes às
crises persistentes do período entreguerras”, enquanto as democracias mais
novas e mais frágeis da Europa do Sul, Central e Oriental sucumbiram. Na verdade,
os fascistas assumiram brevemente o poder no noroeste da Europa apenas por
invasão e ocupação. No entanto, essa observação faz de Polanyi uma voz ainda
mais profética e ameaçadora sobre o nosso tempo. Hoje, em grande parte da
Europa, os partidos de extrema direita são agora a segunda ou terceira maior
força.
Em suma, Polanyi pode ter errado
aqui e ali, mas conseguiu acertar no grande cenário. A democracia não pode
sobreviver com um mercado excessivamente livre; e conter o mercado é tarefa da
política. Ignorar isso é cortejar o fascismo. Polanyi escreveu que o fascismo
resolveu o problema do mercado desenfreado destruindo a democracia.
Mas, ao contrário dos fascistas
do período entreguerras, os líderes de extrema direita de hoje não se ocupam de
conter as turbulências no mercado ou proporcionar empregos dignos através de
obras públicas. O Brexit, um espasmo de raiva dos despossuídos, não fará nada
positivo para a classe trabalhadora britânica; e o programa de Donald Trump é
uma mescla de retórica nacionalista e uma aliança ainda mais profunda do
governo com o capitalismo predatório. O descontentamento ainda pode ir para
outro lugar. Assumindo o valor da democracia, pode haver uma mobilização
combativa no espírito do socialismo viável de Polanyi. O pessimista Polanyi
diria que o capitalismo ganhou e a democracia perdeu. O otimista nele
procuraria uma renovação da política popular.
Notas:
[1] Tratei do conflito Mises-Hayek-Polanyi
em Karl Polanyi Explains It All, no The American Prospect,
maio-jun 2014
[2] John Gerard Ruggie, International
Regimes, Transactions, and Change: Embedded Liberalism in the Postwar Economic
Order, International Organization, Vol. 36, No. 2 (Spring 1982).
[3] Gøsta Esping-Andersen,The Three Worlds
of Welfare Capitalism (Polity, 1990).
[4] The Life and Work of Karl Polanyi: A
Celebration, edited by Kari Polanyi-Levitt (Montreal: Black Rose, 1990).
[5] Agnes Cornell, Jørgen Møller,
Svend-Erik Skaaning, The Real Lessons of the Interwar Years, Journal
of Democracy, Vol. 28, No. 3 (July 2017).
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