Miguel Guedes* | Jornal de
Notícias | opinião
A contenção do surto de emigração
que sangrou o país durante os anos de governo de Passos Coelho muito deve a uma
desgraça que - por felicidade - não cumpriu o seu destino. Portugal conseguiu
evitar, à custa da inaptidão de António José Seguro e da teimosia de Passos
Coelho, que fôssemos forçados a emigrar para, enquanto portugueses,
sobrevivermos a um país que convivesse, em simultâneo, com Cavaco Silva como
presidente e com Rui Rio como primeiro-ministro. A convivência siamesa numa
casa portuguesa não fez rima. Agora, vivemos no lugar dos afectos e nada se
compara ou (con)gemina.
Essa aterradora marca geracional,
em tempos condenada a abater-se sobre o país pela coexistência de almas
cinza-geminadas nos mais altos cargos de responsabilidade da nação, perdeu-se
no prazo de validade política de Cavaco e na geometria eleitoral de Rui Rio
que, a regra e esquadro, foi traçando as suas janelas de oportunidade.
Fechando-as em copas, Rio diminuiu o trânsito nas fronteiras. Infelizmente, foi
apenas uma prova de abstinência. Daí a que o PSD se centrasse no essencial
ainda iria uma grande distância, feito não alcançável pela amostragem de
identidade comum ou passaporte. Dentro das suas fronteiras, o melhor que o PSD
conseguiu apresentar à sucessão de Passos Coelho foi Santana Lopes ou Rui Rio.
E isso é revelador.
O momento de vida no PSD esteve
bem patente no debate entre os candidatos à liderança. É perturbador como nem
Santana nem Rio conseguiram erguer uma só ideia diferenciadora, uma percepção
de oposição construtiva ou visão alternativa de governo. Falaram para dentro do
partido e projectaram a sua própria imagem. Santana Lopes, reflexo da
apropriação do partido pelo liberalismo e pelo arco de poder interno que - se
contenção houvesse - não lhe permitiria soletrar PPD sem corar de vergonha. Rui
Rio, acto diferido de si mesmo, limitado aos seus limites, projecção exacta de
alguém que dispensaria o debate, suspenderia o jornalismo e faria o poder por
si próprio. Um, o que vai a jogo sempre que pode, acusado de querer fazer um
partido contra o PSD; outro, que nunca quis ir a jogo e que até parece fazer
parte de um partido à parte. Ideias para o país, zero. Se o PSD se esgota
internamente neste tipo de debate, imagine-se o que terá para entregar a
Portugal.
As linhas vermelhas mudaram de
cor e são pisadas a laranja. Novas fronteiras. Defender que Santana Lopes
ganhou o debate a Rui Rio é o mesmo que dizer que Donald Trump ganhou os
debates a Hillary Clinton enquanto lhe fazia bullying e distribuía sevícias.
Não, Santana perdeu este debate e expôs crua e publicamente o "seu"
PSD. Dizia-se de Trump que seria presidente nem que para isso tivesse de
destruir o Partido Republicano. Se melhor não conseguir, eis uma boa tarefa
para Rui Rio que a social-democracia agradeceria.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
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