Dioxinas, glifosato, ácido
acético, naftaleno, chumbo e outros produtos químicos e metais pesados excedem
os limites máximos permitidos pela legislação dos EUA na água para beber. Força
Aérea Portuguesa enviou 84 emails aos militares e civis portugueses em oito
meses a avisar alternadamente que a água estava boa ou imprópria para consumo
Análises à água para consumo
humano captada nos aquíferos na zona da Base das Lajes, no concelho da Praia da
Vitória, ilha Terceira (Açores), revelam excesso de dioxinas, amónia, ácido
fosfónico, cobre, ácido acético, chumbo, naftaleno (um hidrocarboneto),
trialometano, bem como dos herbicidas glifosato, diquat e endotal, e dos
pesticidas hidroxicarbofurano e metiocarbe. A revelação é feita numa lista
publicada no relatório das autoridades americanas da base intitulado "Drinking Water Quality Report 2015", a que o
Expresso teve acesso.
As diferenças em relação aos
valores máximos de miligramas por litro permitidos pela legislação dos EUA são
mais acentuadas no caso das dioxinas (260 mil vezes mais), diquat (100 vezes
mais), glifosato e endotal (50 vezes), trialometano (40 vezes) e metiocarbe (30
vezes). Fontes ligadas à Base das Lajes contam que desde há vários anos os
militares americanos e os trabalhadores civis são aconselhados verbalmente a
beber apenas água engarrafada. E que os militares e trabalhadores civis da
Força Aérea Portuguesa (FAP) receberam 84 emails internos entre 11 de julho de
2017 e 14 de março de 2018 a avisarem alternadamente que a água da torneira estava
boa ou imprópria para consumo, sem explicarem as razões para essas mudanças
súbitas na sua qualidade.
O primeiro email conhecido, de 11
julho de 2017, dizia o seguinte: "Informa-se que o último relatório das
verificações efetuadas à qualidade da água da Unidade, apresenta parâmetros em
inconformidade com as normas legais, pelo que se constata que a água se
encontra imprópria para consumo humano. No sentido de salvaguardar a saúde
pública e até futuro aviso, recomenda-se que antes de consumida a água seja
desinfetada ou fervida". E só a 14 de março de 2018, a FAP informou que “a
situação da qualidade da água para consumo humano se encontra normalizada em
todos os locais da Unidade”.
CINCO PROPOSTAS EM DEBATE NO
PARLAMENTO
As revelações deste relatório
americano surgem na véspera da discussão, na Assembleia da República (AR), de
propostas apresentadas pelo PS, PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda e Os Verdes para
resolver o problema da contaminação dos solos do concelho da Praia da Vitória
por hidrocarbonetos e metais pesados provenientes da atividade da Base das
Lajes. Entretanto, o Governo Regional dos Açores enviou ao Parlamento pareceres
sobre estas propostas, que vão ser debatidas em plenário amanhã, sexta-feira.
O Governo Regional, presidido
pelo socialista Vasco Cordeiro, defende nos pareceres que "só uma ação
global sobre a totalidade dos locais identificados como contaminados ou
potencialmente contaminados permitirá resolver, satisfatoriamente, a matéria da
descontaminação da ilha Terceira, assente num plano de ações concretas e
calendarizáveis a desenvolver pelos EUA, que possam ser comunicadas claramente
às populações". Essas ações devem ter por critério "não apenas as
questões de segurança e saúde pública, mas também as questões da proteção e
qualidade ambiental, independentemente do uso atual ou futuro dos locais em
causa".
Esta ressalva é uma crítica às
recomendações feitas ao Governo pelo último estudo do Laboratório Nacional de
Engenharia Civil (LNEC), encomendado pelo Ministério da Defesa Nacional e
divulgado pelo Expresso na edição de 10 de março, onde o LNEC admite que não seja
necessário descontaminar todos os terrenos que hoje não têm utilização. O
Governo Regional dos Açores defende ainda que as responsabilidades financeiras
das ações de descontaminação "cabem em primeira instância ao poluidor - os
EUA - cabendo, em consequência, ao Estado português garantir não apenas a
execução das mesmas mas o custeio respetivo".
PS QUER DESCONTAMINAÇÃO TOTAL
Desenvolver “medidas que garantam
que todos os locais contaminados na ilha Terceira e todos os que venham a ser
identificados com tal sejam objeto de intervenções que assegurem a total
descontaminação”, é o que defende o Projeto de Resolução que vai ser
apresentado amanhã na AR pelo grupo parlamentar do PS. Assinado pelos três
deputados açorianos, Carlos César (líder do grupo parlamentar), Lara Martinho e
João Castro, a proposta recomenda que “as medidas encetadas pelo Governo sejam
visíveis nos locais comprovadamente contaminados (atuais ou futuros). E ainda
que "a informação sobre este processo obedeça aos critérios da
transparência e da publicidade”, sendo estipulado "um calendário exigente,
mas realizável".
O Governo “não conseguiu mais
verba do Governo dos EUA nem conseguiu apresentar um plano para a
descontaminação dos solos e aquíferos da Praia da Vitória”, critica o PSD no
Projeto de Resolução que vai também apresentar na sexta-feira no Parlamento. Os
sociais-democratas recomendam que o Governo "cumpra, este ano, o Plano de
Revitalização Económica
da Ilha Terceira
(PREIT) e se promova uma efetiva descontaminação dos solos e aquíferos do
concelho da Praia da Vitória". E defendem que o executivo
"disponibilize à Assembleia da República todos os documentos relacionados
com a contaminação". O PREIT, lançado em 2015, destina-se a compensar a
queda de 10% do PIB da Terceira que aconteceu depois de os EUA terem comunicado
a Portugal, em 2012, a intenção de reduzir significativamente a presença
militar e civil na Base das Lajes.
O Bloco de Esquerda (BE)
recomenda ao Governo, no seu Projeto de Resolução, que se proceda à
"identificação da contaminação conhecida e potencial do aquífero basal,
com origem nos antigos tanques de combustível do Pico Celeiro, Cabrito,
Fontinhas, Área #5, Main Gate, South Tank Farm e condutas abandonadas". E
propõe "a remoção dos solos contaminados com chumbo" resultante dos
tanques de combustível do Pico Celeiro, no interior da ilha Terceira, bem como
"a realização de malhas de sondagem, descontaminação dos solos e
inativação da captação de água a jusante e tratamento por nano-filtragem e
osmose inversa".
Lara Martinho, deputada açoriana
do PS, afirma ao Expresso que "há um alarmismo sobre a contaminação dos
solos da Terceira que consideramos injustificado, provocado por afirmações dos
partidos da oposição e por um conjunto de notícias que têm saído nos meios de
informação", acrescentando que "todos os estudos dizem que não há
risco para a saúde da população". Mas o BE defende no seu Projeto de
Resolução "o estudo do impacte na saúde pública e o desenvolvimento de
estratégias adequadas, com a adoção de medidas de proteção individuais e
coletivas das populações", acompanhado pelo Instituto Ricardo Jorge.
Virgílio Azevedo | Expresso
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