A polícia timorense deteve nos
últimos dias várias pessoas por alegados insultos e ameaças no Facebook,
reacendendo o debate sobre o papel que a rede social está a ter na vida social
e política de Timor-Leste, especialmente na fase pré-eleitoral.
Responsáveis políticos e da
sociedade civil timorense, ouvidos pela Lusa, manifestam preocupação pela
situação, que é agravada pela fragilidade dos media tradicionais e por lacunas
na lei, especialmente no que toca a aspetos como difamação.
Somam-se questões sobre direito à
privacidade, presunção de inocência, violação de segredo de justiça e ética e
deontologia jornalística.
Com quase um terço da população
do país a ser utilizador do Facebook, segundo dados da organização Timor
Social, a rede social é, para muitos, a única fonte de informação.
E se nas eleições presidenciais e
legislativas de 2017 o Facebook foi usado pela primeira vez, de forma ampla,
como plataforma de informação e marketing político, essa tendência só aumentou
desde então.
O momento de tensão política que
se vive no país há vários meses - o parlamento está dissolvido e há eleições
antecipadas a 12 de maio - levou ao aumento significativo de perfis falsos que
são usados para ataques e insultos pessoais e até ameaças contra os líderes do país.
Nos últimos dias, a polícia
timorense deteve várias pessoas acusadas de terem insultado ou ameaçado líderes
históricos, divulgando imagens das detenções diretamente no Facebook ou
convocando os media nacionais que mostra os interrogatórios.
Não foi possível obter
confirmação da polícia sobre se houve ou não acusações deduzidas contra os
investigados, que foram, entretanto, libertados.
Questionada sobre o assunto, a
ministra da Justiça Ângela Carrascalão, admitiu estar "preocupada"
com a questão, relembrando que o código penal timorense não tem qualquer
penalização por difamação o que, sustentou, "deve ser alterado".
A governante considera que
"difamar e insultar" é "muito fácil em Timor-Leste porque
"não há qualquer penalização para isso no código penal".
Sobre o facto da polícia e
imprensa divulgarem imagens dos detidos, Ângela Carrascalão diz que, em
Timor-Leste "infelizmente continua a não haver o cuidado com a reserva de
privacidade".
"É em casos como este como é
em casos de acidentes, de pessoas atropeladas ou mortas. Não há pudor ou
reserva de privacidade. Tem que haver mais sensibilização para coisas como
ética, educação e deontologia", considerou.
Virgílio Guterres, presidente do
Conselho de Imprensa, manifesta preocupação pelo que diz ser a dualidade de
critérios da ação policial, considerando que "a base destas intervenções
da polícia está concentrada no bom nome dos líderes".
"A lei protege todo o
cidadão, que tem o direito a ser protegido. Mas queixas de cidadãos ordinários
sobre questões como esta não tiveram qualquer intervenção da polícia. Agora só
porque as críticas ou os comentários estão a ser sobre os líderes ou pessoas
eminentes intervém", considerou.
"Os políticos já têm
imunidade e escolta, já estão bem protegidos. Se querem ser políticos têm que
estar preparados para ser criticados", afirmou, considerando que as ações
podem condicionar a liberdade de expressão, especialmente "quando não se
baseiam numa definição clara de qual é o conteúdo da mensagem".
"Dizer só que é mentiroso,
não é base para este tipo de atuação. Tem que ser claramente um caso de
violência verbal ou, por exemplo, incitar ao ódio. Agora críticas, sarcasmo,
isso faz parte da liberdade de expressão", afirmou.
O presidente do Conselho de
Imprensa manifestou particular preocupação com a divulgação das imagens e
identidade dos detidos, tanto pela própria polícia - nas suas páginas no
Facebook - como pela imprensa nacional.
"Um inquérito não pode ser
publicado, ou se é publicado a polícia tem que dar explicações claras ao público.
Assim o que pode é incitar represálias contra as pessoas interrogadas. Mesmo
como detidas têm direito a ser protegidas. E os órgãos de comunicação social
têm que respeitar o seu código e não publicar estes inquéritos", afirmou.
Preocupante é igualmente o facto
de os jornalistas continuarem a recorrer às redes sociais para fazer as suas
notícias, ampliando polémicas que se baseiam, em muitos casos, em informações
falsas.
Nélson Belo, diretor executivo da
Fundação Mahein, também critica o facto dos orgãos de comunicação social,
especialmente as televisões, terem divulgado imagens dos suspeitos de insulto
aos líderes nacionais.
"A publicação de
interrogatórios policiais viola o princípio do sigilo que deve reger todas as
investigações policiais. Em Timor-Leste, os suspeitos são 'inocentes até que se
prove a culpa'. Se os interrogatórios são transmitidos pela televisão, os
suspeitos recebem imediatamente a condenação de toda a comunidade, antes de
terem passado por qualquer tipo de processo legal", afirmou.
Trata-se de uma "conduta
altamente não profissional" dos agentes policiais, que devem ser
disciplinados, considerou, defendendo um esforço para "manter as
identidades dos suspeitos confidenciais".
Belo manifesta preocupação sobre
perfis e informações falsas e outros "padrões destrutivos nas redes
sociais", mas considera vital "proteger o direito dos cidadãos à
liberdade de expressão".
"A melhor defesa contra o
rancor nas redes sociais consiste em melhorar a educação e o acesso à
informação. Quando os cidadãos recebem as suas informações de fontes credíveis,
serão menos vulneráveis a declarações provocativas nas redes sociais",
afirmou.
"Dadas as graves
deficiências no atual sistema de educação timorense, processar as pessoas por
falsas alegações contra a elite política não melhorará significativamente a
qualidade da discussão pública", afirmou.
Silvério Pinto Baptista, provedor
dos Direitos Humanos e Justiça, disse à Lusa que, até ao momento, a sua
instituição não recebeu qualquer queixa sobre este assunto, explicando que para
já vai "acompanhando" a situação.
"Nas redes sociais cada
pessoa tem direito e acesso livre. Mas obviamente que há que respeitar o Código
Penal e a lei. E isso não permite fazer tudo nas redes sociais", afirmou.
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