quinta-feira, 22 de março de 2018

MOÇAMBIQUE | Dificuldade na reestruturação da dívida pública é motivo para alarmismo?


Poucas alternativas restam ao Governo nas negociações com detentores das dívidas públicas, diz economista. Mas outro economista não vê motivos para alarido na rejeição da proposta de reestruturação feita por Maputo.

Os detentores das dívidas públicas, que envolvem empréstimos ocultos contraídos com o aval do Governo para empresas do Estado entre 2013 e 2014, rejeitaram a proposta de reestruturação apresentada pelo Governo Moçambicano.

Para o Grupo Global de Detentores de Títulos de Dívida de Moçambique, que detém mais de 80% da dívida, a proposta não serve para início de conversa. Maputo propôs um perdão de 50% da dívida atrasada, ou seja, 318 dos 636 milhões de dólares de dívida que já devia ter sido paga.

Face ao arranque pouco auspicioso das negociações, que alternativas restam ao Governo moçambicano?

Muzila Nhansal é economista moçambicano e distancia-se de posições alarmistas: "Não acredito que seja um fracasso, trata-se de uma proposta apresentada pelo Governo, o que é muito normal quando se trata de negociação de dívida, em função daquilo que devia ser a sua capacidade de poder honrar com o compromisso. Os detentores das dívidas não aceitaram, estão no seu direito."

Sem o FMI nada feito

Já o economista Alfredo Mondlane, igualmente convidado a comentar sobre possíveis saídas para o Governo, apresenta várias hipóteses, mas sublinhando sempre que o sucesso de qualquer negociação neste caso está sujeito a uma condicionante: "A curto prazo não nos restam grandes alternativas na medida em que esta rejeição deriva de um fator: a não existência de um alinhamento entre o Governo moçambicano e o FMI. Repare que estes investidores só compraram esta dívida porque o FMI foi aos mercados e disse que Moçambique era um país ideal para se investir. Enquanto o FMI não der o aval, esta negociação nunca vai passar."

E o economista entende ainda que "outra alternativa é o Governo trabalhar internamente em reformas fiscais. Resta ao Governo acelerar o processo de liquidação dessas empresas. A outra alternativa é acelerar as reformas económicas para melhorar o ambiente de negócios."

E o bom nome de Moçambique onde fica?

E quem está a torcer para para que este mau começo negocial não representasse um revés para Moçambique é Muzila Nhansal.

O economista gostaria de ver minimizadas as suas consequências negativas: "Espero que esta notícia não agite os mercados e que não se faça disso um alarido no sentido de se querer agitar mercados e que depois venham aqui desaguar em desvalorização da moeda e andar a pôr o nosso nome [Moçambique] em questão."

Possibilidade de rebaixamento a categoria de "lixo"

Mas o economista Alfredo Mondlane pauta por uma posição oposta, preferindo já apontar as prováveis consequências negativas de curto prazo relativas à falta de entendimento.

"Depois deste fracasso os mercados serão mais céticos ainda em relação a Moçambique. Dentro de uma ou duas semanas, as agências internacionais vão fazer um downgrade (rebaixamento) de Moçambique, colocando o país na categoria de lixo, que é a última, porque com o ligeiro crescimento dos indicadores económicos  o outlook de Moçambique era negativo com perspetivas boas", advinha Mondlane.

Gás, a aposta de risco

Entretanto, Moçambique parece insistir em apostas de grande risco. Em Londres, o Governo propôs ainda uma espécie de suavização das prestações das dívidas nos próximos anos, aceitando pagar mais no final de cada período, de 10 ou 16 anos, contando com as receitas do gás natural, que deverão ser uma realidade a partir de 2022.

Para o economista "isto não é nada mais nada menos do que rolar a dívida, quer dizer, pegar numa dívida e financiar com outra dívida de longo prazo com maior custo."

Alfredo Mondlane fala dos efeitos em cadeia desse tipo de cartadas: "O primeiro problema que temos é este, é que esta dívida primeiro vai nos custar mais ainda. O segundo ponto é que as fontes de receitas que esperamos arrecadar para fazer face a  dívida são muito empoladas, dependem do preço das commodities no mercado internacional, vai depender muito do gás e carvão."

"E a possibilidade dos preços das commodities estarem em baixo e não gerarem as receitas suficientes é maior e considerando também que temos a mudança da matriz energética mundial que vai mudar para as energias renováveis", sublinha o economista.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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