sábado, 24 de março de 2018

PORTUGAL | Brincar aos países


Domingos de Andrade | Jornal de Notícias | opinião

O que é que ainda não perceberam? Morreram 65 pessoas na tragédia de Pedrógão. Quatro meses depois, 48 pessoas perdiam a vida nos maiores incêndios do Mundo, que devastaram as regiões Centro e Norte do país. Não são números. São mortes. De pessoas. Não são adjetivos. São substantivos. Com dor. Demoraram as desculpas e repartiram-se as culpas. Elaboraram-se relatórios e pediram-se contraditórios.

Do que o país precisa agora, mergulhado no luto de quem sofre ao ralenti, não é de ilusões. É de soluções. De perceber o que correu mal. Porque correu, ou há dúvidas?, porque o Estado falhou, ou há dúvidas?, porque há nomes, responsabilidades políticas, inoperâncias de uma enormidade doentia. Ou há dúvidas?

Do que o país precisa agora é que se olhe para o relatório da Comissão Técnica Independente e se mude tudo nas estruturas operacionais da Proteção Civil. O que o país precisa é de reforçar meios, da prevenção ao combate, de olhar o território não em função dos calendários sazonais, mas das necessidades reais. De pouco vale proibir foguetes e fazer festas de artifício, como a que hoje leva os atores da política ao terreno.

O que é que ainda não perceberam? O país, nada. Não percebeu nada. E continua sem perceber. Houve um assalto aos paióis de Tancos. Desapareceu material entretanto recuperado, e até mais do que o roubado. Suspensões de comandos e recuo nas suspensões de comandos. A secretária-geral de Segurança Interna a dizer que só soube do assalto pelos jornais. Uma catadupa de informações contraditórias, vindas das chefias militares e do Governo. Ora era material importante e que serviria as redes de terrorismo internacionais, ora não tinha importância nenhuma. E meses depois um relatório, pedido pelo menos nove vezes pelo presidente da República.

Conclusões. Do que se sabe, porque ainda há uma investigação em curso e o que não se sabe estará no segredo dos papéis. Falha tudo há 20 anos. Não há rondas e ninguém sabe quem manda. Não há videovigilância. Não há tropas porque acabou o serviço militar obrigatório. Não há inspeções das Forças Armadas. Não há segurança dos edifícios. Que houve uns sargentos que não cumpriram bem a missão e que até prestaram falsas informações. Sabemos também que o Exército, um dos pilares do Estado, saiu enxovalhado.

O que é que ainda não perceberam? Que Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente-rei, catavento, anestesista, o popular que irrita os populistas à Esquerda e à Direita, e outros mimos que lhe dedicam, também criticado nesta coluna sempre que perde o fio da realidade quando está demasiado imerso em si próprio, é o único garante de alguma estabilidade social no país.

Às vezes parece, mas ele não brinca aos estados. Ele é o Estado.

*Diretor-executivo JN | Foto: Paulo Novais/Lusa

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