Mariana Mortágua | Jornal de Notícias
| opinião
Por ano, o Estado gasta com a
manutenção de dois submarinos de utilidade duvidosa mais de metade do que
investe nos concursos de apoio à criação artística. O setor está zangado, e tem
todas as razões para isso. Do Governo de PSD/CDS pouca gente esperava mais que
o pior, e foi isso que foi entregue, com a liquidação do Ministério e de uma
parte do já magro orçamento da cultura. Mas o Governo de António Costa criou
expectativas, fez juras de apoio às artes, fez regressar o Ministério e, em
jeito de golpe final, chamou Miguel Honrado - um homem do setor - para
secretário de Estado da Cultura.
Depois de um longo processo de
consulta, e de quase dois anos de espera para abertura dos concursos no âmbito
do "Novo modelo de apoio às artes", Honrado conseguiu, como resultado,
"um momento sofrido para o setor artístico". Há, apesar de tudo, uma
diferença, afirma, é que os atrasos de seis meses do anterior Governo foram
agora reduzidos para quatro. Como se a precariedade não fosse cumulativa, e o
objetivo do novo modelo não fosse precisamente acabar com os atrasos. Para
centenas de companhias estes atrasos significam programar sem saber se serão
financiadas; significa não renovar contratos e manter trabalhadores em
suspenso; significa endividarem-se (muitas vezes a título pessoal) para poder
continuar a ter um horizonte de criação.
Mas a falha não é apenas
procedimental. O novo modelo tem perversões, nomeadamente quando coloca
estruturas públicas, como os teatros municipais, a concorrer aos mesmos
financiamentos que companhias independentes. Acima de tudo, e independentemente
de qualquer outra consideração, as verbas são comprovadamente insuficientes
para um setor que há anos vive no fio na navalha. Só uma parte dos resultados
concursais é conhecida, e já se sabe que o trabalho de estruturas artísticas
incontornáveis está comprometido por falta de financiamento. O júri da DGArtes
é claro: a verba não chega para os mínimos.
A esse propósito, disse Miguel
Honrado que o Governo continua apostado "na correção dessa
trajetória", mas que tem que "lidar com os constrangimentos
macroeconómicos". Um dia depois, Mário Centeno apresenta um défice de 0,9%
em 2017. Ou seja, 1000 milhões abaixo da última previsão (no Orçamento para
2018), se usarmos os dados do PIB de 2017.
O ator Nuno Lopes disse o que era
preciso ao receber o prémio Sophia: "A cultura é uma responsabilidade do
Estado", tanto quanto a educação, a saúde ou a segurança, acrescento eu.
Não queiramos acordar um dia num país pequenino que não se consegue pensar ou
imaginar fora do seu próprio obscurantismo.
Ainda há tempo, e as exigências
são tão simples quanto justas: corrigir as lacunas deste concurso, mudar as
regras dos próximos e reforçar as verbas do próximo ano.
* Deputada do BE
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