José Soeiro | Expresso | opinião
Ao momento está associada uma
solenidade que é também um ritual. Mas quem esteja mais atento sabe que a
proposta do Governo sobre as alterações à lei laboral não é propriamente nova.
É, no essencial, a expressão do que já constava do programa de Governo aprovado
na sequência dos acordos feitos à esquerda (nomeadamente a eliminação do banco
de horas individual e a taxa de rotatividade) e também dos compromissos
negociados com o Bloco e publicados no Relatório do Grupo de Trabalho de Combate à Precariedade,
nomeadamente sobre a limitação dos contratos a prazo (com cinco alterações
concretas), do trabalho temporário e sobre o reforço da Autoridade para as
Condições de Trabalho.
A reação das confederações
patronais, mesmo antes da divulgação do documento, também não surpreende
ninguém. Invocam a “concertação social”, como se a representação democrática
estivesse sujeita ao visto prévio de quem ninguém elegeu. No essencial,
encenarão a indignação do costume contra tudo o que possa diminuir os atuais
desequilíbrios nas relações de trabalho, sempre de mão estendida para mais
compensações e subsídios. O costume, portanto.
O que fica por saber são três
aspetos essenciais.
O primeiro é o calendário. O
programa do Governo foi votado há dois anos e o relatório assinado pelo Governo
e pelo Bloco saiu há um ano. Ora, não podemos esperar até ao fim da legislatura
para concretizar o que está consensualizado há tanto tempo. Por isso mesmo,
ouvir os parceiros sociais não pode ser pretexto para arrastar decisões e
concretizar compromissos. Vamos mudar a lei do trabalho ainda antes do verão? É
essa a expectativa criada.
O segundo é saber como serão
concretizadas as medidas agora enunciadas nos seus princípios. A taxa de
rotatividade é uma medida positiva com um objetivo correto, mas para ser eficaz
tem de ser robusta no seu âmbito (falamos apenas do desvio em relação ao padrão
de rotatividade de cada setor? Mesmo em sectores em que o padrão é em si mesmo
excessivo?) e no seu valor (é esse que vai definir o seu efeito de dissuasão).
Noutro campo, o do trabalho temporário, acontece o mesmo. Atualmente a lei
permite renovações diárias ao longo de dois anos, ou seja, uma sucessão de 720
contratos temporários para o mesmo trabalhador para o mesmo posto de trabalho.
É absurdo, mas é lei. A intenção de limitar está certa, mas o essencial é saber
até quantas renovações se pretende limitar (limitar a 3 é diferente de
“limitar” a 300...).
A terceira questão é saber se o
Governo pretende, com esta proposta, encerrar o atual ciclo político no campo
da lei laboral. Creio que isso é impossível, por duas razões. A primeira é que
o que está proposto relativamente à contratação coletiva fica ainda claramente
aquém do razoável. A utilização indevida da caducidade é hoje, na prática,
autorizada pela lei e não devia sê-lo; os mecanismos de arbitragem, mesmo que
fossem capazes de mitigar o abuso, não vão resolver esse problema. A segunda
razão é que estão neste momento em discussão outras matérias em relação às
quais o Parlamento já deu um sinal de compromisso: o trabalho por turnos e o
reconhecimento do estatuto dos cuidadores e das cuidadoras informais. Uma e
outra implicam alterações ao Código de Trabalho. Há ainda zonas que não podem
ficar sem resposta - um exemplo é o valor das indemnizações por despedimento,
cortadas para metade.
Façamos então caminho. O momento
de hoje é um passo importante num caminho que vem do início da atual solução política.
Mas não é ainda uma garantia nem encerra o debate.
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