O que une – e separa – as duas
Coreias
Há sete décadas, um povo foi
dividido em dois. Distintas realidades ideológicas e políticas se desenvolveram
na mesma península, mas semelhanças históricas e culturais jamais se apagaram.
Nos últimos dias da Segunda
Guerra, quando se tornou claro que o Japão se renderia às potências aliadas, a
questão sobre o que aconteceria com a Coreia se tornava mais urgente do que
nunca. Depois de décadas ocupando a península coreana, os japoneses estavam
recuando.
EUA e União Soviética concordaram
em dividir a Coreia no 38º paralelo em agosto de 1945: os americanos ocupariam
a parte sul, os soviéticos, a norte. O plano era devolver o controle aos
coreanos e se retirar. E em 1948 várias tentativas foram feitas para levar à
reunificação.
Mas a desconfiança gerada por
apenas alguns anos de ideologias opostas já havia se tornado profunda demais. O
que começou como uma divisão quase acidental deu origem a uma das fronteiras
mais hostis e pesadamente militarizadas do mundo. Um povo foi dividido em dois.
Direitos humanos e liberdade
A Coreia do Norte é hoje um
Estado stalinista e é acusada de manter centenas de milhares de cidadãos –
incluindo crianças – em campos de prisioneiros políticos e outros centros de
detenção em todo o país. Também recebe as classificações mais baixas quando se
trata de liberdade de imprensa e responsabilidade do governo.
Anos de isolamento afetaram
seriamente a economia da Coreia do Norte, e a população do país sofreu por
muito tempo com a pobreza e a fome. As Nações Unidas relatam que mais de um
terço da população é desnutrida. Muitos não têm acesso a cuidados de saúde
adequados.
A vida na Coreia do Sul, por
outro lado, é alimentada por um estilo de capitalismo despudoradamente
barulhento e orgulhoso. O país também é oficialmente uma democracia
constitucional.
Mas a Coreia do Sul tem seus
próprios presos políticos. A controversa Lei de Segurança Nacional considera um
delito manifestar simpatias em relação à Coreia do Norte. Mas a Coreia do Sul é
tida como muito menos corrupta que seu vizinho do norte.
E é uma aliada fundamental para
as potências ocidentais – particularmente os Estados Unidos, que ainda mantêm
cerca de 30 mil soldados em solo sul-coreano e realizam exercícios militares
regulares com as tropas locais.
Diferença de altura
Apesar do tamanho geográfico
similar, a população da Coreia do Sul (mais de 51 milhões) é quase duas vezes
maior que a da Coreia do Norte (mais de 25 milhões). Devido à sua dieta pobre,
os norte-coreanos tendem a ser menores que os sul-coreanos, o que é mais
visível entre as crianças em idade escolar.
Daniel Schwekendiek, da
Universidade de Sungkyunkwan, em Seul, estima que a diferença de altura seja de
aproximadamente 4 centímetros entre os meninos em idade pré-escolar e 3
centímetros entre as meninas desse mesmo grupo etário.
A diferença na expectativa de
vida é similarmente notável: enquanto os sul-coreanos vivem em média até os 82
anos, os norte-coreanos morrem dez anos mais jovens, aos 70 anos.
Comida e vestimenta
Os dois povos gostam de muitos
dos mesmos tipos de alimentos, já que as receitas foram passadas de geração em
geração muito antes da divisão. Por exemplo, dduk (torta de arroz) e yeot (um
tipo de confeito) são comidos por todos os alunos antes dos exames, porque
eles acreditam que lhes dá sorte.
As celebrações culturais estão,
da mesma forma, profundamente arraigadas na sociedade coreana em ambos os
lados da fronteira. Algumas das datas mais importantes são o Ano Novo, o Dia de
Ação de Graças e o Daeboreum – o dia da primeira lua cheia do ano. O Ano Novo é
tradicionalmente comemorado com uma tigela de ddukguk (sopa de bolo de arroz).
Os pais são servidos por seus
filhos durante a refeição e são tratados com deferência, independentemente de
onde morem na Coreia.
A Coreia do Sul é tida como a
"Hollywood do Oriente", produzindo entretenimento consumido por
milhões de fãs, que vão do Japão à Indonésia. Existem também cerca de 400
estúdios independentes, que produzem conteúdo para o mercado de entretenimento,
ajudando a Coreia do Sul a exportar seu "k-pop” (gênero musical próprio de
música), dramas de televisão e videogames para países da Ásia. Já a Coreia do
Norte é praticamente ausente da parada de sucessos asiática.
As coisas parecem polarizadas da
mesma forma em se tratando de moda. Os norte-coreanos abstêm-se de fazer
experiências, porque o governo proíbe estritamente peças como calças jeans
skinny, minissaias e até mesmo penteados especiais, enquanto seus vizinhos do
sul são livres para vestir qualquer roupa que quiserem.
Religião e turismo do wi-fi
Os casamentos também parecem
diferentes. Casais na Coreia do Sul podem ostentar um lindo vestido para a
noiva, uma cerimônia cheia de pompa uma lua-de-mel espetacular, enquanto os
noivos na Coreia do Norte tendem a adotar uma abordagem mais simples,
geralmente celebrando o matrimônio em um restaurante ou em casa.
Devido à sua visão de mundo
comunista, a Coreia do Norte é oficialmente um país ateu. No entanto, novos
movimentos como o cheondoísmo estão ganhando popularidade. No sul, o
protestantismo e o catolicismo conquistaram muitos novos seguidores nas décadas
passadas, e suas fileiras se incharam de cristãos da Coreia do Norte que
fugiram da perseguição.
Quanto à "religião"
moderna da internet, sua influência é ilimitada no Norte, enquanto o acesso é
livre na Coreia do Sul. No Norte, apenas os membros dos serviços públicos e
educacionais podem navegar na rede mundial de computadores – e somente sob
controles rígidos. Um fenômeno que ocorre como resultado é o "turismo do
wi-fi": norte-coreanos compram propriedades perto de embaixadas
estrangeiras, para tentar acessar seu wi-fi. Como resultado, os preços de
imóveis em Pyongyang dispararam.
A Coreia do Norte tem sua própria
intranet, chamada Kwangmyong. Ela não está conectada ao resto do mundo e foi
construída originalmente para abrigar páginas sobre a dinastia Kim, a família
dominante da Coreia do Norte.
Testes nucleares
O atual líder da Coreia do Norte
iniciou a chamada "estratégia de byungjin" em 2013, que buscava, ao
mesmo tempo, um desenvolvimento dos programas nucleares e crescimento
econômico.
Ele realizou um número
extraordinariamente grande de testes de armas, em uma tentativa de desenvolver
um arsenal nuclear efetivo, capaz de atingir alvos território norte-americano.
Quatro dos seis testes de bomba nuclear do país ocorreram durante o seu
governo.
Os testes aumentaram as tensões
entre Pyongyang e a comunidade internacional, particularmente os Estados
Unidos, com o presidente Trump avisando que responderia à ameaça nuclear da
Coreia do Norte com "fogo e fúria, como o mundo nunca viu".
Após uma guerra de palavras entre
Trump e Kim, as coisas mudaram drasticamente neste ano, com o líder
norte-coreano enviando sua irmã Kim Yo-jong e atletas para as Olimpíadas de
Inverno na Coreia do Sul e concordando em manter conversações com o presidente
sul-coreano, Moon Jae-in.
Moon mais tarde também agenciou
uma reunião entre Kim e Trump, marcada para maio ou início de junho.
Nos preparativos para as cúpulas
históricas, Kim Jong-un anunciou que seu país suspenderá indefinidamente os
testes nucleares e de mísseis e encerrará um local de testes nucleares, levando
Trump a tuitar: "Esta é uma notícia muito boa para a Coreia do Norte e o
mundo – grande progresso! Ansioso pela nossa cúpula".
Caroline Schmitt (md) | Deutsche
Welle
Coreias prometem desnuclearização
após encontro histórico
Após se tornar primeiro líder
norte-coreano a pisar em solo do Sul, Kim emite comunicado com Moon em que
ambos se comprometem a estabelecer "regime de paz sólido e
permanente". "Norte e Sul vão voltar a ser um só", diz.
O líder da Coreia do Norte, Kim
Jong-un, cruzou nesta sexta-feira (27/04) a linha de demarcação militar que
divide a Península Coreana para participar de uma histórica cúpula com o
presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, marcada por promessas de
desnuclearização e fim das hostilidades entre os países vizinhos.
Ao cruzar a fronteira, Kim se
transformou no primeiro líder norte-coreano a pisar no solo da Coreia do Sul
desde o fim da Guerra da Coreia, em 1953. Os líderes se cumprimentaram na zona
desmilitarizada entre os dois países. O aperto de mão deu-se em cima da linha
divisória, com ambos os líderes sorridentes e com o presidente da Coreia do Sul
a dizer ao seu homólogo: "Estou feliz por vê-lo."
Num gesto não previsto, Kim então
tomou Moon pelas mãos e o levou para o lado norte da fronteira que separa os
dois países, num momento de descontração antes do início da histórica cúpula.
Ao encontrar-se na divisa, Moon
disse: "Você veio para o sul, eu me pergunto quando posso ir para o
norte." Kim respondeu: "Talvez agora seja uma boa hora para você
vir", e o levou pelas mãos para o lado norte da demarcação, em um gesto
que não estava previsto, segundo explicou o porta-voz presidencial de Seul.
"Foi uma decisão muito
corajosa de sua parte vir até aqui", afirmou Moon. Ele acrescentou que os
dois líderes "estavam fazendo história".
Após a reunião, Kim e Moon
assinaram um comunicado conjunto que teve como um dos pontos principais o
objetivo comum da "desnuclearização completa" da Península Coreana.
"As duas Coreias reafirmam e
concordam em aderir estritamente ao Acordo de Não Agressão que impede o uso da
força em qualquer forma", diz o documento.
Os dois governos também concordam
em realizar encontros trilaterais envolvendo os EUA, ou quadrilaterais
envolvendo Washington e Pequim, com a intenção de "declarar um fim à
Guerra da Coreia e estabelecer um regime de paz sólido e permanente".
Kim e Moon se comprometeram ainda
a transformar a zona desmilitarizada entre as duas Coreias numa zona de paz a
partir de 1º de maio e em cessar todos os atos de hostilidade entre ambos os
lados.
As medidas anunciadas incluem
ainda passos no sentido de modernizar vias que conectam o Norte e o Sul,
um programa de reunião para famílias separadas pela guerra e mais contatos de
alto nível entre Pyongyang e Seul.
Os dois governos vão coordenar
esforços para assegurar que não "repetirão a história infeliz na qual
acordos entre as Coreias fracassaram logo depois de começarem", declarou
Kim após a reunião com Moon. "Pode haver dificuldades e frustrações no
nosso caminho, mas uma vitória não pode ser alcançada sem dor", completou
o líder norte-coreano.
Pelo Norte, participam do
encontro também a irmã de Kim, Kim Yo-jong, cinco outros integrantes do
politburo e os dois mais altos representantes militares. A cúpula ocorreu na
chamada Peace House, na vila de barracões azuis de Panmunjom, dentro da zona
desmilitarizada.
Kim afirmou que a zona
desmilitarizada que divide os dois países deve passar de um símbolo da divisão
a um símbolo da paz. "O Norte e o Sul, que têm um sangue, uma língua, uma
história e uma cultura, vão voltar a ser um só, pessoas de todas as gerações
vão desfrutar da prosperidade", declarou.
AS/LPF/efe/lusa/ap/rtr/afp |
Deutsche Welle
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