Jorge Rocha* | opinião
Em 5 de maio iremos celebrar o
bicentenário do nascimento de Karl Marx, efeméride que nos desafia a atualizar
a sua análise do capitalismo e das lutas de classes à luz deste presente em que
a globalização e a financeirização das economias baralharam as contas dos que
apostavam num determinismo histórico, que se cumpriria em iminentes amanhãs que
cantassem.
Vimos muitos esquerdistas
desencantados mudarem de campo, abjurarem as antigas convicções, ainda que,
paradoxalmente, se viessem a revelar tão dogmáticos nas teses contrárias quanto
o haviam sido nas que lhes tinham iluminado as tardias adolescências. Mas só
nos podemos congratular com essa autodepuração, que fez diminuir o ruído num
espaço de pensamento onde importa potenciar a lucidez, a clareza de espírito.
Para os que não se renderam ao
pensamento dominante nos órgãos de informação - inteiramente nas mãos de
quantos pretendem retardar tanto quanto possível a concretização de uma
sociedade mais justa e igualitária! - a recuperação urgente da metodologia
analítica proposta por Marx, para a aplicar ao atual momento histórico,
torna-se um imperativo. Porque pode englobar os contributos segmentados de
tantos investigadores, que detalham os sintomas do mal estar social e os
associam a causas muito precisas, mas as não enquadram em razões mais a
montante, inevitavelmente relacionadas com o trabalho convertido em mercadoria
e no capital cada vez mais ganancioso na acumulação das mais-valias.
Um bom estímulo para a reflexão
pode ser a programação do canal franco-alemão neste sábado porque exibe «Karl
Marx, Pensador Visionário» de Christan Twente ao início da noites,
seguindo-se-lhe o documentário «De Marx aos Marxistas» de Peter Dörfler.
Mario Adorf veste a personagem de
Karl Marx no primeiro desses filmes, que tem a filha do filósofo, Eleanor, como
narradora, iniciando-se em 1882, quando, entre sucessivas viagens e já
adoentado, ele sentia-se exaurido pela escrita do segundo volume do «Capital»,
uma obra que o ocupara durante duas décadas. Voltando ao passado vemo-lo evocar
sucessivamente a juventude romântica, o casamento com a brilhante aristocrata
Jenny von Westphalen e o frutuoso exílio em Paris, antes de passar por tempos
assaz difíceis em Bruxelas e em Londres. No meio das sucessivas reconstituições
da vida do homenageado, vão surgindo biógrafos, historiadores e economistas
para acentuarem as suas fulgurantes propostas, sem escamotearem algumas das
suas contradições.
A proposta de Peter Dörfler
aborda as diversas aplicações das teorias marxistas no último século e o quanto
elas permanecem vivas hoje em dia. De Atenas a Pequim, de Berlim a Paris,
escalpelizam-se não só os regimes soviético, chinês, cubano ou leste-alemão,
mas também os diversos movimentos ocorridos em 1968 em França, na Alemanha, nos
EUA. Hoje os críticos mais argutos do capitalismo financeiro não dispensam as
orientações marxistas, aplicando-as à interpretação dos acontecimentos atuais.
Quem tiver arriscado, que o marxismo
se convertera numa teoria obsoleta, depressa se dará conta de quão exagerado
fora o seu anúncio de dobrar a finados...
*Jorge Rocha | em Ventos Semeados
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