Manuel Carvalho da Silva* | Jornal
de Notícias | opinião
A sessão comemorativa do 44.º
aniversário do 25 de Abril, realizada na Assembleia da República, teve
discursos de significativo interesse num ambiente mais saudável do que aquele
vivido em tempos de maioria PSD/CDS ou da (prolongada) ressaca da sua derrota.
A propósito do evento, o primeiro-ministro lembrou o fim do velho conceito de
"arco da governação", mas na sessão não faltaram sinais de fortes
empenhos na defesa de compromissos do centrão associado àquele arco, e os
últimos tempos têm mostrado que uma parte do Partido Socialista anseia uma
guinada à direita. Entretanto, a partir das mensagens do presidente da
República e do presidente da Assembleia da República (AR), rapidamente a
comunicação social apresentou como grandes desafios para o país a "reforma
do regime" ou a "revisão da Constituição da República".
Como sabemos, a palavra reforma é
uma das mais manipuladas das últimas décadas e os cidadãos têm fortes razões
para ficarem de pé atrás quando a ouvem invocar. Sendo inquestionável que há
sempre acertos a fazer face à evolução da sociedade e das mudanças que nela se
vão produzindo, e às exigências que se colocam para que a democracia se
vitalize, será que Portugal e os portugueses precisam mais da revisão do seu
regime político e da sua Constituição da República (CR) ou de políticas que
lhes garantam efetividade?
Ferro Rodrigues trouxe à memória
o "inconformismo de Abril" como arma eficaz para se agir na afirmação
"da liberdade, da democracia e da solidariedade", que "é sempre
um projeto inacabado". Enunciando, em algumas áreas fundamentais, o que se
conseguiu e o que está em défice, o presidente da AR afirmou admirar-se
"com a força das nossas instituições e com o papel notável que o
sindicalismo e os contrapesos institucionais desempenharam "no período de
fundamentação e imposição de políticas de austeridade que nos
empobreceram", o que o conduziu a considerar que é "muito ao nível
das desigualdades económicas e sociais que o desempenho democrático tem de
melhorar". A questão social tem, pois, de surgir pelo menos a par da
renovação democrática das instituições.
A corrupção e as promiscuidades
entre funções de governação e interesses privados não emanam da conceção e
valores do nosso regime político, mas sim do seu desrespeito. A existência de
ministros que no passado desavergonhadamente se comportaram como empregados (em
efetividade de funções ou em estágio) de grandes grupos económicos e
financeiros choca com os princípios constitucionais, e a determinação de regras
que impeçam tais práticas constituirá, tão-só, um aprofundamento do que a CR
consagra. Os deputados terem de dar atenção ao cumprimento de princípios éticos
para além de regras instituídas, ou necessitarem de aprofundar a sua relação
com os eleitores, não exige nenhuma revisão constitucional.
Na CR está claro que a
participação política não é dissociável da participação social e cívica, e será
na defesa da conjugação delas que os deputados encontrarão caminhos para
criarem proximidade com os eleitores. O Governo ter em conta o que reivindicam
as pessoas e as instituições de mediação da sociedade é uma obrigação
institucional inerente ao regime democrático instituído. Faz parte do nosso
regime ser o Parlamento o espaço central do debate e dos compromissos, com
todas as forças políticas em igualdade de deveres e direitos, e não qualquer
outro processo de construção de compromissos que gere exclusões.
É hoje muito mais fácil mobilizar
milhares de milhões de euros para salvar um banco levado à ruína por roubo ou
má gestão privada, do que mobilizar algumas centenas de milhões para melhorar
os programas da saúde ou da educação, ou para repor rendimentos devidos a
trabalhadores e reformados, mas isso não acontece por imposição constitucional.
Neste 1.º de Maio, há que dar
expressão à luta contra as desigualdades, a pobreza e as precariedades, por
mais e melhor emprego, por direitos no trabalho, por salários justos e por uma
melhor distribuição da riqueza. Se o Governo, o Parlamento e o presidente da
República responderem positivamente, a democracia será reforçada e os
portugueses confiarão mais nos políticos.
*Investigador e professor
universitário
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