segunda-feira, 30 de abril de 2018

PORTUGAL | O mundo do CDS e a resposta do TC – convém ler o Acórdão


Isabel Moreira | Expresso | opinião

Ouvindo as declarações de Assunção Cristas, ficamos convencidos de que o TC deu razão aos fundamentos apresentados pelos deputados do CDS e do PSD que requereram a fiscalização da constitucionalidade da lei da PMA. Mais: ficamos convencidos – se parvos – de que o TC decidiu garantir o acesso à identidade genética das pessoas nascidas via PMA.

Mentira.

Se algum jornalista se desse ao trabalho de ler a lei da PMA, que data de 2006, Assunção Cristas seria imediatamente confrontada com o nº 2 do artigo 15º: “As pessoas nascidas em consequência de processos de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões podem, junto dos competentes serviços de saúde, obter as informações de natureza genética que lhes digam respeito, excluindo a identificação do dador”.

Ou seja, está consagrado, desde sempre, o direito à identidade genética. Coisa diferente é a identidade do dador, que só em circunstâncias excecionais podia ser revelada.

O que o CDS e alguns Deputados do PSD pretenderam – e conseguiram – foi, justamente, acabar com o anonimato do dador. Este anonimato sempre existiu, sem que Assunção se afligisse, mas a razão do descanso residia no facto de a lei de 2006 só se referir a mulheres casadas ou unidas de facto com homens. Se há “marido”, a sacristia partidária está feliz com o anonimato do dador, mas se as mulheres solteiras ou casais de lésbicas têm filhos, a deriva biologista e sexista ruma ao TC.

Há que saber “das origens” das pessoas. Como já se escreveu ironicamente “claro, aliás cada espermatozoide devia ter sempre o seu próprio nome, só precisamos é de mais nomes que são entre 200 e 500 milhões por cada ejaculação” (coisas do género)
Vale a pena ler o nível de reacionarismo do requerimento “protagonizado” pelo CDS apresentado ao TC. Os fundamentos dos centristas para alcançar o objetivo duplo de acabar com a gestação de substituição (GS) e com a “pouca vergonha” de haver mulheres a terem filhos independentemente do seu estado civil ou da sua orientação sexual são o retrato de um Partido de sacristia, obsoleto, moralista, sexista e com a ambição de colonizar a sociedade com um único modelo de família.

No requerimento, alega-se que a GS viola o princípio da dignidade da pessoa humana e o dever estadual de proteção da infância. Alega-se que hoje “uma mulher pode ter um filho porque quer” (?!). Eu pensava que as deputadas do CDS que são mães o eram por vontade própria, mas fiquei a saber que encaram a maternidade como um “dever” e que isto de se permitir a solteiras e a lésbicas o direito à maternidade é uma vergonha. Por isso mesmo, Assunção chegou ao ponto de exigir ao TC que fosse feita a averiguação oficiosa da paternidade nos casos em que as tais desavergonhadas recorrem à PMA.

E o que disse o TC?

O TC disse claramente que a GS não viola o princípio da dignidade da pessoa humana nem o dever estadual de proteção da infância. Ou seja, ao contrário do que pretendia a sacristia partidária, para o TC, a GS, em si mesma, é perfeitamente compatível com a CRP. Os fundamentos da declaração de inconstitucionalidade de algumas normas da lei prendem-se, por exemplo, com o princípio da determinabilidade.

O TC disse, claramente, que não faz qualquer sentido acabar com a dispensa da averiguação oficiosa da paternidade porque o dador não é pai, para espanto da sacristia.

O grande objetivo de Assunção era acabar com a possibilidade de haver famílias com uma ou duas mães, porque teria sempre de haver um “pai” (o dador), mas o TC, felizmente, explicou o absurdo da coisa.

Se é certo que a questão do anonimato do dador é muito grave – o TC revogou a sua própria doutrina - e desafia o legislador nos termos em que a declaração de inconstitucionalidade foi feita, não menos certo é que ao contrário do que o CDS e alguns Deputados – como Fernando Negrão – queriam, o TC tem por boa a existência da GS e de famílias plurais.

Convém ler o acórdão.

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