Isabel Moreira | Expresso | opinião
Ouvindo as declarações de
Assunção Cristas, ficamos convencidos de que o TC deu razão aos fundamentos
apresentados pelos deputados do CDS e do PSD que requereram a fiscalização da
constitucionalidade da lei da PMA. Mais: ficamos convencidos – se parvos – de
que o TC decidiu garantir o acesso à identidade genética das pessoas nascidas
via PMA.
Mentira.
Se algum jornalista se desse ao
trabalho de ler a lei da PMA, que data de 2006, Assunção Cristas seria
imediatamente confrontada com o nº 2 do artigo 15º: “As pessoas nascidas em
consequência de processos de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões
podem, junto dos competentes serviços de saúde, obter as informações de
natureza genética que lhes digam respeito, excluindo a identificação do dador”.
Ou seja, está consagrado, desde
sempre, o direito à identidade genética. Coisa diferente é a identidade do
dador, que só em circunstâncias excecionais podia ser revelada.
O que o CDS e alguns Deputados do
PSD pretenderam – e conseguiram – foi, justamente, acabar com o anonimato do
dador. Este anonimato sempre existiu, sem que Assunção se afligisse, mas a
razão do descanso residia no facto de a lei de 2006 só se referir a mulheres
casadas ou unidas de facto com homens. Se há “marido”, a sacristia partidária
está feliz com o anonimato do dador, mas se as mulheres solteiras ou casais de
lésbicas têm filhos, a deriva biologista e sexista ruma ao TC.
Há que saber “das origens” das
pessoas. Como já se escreveu ironicamente “claro, aliás cada espermatozoide
devia ter sempre o seu próprio nome, só precisamos é de mais nomes que são
entre 200 e 500 milhões por cada ejaculação” (coisas do género)
Vale a pena ler o nível de
reacionarismo do requerimento “protagonizado” pelo CDS apresentado ao TC. Os
fundamentos dos centristas para alcançar o objetivo duplo de acabar com a
gestação de substituição (GS) e com a “pouca vergonha” de haver mulheres a
terem filhos independentemente do seu estado civil ou da sua orientação sexual
são o retrato de um Partido de sacristia, obsoleto, moralista, sexista e com a
ambição de colonizar a sociedade com um único modelo de família.
No requerimento, alega-se que a
GS viola o princípio da dignidade da pessoa humana e o dever estadual de
proteção da infância. Alega-se que hoje “uma mulher pode ter um filho porque
quer” (?!). Eu pensava que as deputadas do CDS que são mães o eram por vontade
própria, mas fiquei a saber que encaram a maternidade como um “dever” e que
isto de se permitir a solteiras e a lésbicas o direito à maternidade é uma
vergonha. Por isso mesmo, Assunção chegou ao ponto de exigir ao TC que fosse
feita a averiguação oficiosa da paternidade nos casos em que as tais
desavergonhadas recorrem à PMA.
E o que disse o TC?
O TC disse claramente que a GS
não viola o princípio da dignidade da pessoa humana nem o dever estadual de
proteção da infância. Ou seja, ao contrário do que pretendia a sacristia
partidária, para o TC, a GS, em si mesma, é perfeitamente compatível com a CRP.
Os fundamentos da declaração de inconstitucionalidade de algumas normas da lei
prendem-se, por exemplo, com o princípio da determinabilidade.
O TC disse, claramente, que não
faz qualquer sentido acabar com a dispensa da averiguação oficiosa da
paternidade porque o dador não é pai, para espanto da sacristia.
O grande objetivo de Assunção era
acabar com a possibilidade de haver famílias com uma ou duas mães, porque teria
sempre de haver um “pai” (o dador), mas o TC, felizmente, explicou o absurdo da
coisa.
Se é certo que a questão do
anonimato do dador é muito grave – o TC revogou a sua própria doutrina - e
desafia o legislador nos termos em que a declaração de inconstitucionalidade
foi feita, não menos certo é que ao contrário do que o CDS e alguns Deputados –
como Fernando Negrão – queriam, o TC tem por boa a existência da GS e de
famílias plurais.
Convém ler o acórdão.
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