Projeto do PS foi o que esteve
mais perto de passar. Não o conseguiu por cinco votos. Debate só voltará depois
de 2019
Os quatro projetos despenalizando
a eutanásia foram ontem chumbados no Parlamento e da votação sobrou uma
certeza: a morte assistida só será legalizada em Portugal quando houver na
Assembleia da República uma relação de forças diferentes.
O PCP - decisivo no chumbo, com
os seus 15 deputados, que se somaram aos 19 do CDS e mais de 80 do PSD - já
disse que não vai mudar de ideias (como mudou, por exemplo, do "não"
para o "sim", na adoção de crianças por casais gay, alterando o
destino final da lei). E isto quer dizer que será preciso haver uma maioria de
esquerda que se alcance sem o PCP (PS+BE+PEV+PAN) para haver uma certeza firme
de aprovação da despenalização da eutanásia; se a isto se somarem mais votos a
favor do PSD - ontem foram seis os deputados que votaram a favor, embora de
diferentes projetos - melhor ainda, do ponto de vista dos defensores do
"sim".
Consciente desta realidade, a
deputada do PS Maria Antónia Almeida Santos, uma das principais autoras do
projeto socialista, falou ontem, depois do chumbo, nesse calendário:
"Próxima legislatura." O Bloco de Esquerda, pela voz de Catarina
Martins, também anunciou que o seu partido insistirá ("haverá lei")
mas não se comprometendo com datas. Só que basta a indisponibilidade do PS para
voltar a avançar ainda nesta legislatura para que todos as outras agendas,
eventualmente mais céleres, caiam por terra. Nenhum agendamento seria feito
contra os socialistas, nesta matéria.
BE ataca PCP, PS evita
O debate revelou fraturas entre a
esquerda (pró "sim") e a direita (maioritariamente pró
"não") mas também dentro da esquerda (o PCP votou contra, os
restantes a favor, inclusivamente o PEV, que tal como o PS, o BE e o PAN tinha
um projeto próprio).
O PS, na afirmação do seu
projeto, evitou críticas ao PCP mas o Bloco já não - muito pelo contrário.
Mariana Mortágua recordou aos comunistas um argumentário pró eutanásia de José
Saramago (militante do PCP); e disse também que o partido estava do mesmo lado
da barricada de Cavaco Silva e de Pedro Passos Coelho (ambos fizeram
depoimentos pelo "não"). Até foi recordado pelo BE ao PCP que os
comunistas espanhóis são a favor. Em vão.
Também o PEV, partido parceiro do
PCP na CDU, criticou veladamente os comunistas, por estes terem insistido no
argumento de que a "natureza do capitalismo" levou a que noutras
experiências europeias (Suiça e Holanda) leis supostamente garantísticas não
impeçam práticas altamente flexíveis ("Trata-se apenas de não ter a
ingenuidade de pensar que soluções legislativas iguais possam reduzir
inevitavelmente resultados diferentes", disse António Filipe, o deputado
que o PCP fez avançar para o debate). Na resposta, Heloísa Apolónia garantiu
que com o projeto do PEV "isso não é possível". E e se acontecesse
"seria crime", segundo garantiu.
Os argumentos de uma parte e de
outra foram no essencial o que se esperava, num debate longe da temperatura de
outros debates passados sobre as chamadas questões "fraturantes".
Pelo lado do "não", no
final vencedor, avançaram para o púlpito Fernando Negrão (PSD), Isabel Galriça
Neto (CDS) e António Filipe (PCP).
Negrão, pelo seu lado, centrou-se
sobretudo em argumentos de oportunidade e de legitimidade. Recordando que
nenhum partido - excepto o PAN - colocou no seu programa eleitoral a defesa da
despenalização da morte assistida, afirmou que "em matérias desta dimensão
não podemos nem devemos apanhar os portugueses de surpresa". Assim,
sugeriu o adiamento do debate para a próxima legislatura dado que está em curso
não houve, no seu entender, "suficiente debate e ponderação". PSD
seis deputados (Teresa Leal Coelho, Paula Teixeira da Cruz, Margarida Balseiro
Lopes, Duarte Marques, Cristóvão Norte e Adão Silva) votaram a favor de
projetos despenalizadores mas todas as intervenções oficiais da bancada ficaram
a cargo de defensores do "não" (mesmo sendo o líder do partido, Rui
Rio, a favor do "sim"). Além de Negrão, Rubina Berardo e Margarida
Mano.
Direito a morrer? "Um
absurdo"
Já no CDS, este foi um dos
argumentos mas não só. Isabel Galriça Neto disse que "o direito a morrer é
um absurdo" e, além do mais, não é só um problema da liberdade individual
de um doente já que "estarão envolvidos terceiros que são verdadeiramente
quem vai decidir sobre um qualquer pedido e quem executa a morte".
Pelo lado dos partidos que apresentaram
projetos, os argumentos também foram os esperados: todos disseram que estaria
assegurada uma lei imune a tentações de flexibilização, que a vontade do
próprio doente seria imprescindível, que está em causa a liberdade e autonomia
de uma pessoa em sofrimento insuportável decidir o seu próprio fim, que nenhuma
morte assistida avançaria sem um longo processo de viabilização por autoridades
médicas. Assegurou-se, além do mais, que não se defende a eutanásia para
compensar a ausência de cuidados paliativos.
João Pedro Henriques e Susete
Francisco | Diário de Notícias
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