Domingos de Andrade | Jornal de
Notícias | opinião
O processo judicial estalou
quando António Costa chegava a secretário-geral do PS. A detenção de José
Sócrates agitou o país em vésperas do congresso que aclamou o então candidato a
primeiro-ministro e tornou-se um incómodo constante. Um incómodo gerido, durante
três anos e meio, com o silêncio e um único argumento: à justiça o que é da
justiça, à política o que é da política. Cada gesto foi de tal modo pesado ao
pormenor que até a única visita de Costa à cadeia foi feita a 31 de dezembro de
2014, com o país em pausa e as atenções mediáticas descidas para o nível
mínimo.
A inversão estratégica é tão
evidente e súbita que chega a ser desconcertante. O coro de vozes socialistas
abriu caminho à declaração marcante de Carlos César, presidente do partido e
próximo de Sócrates. Para logo de seguida o primeiro-ministro, a partir do
Canadá, dar a estocada que faltava. O processo Sócrates saía subitamente da
esfera judicial, para se tornar político. Não admira que Sócrates tenha reagido
politicamente, fazendo o que tem feito nos últimos anos, usando mais um
pretexto para se considerar crucificado na praça pública. Mostrando também, com
o anúncio da saída do partido, o isolamento em que se encontra.
O que explica esta súbita mudança
estratégica? O zumbido incómodo da mosca atrás da orelha subiu de tom quando a
Sócrates se juntou Manuel Pinho. As suspeitas sobre o antigo ministro da
Economia trouxeram à luz um dado mais decisivo do que qualquer outro: o de que
assumiu a pasta já com a promessa de reforma paga pelo BES. Juntando às
investigações judiciais em curso a investigação política anunciada com a
comissão de inquérito, ganhou dimensão a tese de que a corrupção não terá sido
o problema de um homem, mas de uma governação.
Com o tema cavalgado por Rui Rio
e o risco de contaminação do próximo congresso socialista, mais uma vez,
António Costa decide sacudir de uma vez a mosca atrás da orelha. Esvaziar o
assunto e distanciar-se de qualquer vestígio do primeiro-ministro de quem foi o
número 2.
Estrategicamente faz todo o sentido,
claro. Costa fez tudo bem. Organizado. Meticuloso. Rápido. Fulminante. Tem
feito tudo bem. Já tinha amarrado Rio a acordos. Dá algumas compensações
sociais ao Bloco e ao PCP. Secou agora a oposição interna e externa, a da
Esquerda e a da Direita. Permite ao PS renascer. E ganha um peso inimaginável
no início da sessão legislativa para chegar à maioria absoluta em 2019.
Isto, se as eleições antecipadas
não forem provocadas já em outubro, sem que os parceiros de Parlamento tenham
sequer tempo para se aperceberem. Isto, se a mosca não voltar a colar-se ao seu
ouvido com o curso dos processos judiciais. É que é arriscado o permanente jogo
de cintura entre o orgulho com o trabalho que o José Sócrates primeiro-ministro
fez pelo país, e a vergonha pelos crimes com que eventualmente o José Sócrates
arguido manchou a democracia portuguesa.
*Diretor-executivo do JN
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