Pedro Filipe Soares * | Diário de
Notícias | opinião
O ministro da Educação confirmou
à comunicação social o apagão total na carreira dos professores. No dia
seguinte, António Costa desmentiu o ministro e explicou que se tratava de uma
tática negocial, que o governo mantinha abertura para a negociação desde que os
sindicatos aceitassem as condições impostas. Quais são? Manter um apagão
parcial sobre larga maioria do tempo em que as carreiras estiveram
descongeladas. Inaceitável, claro.
Ficou desmascarada, em primeiro
lugar, a estratégia do governo: chantagem sobre os professores. Em vez de
tentar uma posição de convergência, o governo deu preferência à prepotência.
Por outro lado, fica também claro
como a posição do governo é a de, intencionalmente, fazer as negociações
fracassar. Com isso, tornar reféns as carreiras dos professores da estratégia
de Mário Centeno. Contudo, ignora um aspeto fundamentar: o governo não tem
mandato para a proposta que faz e não respeita o que acordou com os sindicatos.
Vamos por partes: o Orçamento do
Estado para 2018 diz ao governo que "a expressão remuneratória do tempo de
serviço nas carreiras (...) é considerada em processo negocial com vista a
definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a
sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis". O tempo
das carreiras é integral, não uma fração ou uma abstração que permita
diferentes interpretações. O governo não tem mandato para propor aos sindicatos
um apagão total ou parcial das carreiras dos professores. Essa é uma proposta
fora da lei. O que o governo tem é a obrigação de "definir o prazo e o
modo" para a reposição do tempo de serviço.
Será que a norma no Orçamento
apareceu por engano ou foi um texto pouco ponderado? Não, decorre de uma
proposta apresentada pelo próprio PS, depois de negociações com Bloco de
Esquerda e PCP. E não é, sequer, uma proposta inflexível, dado que permite um
faseamento tendo em conta as disponibilidades orçamentais. O que agora acontece
é termos um governo minoritário que não quer cumprir a lei que a maioria na
Assembleia da República aprovou. Tiques de maioria num governo de minoria.
É por isto que as negociações
estão num impasse: os sindicatos dizem que estão disponíveis para definir um
faseamento que seja comportável pelas contas públicas, enquanto o governo não
discute nenhum faseamento porque simplesmente não quer reconhecer o tempo de
serviço.
Por outro lado, o próprio
governo, em paralelo com o processo orçamental, foi negociando com os sindicatos
e afirmou que o "tempo de serviço prestado durante o período de
congelamento das carreiras seria contado para efeitos de progressão".
Acordo assinado entre os sindicatos e o governo em novembro passado. Imagino o
espanto dos representantes sindicais quando o governo lhes anuncia meses depois
que deu o dito pelo não dito. Mais uma prova de ser o governo a criar
dificuldades para alcançar qualquer compromisso na atualidade.
Depois, há a chantagem pública
com um argumento estafado: "Não há dinheiro", diz o
primeiro-ministro, "não temos 600 milhões de euros para pagar esta
reivindicação sindical", para gáudio de Rui Rio e do PSD. Fosse um banco e
o dinheiro rapidamente aparecia de supetão. Mas, acima de tudo, as contas estão
erradas porque não incorporam o faseamento que os sindicatos estão disponíveis
para negociar. E a retórica de transformar os direitos e a dignidade das
carreiras dos professores numa "reivindicação sindical" é uma
formulação que apela ao preconceito social contra os sindicatos. Isolar os
professores, dividir e polarizar a sociedade, desrespeitando um dos pilares da
escola pública. Muito diferente do que foi feito por António Guterres, que numa
situação similar reconheceu a carreira por inteiro aos professores.
Face a este percurso errático,
que conclusões podemos tirar? Será esta uma forma de defender a escola pública?
Há, sequer, defesa da escola pública quando se escolhe fazer uma guerra contra
os professores?
Já vimos este filme num governo
PS: caricaturar os professores numa classe profissional privilegiada dentro da
administração pública e no país, humilhando e enxovalhando aqueles e aquelas
que dão tudo, todos os dias, para que a nossa escola pública seja uma
referência. Parece um regresso ao passado, ao tempo de Maria de Lurdes Rodrigues
e José Sócrates, em que o PS elegeu os professores como alvo e tentou virar
toda a sociedade contra esta classe profissional.
*Líder parlamentar do Bloco de
Esquerda
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