Luísa Rogério | Jornal de Angola
| opinião
O tempo fez a sua parte. Correu
célere. Registamos acontecimentos inolvidáveis. Há quem diga que vivemos um ano
histórico em Angola. O
resumo é aliciante. Os telejornais rivalizam com telenovelas e com o rei
futebol. Mesmo sem o suporte de sondagens tecnicamente sustentadas os
indicadores informais sugerem que a política doméstica lidera as audiências.
Mas as questões sociais não ficam muito atrás. Angola fala e as makas nossas de
cada dia se repercutem antes do amanhecer seguinte. Na “new media”, nas conversas
ao pé da orelha que perfazem, na verdade, a rede social mais antiga do mundo,
os assuntos do ano esquentaram o ambiente.
Em todo caso, os balanços são
ainda precoces. Num país como o nosso, onde os acontecimentos superam a
velocidade de implacáveis furacões, é recomendável esperar-se pelos derradeiros
dias do ano para fazer avaliações definitivas. A anunciada entrevista colectiva
do Presidente João Lourenço, marcada para sexta-feira (20), promete esquentar o
ambiente político. Ou talvez não. Aqui ao lado, na República Democrática do
Congo, as eleições gerais têm lugar no domingo. Crentes e agnósticos, cada um a
seu modo, convocam santos, intercessores e analistas em busca de sinais de
estabilidade. Auguramos que o bom senso vença as incertezas. Entretanto, o
Natal está às portas.
A árvore está montada. A cidade engalanada parece outra, sobretudo à noite quando as luzes se acendem. O trânsito menos complicado não se compara à azáfama dos anos que precederam a persistente crise económica. Praticamente ninguém corre atrás de cabaz nenhum porque agora quase nada é dado. Só a esperança de Angola deixar de ser o país do futuro adiado é renovada de graça. Em tempo de mudança é primordial resgatar também o verdadeiro espírito da festa motivada pela comemoração do nascimento de Jesus Cristo que, segundo os anais, terá iniciado há mais de mil e seiscentos anos no dia 25 de Dezembro.
Vivemos a época da celebração do nascimento de Jesus Cristo, instituída pela Igreja Católica no ano 350, por intermédio do Papa Julio I. Apesar de a Bíblia não precisar o dia de nascimento da figura que deu origem ao Cristianismo, a data é feriado em quase todo mundo cristão. É cada vez mais frequente ver-se em países não cristãos a árvore de Natal, um dos símbolos maiores da festividade, se calhar, em respeito ao costume que transcende barreiras religiosas. Há a inegável componente mercantilista, quase tão antiga quanto a humanidade. Independentemente do poder de compra e de ostentação das famílias o Natal tende a ser um pretexto bom de reencontro familiar para a maior parte dos cristãos e até ateus.
O espírito natalino é oportunidade de ouro para se apregoar a paz. Diz-se, com alguma razão, que o diabo anda à solta entre nós. A violência atinge números assustadores. A morte de mulheres e meninas mobiliza a sociedade. Embora não se restrinja à camada feminina é certo que esta continua a ser vulnerável. As estatísticas não mentem. Morrem infinitamente mais mulheres do que homens devido à violência doméstica. Os algozes geralmente moram muito perto. Amorosos maridos, namorados ou ex-companheiros de sonho transformam-se em algozes cruéis. Matam friamente. Às vezes de maneira premeditada. Negam, negam e negam ao ponto de surpreender psicopatas cadastrados. Quando assumem, justificam a barbárie com motivos passionais. Ou seja, evocam verdadeiras razões que a razão desconhece. Desgraçadamente, há quem os apoie em nome do hediondo princípio de lavagem da honra com sangue.
Como falar tranquilamente sobre a montagem do Presépio, da “caça” do musgo e de todos momentos felizes que nos remetem para o passado? A zungueira que vendeu o pinheiro artificial de formato triangular foi selvaticamente espancada. Mãe e filha que encontravam na venda ambulante o sustento da sobrevivência foram assassinadas, apenas uma semana depois de uma menina ter perdido a vida em circunstâncias igualmente trágicas. Para os familiares e amigos próximos das vítimas da violência o Natal será uma reunião marcada pela tragédia. Provavelmente, a ceia não terá os mesmos condimentos. Os lamentos vão substituir os cânticos que exaltam a “noite de paz” em que “cantam anjos em redor”. O grito de revolta tem que ecoar alto na marcha contra a matança de mulheres convocada para domingo, 23 de Dezembro. Depois, da marcha talvez sobre ânimo para comemorar a quadra natalícia e finais felizes.
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