domingo, 9 de dezembro de 2018

Portugal não é uma ilha


Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião

É tempo de reflexão séria sobre a situação económica e social do país, de se analisar as causas das debilidades estruturais da nossa economia e os significados dos protestos de amplos setores profissionais. A solução política e de governo adotada para esta legislatura deu bons resultados para a esmagadora maioria dos portugueses, ajudou a abrir horizontes para o nosso desenvolvimento e prestigia o país. Contudo, os obstáculos a ultrapassar são muito elevados e um mau final de legislatura aniquilará o rumo iniciado.

Nestes tempos de pré-campanha eleitoral, se o Governo se puser a empurrar os problemas para debaixo do tapete e não lhes der as respostas necessárias, envenenará o quadro político em que decorrerão os processos eleitorais. Ao Partido Socialista (PS), exige-se que assuma a responsabilidade de colocar a resolução de problemas das pessoas e do país acima da ambição de maioria absoluta. Os tempos da "governação estável", servindo mais ou menos entusiasticamente o grande centrão de interesses, não voltam mais. A persistência nesse sonho tem um destino certo, como vemos por toda a Europa: alimenta a cavalgada da Direita e dos fascismos, destrói os partidos "clássicos" substituindo-os por falácias de modernismo, tipo Macron.

No seio do PS, há quem persista em não assumir que, na área do trabalho, estão por fazer reequilíbrios de poderes e a implementação consolidada da melhoria da qualidade do emprego e dos salários. Este facto, associado à necessidade de a Esquerda dever dar cuidada atenção à agenda social e laboral para impedir que as reivindicações e lutas dos trabalhadores sejam parasitadas pela Direita revanchista e por grandes interesses económicos, ou até por aventureiros, coloca, também, delicados desafios ao PCP e ao BE.

Quando se desvaloriza ou subverte o diálogo com as organizações representativas - indispensáveis para a mediação de interesses e a construção de compromissos -, surgem dinâmicas incontroláveis potencialmente demolidoras do que é estrutural na organização da sociedade ou da economia. Nestes dias, arrepia-nos observar como a ausência de resposta a algumas reivindicações laborais justas pode estar a ferir profundamente o sistema público de saúde ou a gerar armadilhas na justiça, no sistema prisional, no funcionamento dos portos e do setor ferroviário.

O cenário que temos pela frente é exigente face a estas realidades, e por duas outras razões: primeira, porque estruturalmente a nossa economia levou um rombo com os negócios escabrosos que se seguiram às privatizações de grandes empresas como a Cimpor, a PT, os CTT ou o setor da energia, não sendo sequer imagináveis as suas consequências a prazo; segunda, a crise financeira iniciada em 2008, seguida da depressão e do resgate das instituições financeiras, pago com língua de palmo pelos cidadãos, estão, dez anos depois, na base da crise dos sistemas políticos democráticos que se desenrola a uma velocidade surpreendente.

Essa crise é caracterizada, no fundamental, por uma rutura das fidelidades tradicionais dos eleitores para com as forças políticas centristas que presidiram à crise. Milhões de indivíduos surgem "desafiliados" e disponíveis para apoiar pretensas novas forças centristas ditas regeneradoras, para sustentarem alternativas que no momento são essencialmente de extrema-direita, para participarem em movimentos sociais que irrompem no espaço público inesperadamente e sem qualquer tipo de mediação por parte de instituições preexistentes.

Na generalidade dos países da União Europeia (UE), a social-democracia e a direita historicamente associada à democracia-cristã são hoje as principais vítimas da deslocação tectónica dos partidos. À luz do que por aí se passa, Portugal parece uma ilha. Mas não estamos imunes aos vendavais que nos rodeiam.

O colapso dos sistemas políticos na generalidade dos países da UE resulta de os governos nacionais não darem resposta aos problemas de 95% da população, num quadro em que as políticas são determinadas não pelos parlamentos ou os governos, mas pelos "mercados" ou por instituições supranacionais como a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu ou o Fundo Monetário Internacional.

*Investigador e professor universitário

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