Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
É tempo de reflexão séria sobre a
situação económica e social do país, de se analisar as causas das debilidades
estruturais da nossa economia e os significados dos protestos de amplos setores
profissionais. A solução política e de governo adotada para esta legislatura
deu bons resultados para a esmagadora maioria dos portugueses, ajudou a abrir
horizontes para o nosso desenvolvimento e prestigia o país. Contudo, os
obstáculos a ultrapassar são muito elevados e um mau final de legislatura
aniquilará o rumo iniciado.
Nestes tempos de pré-campanha
eleitoral, se o Governo se puser a empurrar os problemas para debaixo do tapete
e não lhes der as respostas necessárias, envenenará o quadro político em que
decorrerão os processos eleitorais. Ao Partido Socialista (PS), exige-se que
assuma a responsabilidade de colocar a resolução de problemas das pessoas e do
país acima da ambição de maioria absoluta. Os tempos da "governação
estável", servindo mais ou menos entusiasticamente o grande centrão de
interesses, não voltam mais. A persistência nesse sonho tem um destino certo,
como vemos por toda a Europa: alimenta a cavalgada da Direita e dos fascismos,
destrói os partidos "clássicos" substituindo-os por falácias de
modernismo, tipo Macron.
No seio do PS, há quem persista
em não assumir que, na área do trabalho, estão por fazer reequilíbrios de
poderes e a implementação consolidada da melhoria da qualidade do emprego e dos
salários. Este facto, associado à necessidade de a Esquerda dever dar cuidada
atenção à agenda social e laboral para impedir que as reivindicações e lutas
dos trabalhadores sejam parasitadas pela Direita revanchista e por grandes
interesses económicos, ou até por aventureiros, coloca, também, delicados
desafios ao PCP e ao BE.
Quando se desvaloriza ou subverte
o diálogo com as organizações representativas - indispensáveis para a mediação
de interesses e a construção de compromissos -, surgem dinâmicas incontroláveis
potencialmente demolidoras do que é estrutural na organização da sociedade ou
da economia. Nestes dias, arrepia-nos observar como a ausência de resposta a
algumas reivindicações laborais justas pode estar a ferir profundamente o
sistema público de saúde ou a gerar armadilhas na justiça, no sistema
prisional, no funcionamento dos portos e do setor ferroviário.
O cenário que temos pela frente é
exigente face a estas realidades, e por duas outras razões: primeira, porque
estruturalmente a nossa economia levou um rombo com os negócios escabrosos que
se seguiram às privatizações de grandes empresas como a Cimpor, a PT, os CTT ou
o setor da energia, não sendo sequer imagináveis as suas consequências a prazo;
segunda, a crise financeira iniciada em 2008, seguida da depressão e do resgate
das instituições financeiras, pago com língua de palmo pelos cidadãos, estão,
dez anos depois, na base da crise dos sistemas políticos democráticos que se
desenrola a uma velocidade surpreendente.
Essa crise é caracterizada, no
fundamental, por uma rutura das fidelidades tradicionais dos eleitores para com
as forças políticas centristas que presidiram à crise. Milhões de indivíduos
surgem "desafiliados" e disponíveis para apoiar pretensas novas
forças centristas ditas regeneradoras, para sustentarem alternativas que no
momento são essencialmente de extrema-direita, para participarem em movimentos
sociais que irrompem no espaço público inesperadamente e sem qualquer tipo de
mediação por parte de instituições preexistentes.
Na generalidade dos países da
União Europeia (UE), a social-democracia e a direita historicamente associada à
democracia-cristã são hoje as principais vítimas da deslocação tectónica dos
partidos. À luz do que por aí se passa, Portugal parece uma ilha. Mas não
estamos imunes aos vendavais que nos rodeiam.
O colapso dos sistemas políticos
na generalidade dos países da UE resulta de os governos nacionais não darem
resposta aos problemas de 95% da população, num quadro em que as políticas são
determinadas não pelos parlamentos ou os governos, mas pelos
"mercados" ou por instituições supranacionais como a Comissão Europeia,
o Banco Central Europeu ou o Fundo Monetário Internacional.
*Investigador e professor
universitário
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