A dúvida é perceber em que medida
este aparato em torno das audições sobre o caso de Tancos não acabará por
servir de biombo ao que é essencial: apurar a autoria, moral e material, do
furto.
AbrilAbril | editorial
O furto de material militar dos
paióis de Tancos serviu, desde o primeiro momento, para os partidos da direita,
em particular o CDS, alimentarem uma certa campanha mediática contra o Governo
e, de forma indirecta, contra a solução política saída das últimas eleições mas
que, objectivamente, se insere numa perigosa escalada populista cujas
consequências estarão muito para além disso. Mas serviu também para uma disputa
de protagonismos entre PSD e CDS, com pedidos sucessivos de audições e
demissões, demonstrando não só alguma falta de sentido de Estado e de
autocrítica, mas, sobretudo, pouco interesse no apuramento da verdade sobre a
questão fulcral: quem roubou!
A constituição da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) vai no mesmo sentido: brincar com o fogo. É
verdade que a procissão ainda vai no adro, mas o número infindável de
políticos, militares e entidades várias propostas para audição em sede de CPI,
muitas delas sem terem qualquer relação directa ou indirecta com o caso, torna
mais evidente, esperamos que mesmo para alguns mais distraídos, que este
processo de «chicana política» vai percorrer um longo caminho. Aliás, já agora,
importa sublinhar que, no meio das mais de seis dezenas de nomes propostos para
audição, há um enorme alçapão de onde Rui Rio desapareceu. Ele, que foi a única
personalidade civil ou militar que no caso de Tancos reivindicou o conhecimento
de algo ao afirmar que «eu não disse tudo o que sei», não aparece nos nomes
propostos pelo seu partido para ser ouvido e prestar os devidos esclarecimentos.
Quando se pretende ouvir este
mundo e o outro à procura de responsáveis, convém não esquecer, no plano
político, as responsabilidades do PSD e do CDS, em particular nos últimos anos
da sua governação, mas também do PS no já longo processo de governamentalização
da instituição militar e dos cortes cegos a que foram sujeitas as Forças
Armadas, cujos resultados aí estão, bem à vista, em múltiplos aspectos, com o
caso de Tancos em destaque, como a redução dos meios humanos e materiais, e
consequente redução da capacidade operacional, para além da degradação do
vínculo da Condição Militar. Mas, também no plano estritamente militar, não
passam despercebidas as responsabilidades de alguns chefes militares, que são
os primeiros responsáveis por tudo o que se passa nas unidades e
estabelecimentos militares, ao quererem assumir um excessivo protagonismo
mediático e ficar também na fotografia, procurando em situações várias vender a
falsa imagem de que as Forças Armadas são pau para toda a obra e que conseguem
fazer muito com pouco, esquecendo-se de que o tempo dos milagres já lá vai!
Voltando ao caso de Tancos,
queremos acreditar que todo este aparato em torno das audições promovidas na
Comissão Parlamentar de Inquérito não venha a servir de biombo ao que é
essencial, isto é, ao apuramento, por quem de direito, dos autores, morais e
materiais, do furto.
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