segunda-feira, 25 de junho de 2018

BRASIL | A cruenta implosão de uma sociedade condenada


Henrique Júdice Magalhães [*]

Com 2,7% da população mundial, o Brasil concentra mais de 10% dos assassinatos no planeta. Em 2016, foram 61,6 mil, além de 49,5 mil estupros e 12 mil suicídios que também dizem algo sobre esta sociedade. Das 50 cidades mais violentas do mundo, 25 ficam aqui. 

As duas bases oficiais de dados (ocorrências policiais e registros de óbitos) contêm falhas e divergências, mas a explosão de violência letal é visível a olho nu – e não só nas metrópoles. Aliás, os números reais são maiores, pois, pelo estigma que recai sobre as vítimas, muitos suicídios são registrados como acidentes e inúmeros estupros nem denunciados são.

Quanto aos assassinatos, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), agência oficial, destaca que muitos se ocultam sob o rótulo "morte violenta com causa indeterminada". Em S.Paulo, Minas Gerais e Bahia, que concentram metade da população brasileira, esses registros equivaliam, em 2015, a respectivamente, 42,9%, 30,4% e 30,3% dos homicídios reconhecidos. Por certo, as 71,8 mil desaparições registradas em 2016 também escondem muitas mortes não naturais.

Tanto quanto a disparada do número de mortes violentas, estarrecem a crueldade de muitas delas e a futilidade de seus motivos. Decapitações filmadas e difundidas por redes de dados no contexto de desavenças associadas ao varejo [1] de drogas proibidas; uma mãe morta ao esperar sua criança na porta da escola; dois rapazes executados pelo segurança de um restaurante devido à quantidade de sachês de catchup que queriam levar para casa; uma trabalhadora rendida ao sair de um plantão noturno e trucidada a golpes de chave de fenda após entregar tudo aos assaltantes; e outro envenenado e esquartejado por um colega para roubar-lhe o dinheiro da rescisão são exemplos citados a esmo de crimes ocorridos nos dois últimos anos na região metropolitana de Porto Alegre.

Pseudociência e mistificações 

Chega a surpreender que o aparato ideológico composto pela imprensa mercantil monopolista, instituições oficiais de pesquisa e algumas ONGs admita a existência dessa orgia de sangue. Que explique como ela se coaduna com a visão rósea que tanto propagou sobre a evolução da sociedade brasileira durante os oito anos de governo do PSDB e – à parte atritos de outro tipo – os 13 do PT, ou identifique com alguma precisão e honestidade suas causas, seria pedir muito.

O morticínio em curso no Brasil não se compreende por nenhuma das teses com que, a partir de cálculos viciados e da pseudociência social burguesa de matriz estadunidense, intelectuais orgânicos do sistema tentam explicá-lo. Este artigo não desvenda os mecanismos que impelem parte das massas empobrecidas à autofagia, mas desmente mistificações em voga, sopesa elementos importantes e aponta causas profundas.

Juventude – No estudo Efeito da mudança demográfica sobre a taxa de homicídios no Brasil, publicado em 2015, Daniel Cerqueira, diretor do IPEA no governo da senhora Roussef, e Rodrigo Leandro de Moura, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), dizem que um quarto do crescimento dos assassinatos entre 1991 e 2000 e metade entre 2000 a 2010 se devem à existência de jovens do sexo masculino no Brasil (em outros países, ou não há homens, ou eles saltam da infância à maturidade...).

Cerqueira e Moura admitem nada saber sobre os autores dessas mortes – nem poderiam, pois a estimativa mais otimista sobre elucidação de homicídios no Brasil diz que, em 80% dos casos, nem se chega a ter um suspeito. Mas como 92% das vítimas entre 2005 e 2015 eram homens entre 15 e 29 anos, deduzem que os assassinos também são e que a quantidade de homicídios varia em função do peso relativo desse segmento populacional.

Um dado que consta de seu próprio estudo os desmente: no período analisado (1991-2010), enquanto a taxa de homicídios cresceu 30%, o peso relativo do segmento masculino entre 15 e 29 anos sobre a população brasileira diminuiu levemente e o da fração de 15 a 23 (considerada a mais perigosa na literatura estadunidense em que se baseiam) despencou.

Não há um só indício de correlação – muito menos causalidade – entre quantidades relativas de homens jovens e de assassinatos. Ao contrário: no Brasil, a matança é simultânea ao envelhecimento da sociedade. De 1960 a 2015, a média de filhos por mulher cai de 6 para 1,7 e a expectativa de vida sobe de 48 para 75,5 anos (dados do IBGE). De 1980 (quando começa a haver estatísticas de homicídios e os nascidos em 1960 tinham 20 anos) a 2015, os assassinatos sobem de 11,4 para quase 30 por 100 mil habitantes.

A única conclusão que isso permite é a que li na Argentina como palavra de ordem e se aplica ao Brasil como constatação científica: os meninos não são perigosos, estão em perigo.

Famílias – Em 2009, a FGV conferiu o grau de doutor em Economia a Gabriel Chequer Hartung por seus Ensaios em Demografia e Criminalidade. Com a chancela de seu orientador, Samuel Pessôa, ele diz que a proporção de famílias monoparentais com crianças de 5 a 15 anos num determinado tempo e local se reflete na taxa de assassinatos 10 anos depois, quando elas têm entre 15 e 25.

Sem demonstrar ou sequer descrever a relação de causa e efeito sem a qual essa coincidência numérica verificada em alguns lugares é só ilusão de ótica, Hartung conclui que filhos de mães sozinhas têm maior propensão a matar e que a criminalidade violenta se reduziria pelo aborto eugênico deles (não prega explicitamente sua eliminação após nascidos, mas para bom entendedor...).

26,8% das famílias brasileiras com filhos tinham apenas um adulto (em regra, a mãe) segundo dados do IBGE para 2015. Cotejados com os do Eurostat para 2016, eles nos colocam entre a Dinamarca (30%) e a Suécia (25%) nesse quesito.

Se essa configuração familiar fosse fator de letalidade, as taxas dinamarquesa e sueca de homicídios seriam similares à nossa. Mas são próximas de zero: 0,58 e 1,07 assassinatos por 100 mil pessoas em 2015, respectivamente. Mesmo no cotejo entre essas nações escandinavas, parecidas em todo o resto, o impacto da monoparentalidade sobre a violência letal é nulo: a campeã mundial de mães solteiras tem menos crimes de morte que sua vizinha.

Armas – Túlio Kahn, alto funcionário das administrações Alckmin e Serra [2] em São Paulo, sustenta que o número de armas de fogo entre a população determina a taxa de homicídios.

O dedo no gatilho é só o último elo da cadeia de eventos que desemboca num assassinato, e nem assim a disponibilidade de pistolas e revólveres ajuda a compreender o que se passa no Brasil: segundo o governo federal, 650 mil foram entregues voluntariamente entre 2004 e o início de 2014.

Não localizei dados de igual amplitude sobre apreensões. Mas só as entregas espontâneas já permitem afirmar que o aumento dos homicídios se deu enquanto o estoque de armas entre a população caía expressivamente.

No documentário Tiros em Columbine, Michael Moore mostra que o Canadá, com uma população tão armada quanto a dos EUA, tem muito menos assassinatos (1,7 contra 4,9 por 100 mil habitantes em 2015, segundo o site Countryeconomy; nos dois casos, muito mais armas e menos mortes que no Brasil). E que se pode e deve condenar a demência do fetiche armamentista sem confundir o instrumento do crime com sua causa.

Algo, mas não tudo 

Outras explicações tocam em importantes aspectos da tragédia brasileira, que se vinculam ao banho de sangue em curso mas não o explicam em toda profundidade.

Evasão escolar – O sociólogo e ex-deputado Marcos Rolim é um pesquisador sério, dedicado à preservação e a melhoria da vida da juventude pobre. Ao estudar a violência em que ela está imersa, não busca sua raiz nos cromossomos nem nas mães dos jovens, mas no que o Estado lhes sonega.

Em sua tese de doutorado A formação de jovens violentos – Estudo sobre a etiologia da violência extrema,apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rolim busca desvendar não tanto a quantidade de assassinatos, mas sua desmesurada crueldade. Para isso, entrevistou adolescentes que haviam matado futilmente e outros que, vindos de um quadro sociofamiliar semelhante ao dos primeiros, construíram suas vidas fora do crime. A diferença que ele identificou entre os dois grupos é que os membros do primeiro haviam sido violentados na infância, excluídos da escola e recrutados por adultos que os ensinaram a agir brutalmente.

O desprezo pela integridade física e emocional das crianças e a falta de uma escola pública forte, capaz de suprir o que lhes falta em casa e na vizinhança em termos culturais e de socialização sadia, são as maiores dívidas do Brasil para com seu povo e dados basais da tragédia que vivemos. Mas não parece que a evasão escolar seja a causa do fenômeno em tela: as crianças e adolescentes permanecem, hoje, muito mais anos na escola (ruim) do que nas décadas de 70 e 80 – para não falar nas de 50 e 60, quando era comum que o início da vida laboral ou o insucesso no exame de admissão ao ginásio encerrassem o ciclo escolar aos 10/11 anos de idade. Ainda que a evasão escolar seja um dado importante na vida dos autores dos crimes pesquisados por Rolim, ela caiu enquanto tais crimes aumentavam.

Drogas – Uma parte enorme dos assassinatos no Brasil está associada à cocaína e seus subprodutos (não à maconha e outras drogas). De todas as variáveis analisadas, esta é a única cujo crescimento coincide no tempo com a escalada de crimes de morte.

Vários são cometidos sob o efeito delas ou da ânsia causada por sua abstinência, e muitos mais na disputa por pontos de varejo, punição a devedores e outras desavenças vinculadas à sua compra e venda – inclusive extorsões e queimas de arquivo [3] perpetradas por policiais contra pequenos traficantes e usuários.

Todavia, embora sejam um forte catalisador da violência, essas substâncias não explicam, sozinhas, a dimensão que ela assumiu em nosso país. Seu comércio – atividade, em si, não violenta – existe no mundo inteiro, mas só aqui e em alguns países da América Central se faz acompanhar por tal letalidade. Mesmo no México, considerado em colapso por causa do narcotráfico, há em torno de 20 homicídios por 100 mil pessoas – e não 30, como aqui.

Raízes profundas 

Como raízes mais profundas do fenômeno, restam dois aspectos da dinâmica social brasileira:

1 – O legado de uma instituição brutal que foi, aqui, particularmente violenta: a escravidão. No Brasil, o Estado, as classes dominantes e a maior parte dos setores médios nunca reconheceram valor algum à vida das massas negras e pardas, vistas ora como mercadoria, ora como ameaça a ser reprimida ou eliminada; nem das massas camponesas, submetidas à servidão ou expulsas da terra para se juntar, na cidade, aos descendentes de escravos.

2 – A intoxicação dessas massas por uma contrapropaganda que levou parte delas a incorporar os antivalores de uma classe dominante em decomposição: consumismo, individualismo possessivo, imediatismo, ostentação, narcisismo. Christopher Lasch ( A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia ) e Richard Sennett ( A Cultura do Novo Capitalismo ) analisaram esse fenômeno no país do qual o Brasil vem se tornando, desde 1964, uma cópia mal feita: os EUA. João Manuel Cardoso de Melo e Fernando Novais ( Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna ) e, especialmente, Jurandir Freire Costa ( O Vestígio e a Aura ) identificaram-no aqui. " A violência emerge como uma conseqüência da avidez na busca dos objetos supérfluos, estimulados pela publicidade. Essa distorção não começou com o miserável que porta a arma, mas sim com a elite que deu a norma da destruição " – dizia Freire Costa numa entrevista em 2004.

Estado assassino

Sobre essa combinação de fatores, o Estado promove o banho de sangue.

Fardadas e em horário de expediente, as polícias matam mais que os ladrões: em 2016, o Brasil teve 2.703 ocorrências de latrocínio (roubo com morte) e 4.224 de "mortes por intervenção policial". Esses números não incluem o "trabalho" das milícias paraestatais que vicejam no Rio, nem dos grupos da PM [4] de SP que matam com o rosto coberto ("bandido pelo menos mostra a cara", ouve-se comumente na periferia paulistana).

Além de matar com as próprias mãos, o Estado organiza grupos para extermínio (inclusive recíproco) de pobres – seja pela lucrativa associação de políticos e funcionários a máfias emaranhadas à estrutura policial, como denuncia, há tempos, o professor José Cláudio Alves de Sousa; seja enviando traficantes e ladrões de pouca monta a presídios cuja administração terceiriza (não de graça) a facções que os recrutam à força e transformam vários deles em delinquentes violentos, como assinala Rolim. A concentração do foco prisional nessas pessoas é também uma maneira de deixar livres os matadores, cuja posição nas facções é mais alta.

Se houver dúvida sobre a quem servem essas ações, ou sobre a interpenetração entre as altas esferas do mercado ilegal de drogas e as do Estado, basta lembrar que vivemos, hoje, sob um governo que tem dois ministros (Blairo Maggi e Aloysio Nunes) e um secretário (Gustavo Perrella) envolvidos com transporte e armazenamento atacadista de cocaína.

"De ir à guerra se trata" 

A mais sombria concepção sobre o Estado (a de Hobbes) pregava a submissão a ele como preço da garantia da vida e integridade física de seus súditos. Quando ele não é capaz de prover isso, há uma crise que não será resolvida dentro de seus marcos.

O drama brasileiro é que a corrosão terminal das estruturas estatais antecedeu em anos (décadas?) o amadurecimento da única possibilidade histórica de supera-la: uma revolução. Construí-la nesta sociedade degradada é trabalho hercúleo e arriscadíssimo, mas premente.

As dúvidas que podem existir sobre sua conveniência e custo-benefício quando ela envolve romper a paz dos cemitérios não têm lugar quando ela é o único meio para estancar a perversidade e a violência fomentadas pelo Estado. Se a mortandade intrínseca ao andamento "normal" desta sociedade já é a de uma guerra, "de ir à guerra se trata", como dizia, num verso composto com límpida consciência em outro contexto, Idea Vilariño.

Notas:
[1] Varejo:   retalho
[2] Alckmin e Serra:   ex-governadores do estado de S. Paulo, ambos do PSDB
[3] Queima de arquivos:   execução de possíveis testemunhas
[4] PM:   Polícia Militar

Do mesmo autor em resistir.info: 
  Seria bom se fosse verdade

[*] Jornalista, brasileiro

O original encontra-se em anovademocracia.com.br/no-211/... 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

PORTUGAL | Acção Externa da Defesa Nacional


Em artigo publicado no jornal Observador de 12 de Maio, o Ministro da Defesa Nacional (MDN) desenvolve uma reflexão sobre a necessidade de ser produzida nova legislação que actualize e aglutine tudo o que envolve as múltiplas dimensões da denominada «acção externa da Defesa Nacional». 

Inês Pereira | AbrilAbril | opinião

Refere o MDN que: «(...) De modo bem diverso, aquilo que logo resulta da observação é uma série de regimes jurídicos algo desgarrados que regulam aquelas matérias, quase sempre surgidos num contexto histórico bastante marcado. A legislação relativa ao regime dos Adidos de Defesa remonta ao tempo do Conselho da Revolução, no início dos anos oitenta do século passado. E, tanto no que se refere à cooperação técnico-militar  (hoje, melhor se dirá cooperação no domínio da Defesa) como às regras aplicáveis às forças nacionais destacadas, trata-se, sempre, de diplomas antigos, nenhum deles com menos de duas décadas, é certo que com modificações mais recentes, mas sempre de natureza não substantiva.»

Dito assim, nada mais haveria a dizer a não ser: já peca por atraso. Contudo, no desenvolvimento do seu texto, o MDN, como se estivesse a subir uma escada em caracol, vai introduzindo concepções que, não sendo novas, justificam a crescente participação externa e a ideia de que Portugal defende os seus interesses «lá» onde a NATO e/ou a União Europeia considerem estar, e toma o Conceito Estratégico de Defesa Nacional como pilar referencial e não a Constituição da República.

Neste enquadramento, não se trata só de compilar e actualizar os dispositivos legais existentes. Trata-se de, aproveitando esse pretexto para ir mais longe, consolidar conceitos, incluindo no plano dos equipamentos a adquirir (LPM). Quando o MDN afirma que uma das questões mais fundamentais com que nos deparamos é a da necessidade de reforço da capacidade de exercício efectivo de jurisdição sobre os nossos espaços marítimos, é claro que a Marinha e a Força Aérea devem ter os meios que (...) permitam realizar esse desígnio.

Ora, importa não esquecer que os navios que percorrem as nossas águas possuem a nacionalidade do Estado cuja bandeira estejam autorizados a arvorar, devendo existir um vínculo substancial (genuine link) entre esse Estado e o navio. Este conceito de genuine link, consubstanciado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM art.º 94.º), traduz-se no princípio de que o Estado onde é efectuado o registo do navio deve exercer efectivamente a sua jurisdição e o seu controlo em matérias administrativas, técnicas e sociais, ou seja, a lei que lá vigora é a desse Estado.

Por exemplo, no plano de uma visita a bordo a CNUDM (art.º 110.º) estabelece as condições para que um navio de guerra possa exercer esse direito sobre um navio estrangeiro – prática de pirataria, tráfico de escravos, transmissões não autorizadas, navio sem nacionalidade, etc. Esta permissão de visita só é válida se os navios de guerra estiverem autorizados para o fazer, através de legislação nacional que não existe.

Ou seja, há várias situações onde é possível a intervenção de navios de guerra, mas isso tem de estar claramente tipificado em lei. O mesmo se coloca no que à fiscalização da pesca diz respeito, porque uma coisa é o flagrante delito e outra a fiscalização entendida como verificação.

Neste contexto, a vigilância dos espaços é uma tarefa de observação e recolha de informação, mas a fiscalização/inspecção não é permitida à Marinha enquanto ramo das Forças Armadas. Daqui decorre que aquilo que para o MDN é irreflectidamente adquirido, pode não o ser.

Na verdade, o modelo NAFO (Northwest Atlantic Fisheries Organization) é um bom exemplo a ter em conta: o navio é a plataforma utilizada para o efeito, sendo a responsabilidade das inspecções dos inspectores respectivos nele embarcados. Isto não retira ao comandante do navio nenhuma das suas responsabilidades sobre a condução, controlo e seguança do navio, nem o direito de vetar qualquer acção de fiscalização por razões de segurança ou outras, nem ao Comando Naval de exercer o seu papel de Comando e Controlo.

O que é certo e claro é que aquilo que se passar dentro da embarcação de pesca, em termos de inspecção, não é da responsabilidade destes dois comandantes.
Aliás, os Governos nacionais são sempre tão lestos em aplicar as regras e normas da UE, mas parece que aqui a regra faz excepção e, no entanto, não parece oferecer grande complexidade.

Como a competência da fiscalização no mar reside na AMN e a Marinha disponibiliza recursos humanos e materiais à AMN, a questão das unidades navais como plataforma está resolvido, sobra os agentes de fiscalização: embarque de inspectores da DGRM? Embarque de Policias Marítimos?

O mesmo princípio deve ser seguido nas restantes situações que se prendem com fiscalização em ambiente contra-ordenacional. E isto seguindo um racional que julgamos correcto, para se fiscalizar uma actividade, de conjugação de dois princípios: competência em função da matéria e do território; os Agentes da Fiscalização têm que estar, formalmente, em lei habilitante, investidos do poder de autoridade que os habilite a dar ordens aos cidadãos.

Reequipamento Militar

A lógica adiantada pelo MDN no que respeita ao reequipamento é linear: Portugal pode nesse âmbito desempenhar missões com as características X e Z logo, para essas missões, é necessário os equipamentos e armas H e K. Uma lógica que assumidamente secundarizará os meios e a sua sustentação para aquilo que são as missões fundamentais plasmadas na Constituição da República.

É o senhor ministro que no referido artigo afirma que: «Não serve de argumento, neste caso, alegar-se a recusa de um qualquer princípio de especialização, ou a defesa de capacidades tão transversais e omnívoras que permitam, num futuro eventual, acorrer indistintamente a todo o tipo de ameaças ou potenciais agressões. Realmente, do que se trata é de estabelecer prioridades, temporalizadas e hierarquizadas segundo um princípio de adequação a um fim.»

Ora, segundo esta abordagem, as prioridades não são congeminações teóricas e (sem por em causa uma regra de razoabilidade) também não deverão ter por objetivo satisfazer hipotéticas regras não escritas de equilíbrio aquisitivo entre os diferentes Ramos das Forças Armadas.

Trata-se de uma lógica que encaixa igualmente nas repetidas pressões por parte do Secretário de Defesa dos EUA, James Mattis para que os países europeus, desde logo os da UE, aumentem a sua capacidade em meios humanos e materiais e, sobretudo, a sua prontidão operacional.

Não temos dúvidas, repete-se, de que há matérias a rever e a clarificar de modo a que deixem de estar no domínio da leitura arbitrária do Chefe A ou B, com angustiantes mecanismos burocráticos também geradores de  injustiças. O caso recente do militar falecido no Mali cuja família quase um ano depois aguardava por saber e receber a pensão de sangue a que tem direito, é um exemplo.

Ou a situação de militares em navios (marinha) que partem para missões no âmbito de organizações internacionais, de vários meses, mas cujo entendimento é que só têm direito a receber o subsídio específico os dias em que se encontram a navegar; ou a escolha de militares com um alto padrão de qualificações para missões no âmbito da UE e cujo valor pago por pessoa é em função do respectivo nível de qualificação, sendo que o remanescente fica como receita para o ramo; ou missões com guarnições mistas, por exemplo militares e SEF, mas cujo valor do subsídio de uns e outros é diferenciado, enfim, há um sem número de situações que necessitam clareza.

Em muitos países um militar quando sai para uma missão externa, está na posse do conhecimento completo da sua situação quanto a vencimento, subsídios,  apoio na saúde, situação da família (cônjuge e filhos), etc. Por cá reina ainda a geometria variável e nalguns casos o «chico-espertismo».

Agora o que nos parece absolutamente inquestionável é que esse processo tenha sempre presente não a Constituição da República que cada um acha que devia ser, mas a Constituição da República que existe. 

Na foto: Elementos da 2.ª Força Nacional Destacada na Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana, à chegada ao Aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa. 5 de Março de 2018CréditosJosé Sena Goulão / Agência LUSA

António Saraiva «não admite» que o Parlamento faça mudanças ao acordo


António Saraiva lançou avisos aos deputados para que não mexam nas alterações à legislação laboral que os patrões e a UGT acertaram com o Governo do PS, em entrevista ao Jornal de Negócios e Antena 1.

O patrão dos patrões diz que o Governo deu garantias à CIP – Confederação Empresarial de Portugal «que não existiriam mais alterações à legislação laboral como os seus apoiantes parlamentares à esquerda querem fazer».

Saraiva acrescentou que não admite que o Parlamento assuma as suas competências legislativas e aprove qualquer coisa que não sejam as medidas que constam no acordo de concertação social.

O presidente da CIP justifica a sua posição com a «legitimidade» das organizações que subscreveram o acordo – no entanto, o texto que assinaram não vale nada sem a aprovação por parte da Assembleia da República, como aconteceu quando o Governo quis baixar as contribuições patronais para a Segurança Social como contrapartida para o aumento do salário mínimo.

Desta vez, o Executivo do PS está apostado em contar com o apoio da direita para fazer passar as suas propostas e o PSD e o CDS-PP já manifestaram disponibilidade para acompanhar as alterações.

As propostas vão a discussão no plenário da Assembleia da República a 6 de Julho, quando serão discutidas propostas do PCP, do BE, do PEV e do PAN, no sentido de revogar várias das alterações feitas à legislação laboral pelo anterior governo do PSD e do CDS-PP.

AbrilAbril | Foto: Miguel A. Lopes / Agência Lusa

A cacofonia do PSD


A última semana ofereceu-nos mais um sinal de um PSD desorientado e entregue a uma particularmente audível cacofonia. E no meio da confusão está precisamente o recentemente eleito líder Rui Rio.

Por um lado verificou-se falta de sintonia no que diz respeito à posição do partido sobre a luta dos professores. Por outro, essa falta de sintonia ainda é mais visível relativamente ao que deve o PSD fazer se os partidos de esquerda falharem um entendimento quanto ao próximo Orçamento de Estado.

Finalmente, a posição da bancada parlamentar do PSD relativamente à questão dos combustíveis foi outro pomo de discórdia, com Rui Rio visivelmente desagradado com a votação da redução do imposto sobre os combustíveis.

Depois deste contexto, torna-se por demais evidente que Rui Rio está longe de ser o líder mais ou menos consensual que o partido necessitava. De resto, anda meio-mundo preocupado com a saúde e futuro da “geringonça”, esquecendo-se de olhar para o estado de saúde do maior partido da oposição.

Já por aqui se escreveu que Rio é um líder de transição e também já por aqui se postulou a hipótese do PSD estar demasiadamente refém dos neoliberalismo de pacotilha inaugurado por Pedro Passos Coelho.

Nestas condições, torna-se demasiado intrincado para Rui Rio conseguir o que quer que seja com o partido. Ora, e como também já tinha percebido com a questão da eutanásia, a bancada do partido está muito longe de Rui Rio.

Nestas condições, resta muito pouco ao actual líder. Quanto aos outros, sobretudo aqueles que esperam pelo Messias, há sempre esperança de um regresso de Passos Coelho ou, em alternativa, qualquer coisa semelhante ao ex-líder do Partido. Na verdade, não é particularmente difícil encontrar quem possa preencher um lugar marcado pela mais indisfarçável mediocridade. Medíocres há muitos.

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

PORTUGAL | Estragos no elevador


Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgou um estudo sobre questões relativas à mobilidade social, que mereceu múltiplos comentários na comunicação social. O seu conteúdo concreto e o teor de opiniões expressas desafiaram-me a expor, neste limitado espaço, pequenas considerações sobre a matéria.

As barreiras entre classes sociais não são facilmente amovíveis. Grandes conquistas sociais e políticas ocorridas no último século e os resultados de fortes impulsos de transformação social em tempos concretos - como o que ocorreu em Portugal na sequência do 25 de Abril - propiciaram extraordinários avanços de mobilidade ascendente. Há, contudo, um acrescento a fazer: a reprodução social é bem mais forte do que a mobilidade. E há que não confundir melhorias nas condições objetivas de vida, de que milhões e milhões de seres humanos beneficiaram, com mobilidade social.

O elevador social que agora nos dizem estar muito avariado em Portugal tem um nome: democracia e Estado social. Foi a densidade dada à democracia e a implementação do Estado social que nos distanciaram de um passado próximo onde as barreiras de classe eram muito mais elevadas do que as atuais e estavam institucionalizadas, naturalizadas. "Haverá sempre ricos e pobres" - pregava-se em muitas igrejas e quase todos, mesmo os pobres, acenavam com a cabeça concordando, porque não dispunham de instrumentos necessários para conceber mudanças na sua condição.

A ideia de igualdade é para os portugueses nova. Ganhou forma com a democracia e com as instituições por ela criadas: i) a liberdade sindical, o direito à negociação coletiva, à greve e a uma legislação do trabalho moderna deram dignidade aos trabalhadores, valorizaram os seus salários, atualizaram a estrutura da economia; ii) o poder local democrático criou infraestruturas básicas imprescindíveis; iii) a escola pública de qualidade surgiu gratuita e para todos; iv) o Serviço Nacional de Saúde veio com acesso universal; v) os transportes e outros serviços garantiram direitos fundamentais aos portugueses em cidades, vilas e aldeias; vi) e também, em dimensão insuficiente, algumas políticas de habitação foram positivas.

Tudo isto são peças do elevador social. Quando uma se avaria, o elevador engasga-se. O que caracteriza o funcionamento do elevador é o facto de todas as suas peças existirem para aproximar, para incluir e não para dividir ou segregar.

O objetivo do pleno emprego, a valorização de profissões e carreiras profissionais, os direitos no trabalho, o acesso universal a proteção no desemprego ou na doença e o direito de todos a pensões de reforma ou a prestações sociais aproximaram, porque impediram que os rendimentos do trabalho e do capital evoluíssem em rota de divergência e porque visaram sempre a harmonização no progresso. Nas últimas décadas assistimos à imposição de argumentos e práticas que em nome da crise, da globalização, da competitividade, ou de qualquer comportamento pontual desviante colocam quem usufrui de algo mais do que mínimos como privilegiado e promovem a harmonização no retrocesso.

O SNS empurrou o elevador ao ter como objetivo e prática servir todos os portugueses sem distinção. Mas agora está a definhar porque interesses privados o parasitam e querem acantoná-lo à condição de serviço apenas para pobres.

A escola pública puxou o elevador universalizando-se e qualificando-se e porque nela se encontraram crianças e jovens de (quase) todas as classes sociais. Entretanto, a escola não ajudará à mobilidade se não for capacitada para o ensino pré-escolar, se continuarmos a ter apenas um terço dos jovens a ingressar na Universidade quando o futuro exige bases amplas de conhecimento, ou se desprestigiarmos os professores.

As políticas de habitação integraram quando impediram a expulsão das pessoas dos seus bairros a não ser para lhes dar dignidade e quando evitaram a construção de bairros segregados. Hoje, os custos da habitação atrofiam a vida de imensos portugueses, em particular dos jovens.

A liberalização da economia sem limites e o capitalismo financeiro produzem ricos mas não riqueza partilhada, tornam o piso mais pegajoso em baixo e em cima.

* Investigador e professor universitário

EUA: a armadilha da dívida conduz à espiral da morte


F. William Engdahl [*]

A economia dos EUA e suas estruturas financeiras nunca recuperaram do grande colapso financeiro de 2008 apesar de dez anos já se terem passado. Provocou pouca discussão o facto de que no ano passado o Congresso republicano tenha abandonado o processo de cortes orçamentais obrigatórios ou retenção automática que havia sido votado numa débil tentativa de travar a ascensão dramática da dívida do governo estado-unidense. Isso foi simplesmente um factor adicional no que logo seria reconhecido como uma clássica armadilha da dívida. O que está agora a avultar não apenas sobre a economia dos EUA mas também sobre o sistema financeiro global é uma crise que poderia resultar no fim do sistema dólar pós 1944.

Primeiramente, alguns antecedentes básicos. Quando o presidente Nixon, por conselho de Paul Volcker, então secretário do Tesouro, anunciou em 15 de Agosto de 1971 o fim unilateral do sistema ouro-dólar de Bretton Woods, para substituí-lo por um dólar flutuante, economistas de Washington e banqueiros da Wall Street perceberam que o papel único do US dólar como divisa de reserva principal mantida por todos os bancos centrais e a divisa para o comércio mundial, especialmente petróleo, dava-lhes algo que parecia ser uma prenda do paraíso monetário.

Enquanto o mundo precisasse de US dólares, Washington podia incorrer em défices governamentais infindáveis. Bancos centrais estrangeiros, especialmente o Banco do Japão na década de 1980 e, desde a viragem do século, o Banco Popular da China, teriam pouca opção senão reinvestir seu excedente comercial ganho em dólares em títulos do Tesouro dos EUA com juros e classificação AAA. Este perverso sistema dólar permitiu a Washington financiar suas guerras em lugares distantes como o Afeganistão ou Iraque com o dinheiro de outros povos. Durante a administração de George W. Bush, quando o défice orçamental de Washington excedia anualmente um milhão de milhões (trillion) de dólares, o vice-presidente Dick Cheney brincou cinicamente: "a dívida não importa; Reagan provou isso". Até certo ponto, assim parecia. Agora estamos a ficar perigosamente próximos daquele "ponto" em que a dívida importa.
Ascensão da dívida federal 

Falando na generalidade, há três grandes divisões da dívida medida na economia dos EUA. A dívida federal de Washington, a dívida corporativa e a dívida privada familiar. Hoje, devido em grande parte a dez anos de taxas de juro historicamente baixas a seguir à maior crise financeira da história – a crise sub-prime de 2007-2008 que se tornou uma crise sistémica global depois de Setembro de 2008 – todos os três sectores contraíram empréstimos contraíram empréstimos como se não houvesse amanhã devido às taxas de juro quase zero do Federal Reserve e às suas várias Facilidades Quatitativas (Quantitative Easings). Nada de tão radical pode perdurar para sempre.

Desde que irrompeu a crise financeira em 2008 a dívida federal dos EUA mais do que duplicou, de US$10 milhões de milhões para mais de US$21 milhões de milhões hoje. Mas estas condições foram tornadas manejáveis por uma política de emergência do Federal Reserve que tratou da crise financeira e bancária através da compra anual de quase US$500 mil milhões daquela dívida. Grande parte do remanescente foi comprada pela China, Japão e mesmo a Rússia e Arábia Saudita. Além disso os níveis de dívida foram restringidos pelos tectos bipartidários de gastos estabelecidos no Budget Control Act de 2011 que mantiveram défices recentes parcialmente sob controle.

Agora as condições da futura dívida federal e do crescimento do défice estão pré-programadas para crise sistémica ao longo dos próximos vários anos.

O desastre do "Trumponomics" 

A teoria económica do Trump Tax Cuts Act de 2017, assinado em Dezembro, corta dramaticamente certos impostos sobre corporações de negócios de 35% para 21%, mas não compensou isso com aumentos de receitas alhures. A promessa é de que impostos menores incitarão o crescimento económico. Trata-se de um mito sob as presentes condições económicas e o fardo sobre o público em geral e privado torna-se mais pesado. Ao invés disso, a nova lei fiscal, assumindo condições económicas ideais, diminuirá as receitas expectáveis num total de US1 milhão de milhões ao longo dos próximos 10 anos . Se a economia entrar em recessão severa, o que é altamente provável, as receitas fiscais afundarão e os défices explodirão ainda mais.

Assim, o que o novo corte fiscal de Trump fará é aumentar dramaticamente a dimensão do défice orçamental anual dos EUA. O Congressional Budget Office estima que já no Ano Fiscal de 2019 o défice anual que deve ser financiado pela dívida atingirá US$1 milhão de milhões. Por sua vez o Treasury Borrowing Advisory Committee espera emissões de dívida governamental de US$955 mil milhões para o Ano Fiscal de 2018, a comparar com os US$519 mil milhões no Ano Fiscal de 2017. Assim, o défice nos Anos Fiscais de 2019 e 2020 excederá US$1 milhão de milhões. Em 2028, daqui a dez anos, sob suposições económicas moderadas, a dimensão da dívida federal dos EUA ascenderá a um montante insustentável de US$34 milhões de milhões, a comparar com os US$21 milhões de milhões actuais, e o défice em 2028 excederá os US$1,5 milhão de milhões. E só neste ano de 2018, com taxas de juro historicamente baixas, o custo dos juros só sobre o total da dívida federal atingirá os US$500 mil milhões.

Tomadores de empréstimos zumbis ... bombas relógio 

Agora, após quase uma década de sem precedentes baixas de juro para o salvamento externo (bail out) da Wall Street e para criar nova inflação de activos em acções, títulos e habitação, o Fed está nas etapas iniciais daquilo que alguns chamam Endurecimento Quantitativo (Quantitative Tightening, QT). As taxas de juro estão a subir e assim foi durante o ano passado, até agora muito gradualmente pois o Fed está a ser cauteloso. Contudo, o Fed continua a elevar as taxas e agora os Fundos do Fed posicionam-se nos 1,75% depois de há aproximadamente dez anos estarem efectivamente em zero. Se eles travassem agora isto assinalaria um pânico de mercado que o Fed sabe que seria muito pior do que diz.

Porque nunca na sua história o Federal Reserve entregou-se a um tal experimento monetário com taxas de juro tão baixas por tanto tempo, os efeitos da reversão também estão em vias de serem sem precedentes. No início da crise financeira de 2008 as taxas do Fed estavam em torno dos 5%. Isso é o que o Fed está a pretender para retornar ao "normal". Contudo, com a subida das taxas de juro, o sector mais do crédito, o assim chamado non-investment gradeou "junk bonds" enfrenta incumprimentos estilo dominó.

A Classificação de Crédito da Moody's acaba de emitir uma advertência de que, excepto por alguma espécie de milagre, quando as taxas de juro dos EUA sobem, e estão a subir, até 22% das corporações estado-unidenses que estão a ser mantidas vivas através da contracção de empréstimo a taxas historicamente baixas, não só no petróleo de xisto (shale oil) mas também na construção e nos serviços público, as chamadas corporações "zumbi", enfrentarão uma avalanche de incumprimentos em massa da sua dívida. O Moody's escreve que, "baixas taxas de juros e o apetite do investidor por rendimentos (yields) pressionaram companhias a emitir montanhas de dívida que apresentam níveis de protecção comparativamente baixos para investidores". O relatório da Moody's prossegue declarando alguns números alarmantes: desde 2009, o nível das companhias globais não-financeiras classificadas como lixo ascendeu 58%, o que representa US$3,7 milhões de milhões em dívida pendente, o mais alto nível de sempre. Cerca de 40%, ou US$2 milhões de milhões, são classificadas como B1 ou mais baixo. Desde 2009, a dívida corporativa dos EUA aumentou 49%, atingindo um recorde total de US$8,8 milhões de milhões. Grande parte daquela dívida foi utilizada para financiar recompras de acções pelas companhias a fim de promoverem o seu preço em bolsa, a razão principal para a sem precedente bolha de mercado das acções na Wall Street.

No total, 75% do gasto federal é economicamente não produtivo, incluindo os militares, o serviço da dívida, a segurança social. Ao contrário da Grande Depressão durante os anos 1930, quando os níveis da dívida federal eram quase nulos, hoje a dívida é de 105% do PIB e está em ascensão. O gasto na infraestrutura económica nacional, incluindo o Tennessee Valley Authority e uma rede de barragens e outras infraestruturas construídas pelo governo federal, resultou no grande boom económico da década de 1950. Mas gastar US$1,5 milhão de milhões num disfuncional programa do jacto F-35 para todas as finalidades não fará isso.

Nesta situação precária Washington está a fazer o melhor que pode para hostilizar os próprios países de que precisa para financiar estes défices e comprar a dívida dos EUA – China, Rússia e mesmo Japão. Quando investidores financeiros pedirem mais juros para investir em dívida dos EUA, as taxas mais altas dispararão a avalanche de incumprimentos adverte a Moody's. Isto é o pano de fundo real das perigosas acções de política externa dos EUA no período recente. Ninguém em Washington parece preocupar-se e isso é o facto alarmante.

01/Junho/2018

[*] Consultor de risco estratégico e conferencista, autor de obras sobre petróleo e geopolítica.

O original encontra-se em https://journal-neo.org/2018/06/01/usa-in-a-debt-trap-death-spiral/ 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

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