É tentador tripudiar por o
suposto "mestre negociador" ter desistido temporariamente de seu
muro. Considerando-se o sofrimento causado pelo "shutdown" parcial,
porém, ninguém está saindo vencedor, opina Michael Knigge.
O presidente americano, Donald
Trump, precisou de 35 dias para assinar um projeto de lei que poderia ter tido
desde antes do Natal. Antes que ele se retirasse da mesa de negociações, em
dezembro último, já fora proposto um acerto similar para se financiar temporariamente
o governo, mas não o triturador de verbas públicas predileto de Trump, o muro
na fronteira com o México.
Na época, o negociador-chefe
gabou-se, numa reunião no Salão Oval, de que estaria "orgulhoso de fechar
o governo" se não obtivesse verbas para seu muro. Por fim, após mais de um
mês de shutdown, ele anunciou um acordo que os democratas estavam
oferecendo desde o início: dissociar por um breve período os financiamentos do
governo e do muro, enquanto se negocia sobre a segurança de fronteiras. O
republicano se opunha consistentemente à ideia – até que parou de se opor e de
repente, na sexta-feira (25/01), capitulou.
Alguns de seus detratores podem
sentir-se tentados a tripudiar sobre "o melhor negociador do mundo" e
seu fracasso em obter financiamento para seu muro de fronteira. Mas tal seria
altamente impróprio diante do sofrimento desnecessário que ele causou a tantos,
durante a mais longa paralisação na história dos Estados Unidos.
O inconsequente anúncio do shutdown
parcial por ele, logo antes do Natal, significou para 800 mil funcionários
públicos e suas famílias terem que se virar sem salário por mais de um mês.
Para não falar dos mais de 1 milhão de contratados pelo governo e que, ao
contrário dos funcionários, não receberão qualquer pagamento retroativo.
Até hoje Trump e membros de
gabinete bilionários como o secretário do Comércio Wilbur Ross não foram
capazes de compreender quão devastador foi seu frívolo para os muitos baixos
assalariados, tanto funcionários como contratados, e suas famílias. deles
tiveram que recorrer a cantinas para comer e procurar trabalho paralelo,
enquanto muitas vezes eram forçados a se apresentar no emprego sem pagamento.
Quanto mais se estendeu, mais a
paralisação trumpista colocou em perigo milhões de cidadãos, em numerosos
aspectos da vida quotidiana. Para mencionar uns poucos: abastecimento e
segurança alimentar, inspeções alfandegárias, segurança nas viagens aéreas, e
portanto segurança nacional como um todo – exatamente aquilo que Trump afirmava
estar promovendo com sua obstinada insistência na construção de um muro de
fronteira.
Lembremos, ainda, que a palhaçada
do shutdown foi mais um severo golpe na já abalada noção de que um
posto público, embora pagando menos do que um emprego no setor privado, ao menos
representa uma fonte de renda mais confiável.
Assim, os milhões que foram
afetados se deparam com uma solução temporária, tendo a ameaça do possível
próximo shutdown apenas três semanas adiante. Mas isso não é nada de
novo para Donald Trump, um homem que, ao longo de sua carreira, jogou com o
dinheiro e o bem-estar alheio sem o menor problema, contanto se fosse para
engordar os próprios lucros.
Agora se pode especular o que
levou Trump a se render: se o cancelamento do discurso sobre o Estado da União;
o iminente colapso das viagens aéreas em algumas cidades-chave dos EUA; se foi
simplesmente uma manobra para desviar a atenção do indiciamento de seu camarada
Roger Stone; se sua quota de aprovação minguante; a pressão dos parlamentares
republicanos – ou se tudo isso junto.
Mas trata-se de um exercício de
futilidade: ninguém sabe o que se passa realmente na mente de Trump. Em vez
disso, aproveitemos esta breve trégua para agradecer a todos os funcionários do
governo que, ao longo de toda essa paralisação, sofreram em nome de sua
dedicação a manter o país em funcionamento, apesar dos caprichos presidenciais.
Vamos torcer – se é para
esse shutdown ter qualquer consequência de longo prazo – que os
americanos, sobretudo os diretamente afetados, lembrem quem se gabou de que
teria orgulho de paralisar o governo. Torçamos para que os americanos lembrem
do impiedoso e cruel presidente, disposto a jogar com as vidas e a subsistência
alheia por um inútil muro que, no fim das contas, ele não conseguiu. Haverá uma
prova de mau caráter mais condenadora do que essa?
Michael Knigge | Deutsche Welle
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