quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Moçambique | Denúncia de tortura contra jornalista Amade Abubacar: "Já suspeitávamos"


O jornalista moçambicano Amade Abubacar diz que foi torturado por militares, depois de ser detido a 5 de janeiro na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique. MISA-Moçambique insiste na libertação de Abubacar.

Amade Abubacar está detido há mais de três semanas, acusado de violação de segredo de Estado e de instigação pública com recurso a meios informáticos.

O jornalista foi detido na vila de Macomia, província de Cabo Delgado, quando fotografava famílias que fugiam da região com medo de ataques. E, durante uma visita da comissão dos direitos humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique, denunciou que foi torturado por militares.

"Na conversa que tivemos na cadeia, Amade Abubacar contou que recebeu seis chambocadas de alguns militares quando esteve no quartel de Mueda, mas disse que não foi durante o interrogatório", afirmou Ricardo Moresse, presidente da comissão dos direitos humanos, citado pelo diário moçambicano "O País".

Em entrevista à DW, Fernando Gonçalves, presidente do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA) - Moçambicano, diz que já suspeitava de que isso pudesse ter acontecido.
Amade Abubacar esteve detido durante 13 dias no quartel de Mueda, incomunicável e sem acesso a advogado. "Isto é contra as nossas leis", frisa Gonçalves.

Na semana passada, um porta-voz do Tribunal Judicial de Cabo Delgado anunciou que Amade Abubacar deveria aguardar julgamento em prisão preventiva, por receio de que pudesse "perturbar a investigação". Mas o MISA-Moçambique insiste na libertação do jornalista.

DW África: O jornalista Amade Abubacar denunciou que foi torturado por militares, segundo a comissão dos direitos humanos da Ordem dos Advogados, citada pelo jornal "O País". Que informações tem sobre esta situação?

Fernando Gonçalves (FG): A comissão dos direitos humanos da Ordem dos Advogados, que foi visitar Amade Abubacar [à prisão], não nos deu esse relato. Tivemos conhecimento através desse mesmo meio, e condenamos completamente esse tipo de atuações. Aliás, já suspeitávamos, porque Abubacar ficou em prisão num quartel militar durante 13 dias, e isto é contra as nossas leis. A legislação não permite que autoridades militares tenham sob sua custódia cidadãos civis. Por outro lado, entendemos que, havendo alegaões de que Amade Abubacar foi torturado, isso implica que a confissão (se é que há confissão), que a acusação pretenda usar em tribunal, foi obtida por meios ilegais. Essa confissão não deve ser admissível. E nós, através do nosso advogado, vamos levantar este assunto no fórum e momento apropriados.

DW África: A defesa apresentou um pedido de libertação, sob caução. Há perspetivas de que Amade Abubacar seja libertado?

FG: Por lei, ele preenche todos os requisitos necessários para aguardar julgamento em liberdade. Nós esperamos que o tribunal decida favoravelmente sobre isso, mas não temos ainda resposta. Aguardamos serenamente que nos seja dada uma resposta definitiva.

DW África: Amade Abubacar é acusado de violar o segredo de Estado e de instigação pública com recurso a meios informáticos. Emília Moiane, diretora do Gabinete de Informação de Moçambique (GABINFO), disse entretanto que não haveria evidências de que Amade Abubacar estaria a fazer trabalho jornalístico quando foi detido. Como é que comenta estas palavras?

FG: Primeiro, essas acusações são, para nós, uma fantasia. E, depois de uma pessoa ter ficado 13 dias em reclusão militar, este processo não tem qualquer credibilidade. Quanto às declarações da diretora do GABINFO, penso que o ponto é que a nossa Lei de Imprensa é clara sobre quem é jornalista. É jornalista aquele que recolhe, processa e transmite informação, e isso é uma atividade regular e remunerada. Não importa se a pessoa trabalha no jornal "A" ou "B", o que importa é o que a pessoa faz. Para todos os efeitos práticos, Amade Abubacar era jornalista do Instituto de Comunicação Social (ICS). Eu, pessoalmente, falei com o delegado do ICS em Pemba e não fiquei com a impressão de que ele já não fosse trabalhador do instituto. Mas, mesmo que ele não fosse trabalhador do ICS, ele estava a recolher informação para utilização por um órgão de informação e qualifica-se perfeitamente como jornalista, à luz da nossa Lei de Imprensa.

DW África: A comissão dos direitos humanos da Ordem dos Advogados falava em possível "influência política" neste caso. Concorda?

FG: Não direi taxativamente que há influência política, ou não, mas sinto que há alguma coisa que não está a ficar clara. Sinto que há um esforço enorme de impedir que os jornalistas tenham acesso a várias partes da província de Cabo Delgado. O que se pretende com isso? Não tenho a mínima ideia… Agora, também há uma questão que temos notado com alguma tristeza, que é a utilização de órgãos de Comunicação Social do Estado para fazer uma vigorosa campanha de propaganda contra Amade Abubacar sobre este caso, quase que obrigando-o a ter de provar a sua inocência. Mas não é isso que tem de acontecer: o que tem de acontecer é que os acusadores têm de provar que Amade Abubacar é, de facto, aquilo de que é acusado.

Guilherme Correia da Silva | Deutsche Welle

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