O jornalista moçambicano Amade
Abubacar diz que foi torturado por militares, depois de ser detido a 5 de
janeiro na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique. MISA-Moçambique insiste
na libertação de Abubacar.
Amade Abubacar está detido
há mais de três semanas, acusado de violação de segredo de Estado e de
instigação pública com recurso a meios informáticos.
O jornalista foi detido na vila
de Macomia, província de Cabo Delgado, quando fotografava famílias que fugiam
da região com medo de ataques. E, durante uma visita da comissão dos direitos
humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique, denunciou que foi torturado por
militares.
"Na conversa que tivemos na
cadeia, Amade Abubacar contou que recebeu seis chambocadas de alguns militares
quando esteve no quartel de Mueda, mas disse que não foi durante o
interrogatório", afirmou Ricardo Moresse, presidente da comissão dos direitos
humanos, citado pelo diário moçambicano "O País".
Em entrevista à DW, Fernando
Gonçalves, presidente do Instituto de Comunicação Social da África Austral
(MISA) - Moçambicano, diz que já suspeitava de que isso pudesse ter acontecido.
Amade Abubacar esteve detido
durante 13 dias no quartel de Mueda, incomunicável e sem acesso a advogado.
"Isto é contra as nossas leis", frisa Gonçalves.
Na semana passada, um porta-voz
do Tribunal Judicial de Cabo Delgado anunciou que Amade Abubacar deveria
aguardar julgamento em prisão preventiva, por receio de que pudesse "perturbar
a investigação". Mas o MISA-Moçambique insiste na libertação do
jornalista.
DW África: O jornalista Amade
Abubacar denunciou que foi torturado por militares, segundo a comissão dos
direitos humanos da Ordem dos Advogados, citada pelo jornal "O País".
Que informações tem sobre esta situação?
Fernando Gonçalves (FG): A
comissão dos direitos humanos da Ordem dos Advogados, que foi visitar Amade
Abubacar [à prisão], não nos deu esse relato. Tivemos conhecimento através
desse mesmo meio, e condenamos completamente esse tipo de atuações. Aliás, já
suspeitávamos, porque Abubacar ficou em prisão num quartel militar durante 13
dias, e isto é contra as nossas leis. A legislação não permite que autoridades
militares tenham sob sua custódia cidadãos civis. Por outro lado, entendemos
que, havendo alegaões de que Amade Abubacar foi torturado, isso implica que a
confissão (se é que há confissão), que a acusação pretenda usar em tribunal,
foi obtida por meios ilegais. Essa confissão não deve ser admissível. E nós,
através do nosso advogado, vamos levantar este assunto no fórum e momento
apropriados.
DW África: A defesa apresentou um
pedido de libertação, sob caução. Há perspetivas de que Amade Abubacar seja
libertado?
FG: Por lei, ele preenche
todos os requisitos necessários para aguardar julgamento em liberdade. Nós
esperamos que o tribunal decida favoravelmente sobre isso, mas não temos ainda
resposta. Aguardamos serenamente que nos seja dada uma resposta definitiva.
DW África: Amade Abubacar é
acusado de violar o segredo de Estado e de instigação pública com recurso a
meios informáticos. Emília Moiane, diretora do Gabinete de Informação de
Moçambique (GABINFO), disse entretanto que não haveria evidências de que Amade Abubacar estaria a fazer
trabalho jornalístico quando foi detido. Como é que comenta estas
palavras?
FG: Primeiro, essas
acusações são, para nós, uma fantasia. E, depois de uma pessoa ter ficado 13
dias em reclusão militar, este processo não tem qualquer credibilidade. Quanto
às declarações da diretora do GABINFO, penso que o ponto é que a nossa Lei de
Imprensa é clara sobre quem é jornalista. É jornalista aquele que recolhe,
processa e transmite informação, e isso é uma atividade regular e remunerada.
Não importa se a pessoa trabalha no jornal "A" ou "B", o
que importa é o que a pessoa faz. Para todos os efeitos práticos, Amade
Abubacar era jornalista do Instituto de Comunicação Social (ICS). Eu,
pessoalmente, falei com o delegado do ICS em Pemba e não fiquei com a impressão
de que ele já não fosse trabalhador do instituto. Mas, mesmo que ele não fosse
trabalhador do ICS, ele estava a recolher informação para utilização por um
órgão de informação e qualifica-se perfeitamente como jornalista, à luz da
nossa Lei de Imprensa.
DW África: A comissão dos
direitos humanos da Ordem dos Advogados falava em possível "influência
política" neste caso. Concorda?
FG: Não direi taxativamente
que há influência política, ou não, mas sinto que há alguma coisa que não está
a ficar clara. Sinto que há um esforço enorme de impedir que os jornalistas
tenham acesso a várias partes da província de Cabo Delgado. O que se pretende
com isso? Não tenho a mínima ideia… Agora, também há uma questão que temos
notado com alguma tristeza, que é a utilização de órgãos de Comunicação Social
do Estado para fazer uma vigorosa campanha de propaganda contra Amade Abubacar
sobre este caso, quase que obrigando-o a ter de provar a sua inocência. Mas não
é isso que tem de acontecer: o que tem de acontecer é que os acusadores têm de
provar que Amade Abubacar é, de facto, aquilo de que é acusado.
Guilherme Correia da Silva |
Deutsche Welle
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