Jorge Rocha* | opinião
Se acreditasse em bruxas eu diria
que tudo teria começado à beira de um caldeirão com um espírito malfazejo
a misturar asas de morcego, veneno de cobra e pele de lagarto,
juntamente com outros ingredientes que resultassem no surgimento de novíssimos
e reivindicativos sindicatos dispostos a azucrinarem a paciência aos partidos
das esquerdas em geral, e ao governo em particular.
Como não acredito em bruxas
parece-me evidente outra explicação: existe quem à direita ande a observar os
comportamentos sociais e a conjeturar formas de os explorarem a seu favor. Não
importa que essas lutas façam de enfermeiros ou de camionistas aguerridos soldados
de uma guerra cujos objetivos só são do conhecimento dos seus generais. Que a
bastonária dos primeiros tem claros intuitos partidários na forma como usa e
abusa dos meios colocados à sua disposição pela Ordem, que tomou de assalto, já
poucos duvidarão. Que estes camionistas surjam representados por um advogado,
igualmente apresentado como vice-presidente da Associação sindical - será que
concilia a atividade na barra dos tribunais com o volante de algum pesado de
mercadorias? - diz muito sobre o que aqui está em causa. Sobretudo
quando uma breve consulta na internet dá para perceber que, além de partilhar
um blogue com Bruno de Carvalho - e bem sabemos quanto a ultradireita na
sua principal claque foi acarinhada no seu consulado à frente do Sporting - também
o vemos como especialista na área dos investimentos financeiros.
Estamos, pois, perante uma
estratégia concertada em vários setores de atividade para utilizar o
neossindicalismo como veículo de movimentos inorgânicos numa variante dos
coletes amarelos, com quem estes grupos parecem inquietantemente aparentados.
Daí que faça votos para que o apelo à serenidade por parte de António Costa
seja mais questão de retórica do que real. Porque os perigos inerentes a estes
movimentos são demasiado sérios para que sejam encarados com passiva
complacência. Até porque não esquecemos Salvador Allende e a forma como
motoristas de pesados foram arregimentados para prepararem o clima propício ao
golpe de Estado, que poria Pinochet à frente de odiosa ditadura.
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