segunda-feira, 22 de julho de 2019

Angola | O lento reerguer


Víctor Silva | Jornal de Angola | opinião

Os problemas estruturais do país são de tal monta que os planos para sairmos do subdesenvolvimento ainda vão demorar algum tempo, mesmo se, em determinadas ocasiões e sectores, se projecte queimar etapas para mais rapidamente se atingir o grau de desenvolvimento compatível com o século em que vivemos.

O país ainda enfrenta dificuldades básicas que o colocam em lugares pouco abonatórios no Índice de Desenvolvimento Humano, que vão desde os graus de mortalidade materno-infantil, por doenças preveníveis, como a malária e a cólera, além de uma assistência de saúde e um sistema de educação carentes de quase tudo, à ausência de saneamento básico e de infra-estruturas que permitam o funcionamento pleno da economia e com ele a empregabilidade e a obtenção de rendimento, que reduz os níveis de pobreza que ainda possuímos.

A vida faz-se olhando para a frente, de pouco valendo chorar sob o leite derramado, embora a memória não deva ser apagada porque para haver um futuro, vive-se hoje um presente que sucedeu a um passado que não pode ser ignorado. O conflito militar já lá vai, mas muitos dos males actuais ainda resultam das feridas que abriu e que demoram a cicatrizar, a começar mesmo pelo factor humano, ponto de partida e chegada de todas as acções.

O sequestro de largas franjas da população e a destruição das principais infra-estruturas em todo o território nacional provocaram um fenómeno migratório do campo para as cidades, que se mantém até aos dias de hoje, mais de 15 anos depois do cessar das hostilidades militares. As cidades estão superlotadas, o campo está abandonado e esse vazio é preenchido por cidadãos estrangeiros, muitos deles vítimas de tráfico humano, que se apoderam ilicitamente das nossas riquezas e que as operações de limpeza que as autoridades vêm levando a cabo, mal consegue estancar tal a vulnerabilidade das nossas extensas fronteiras e a organização das máfias de traficantes, com apoio local, como é evidente.

Essa realidade, somada a uma megalomania que se enraizou entre nós, aprofundou as assimetrias regionais e potenciou a migração porque se criou a ideia ilusória que o país era Luanda e a capital a sua Marginal. Quase todos os projectos eram direccionados para Luanda e em menor escala para as demais capitais provinciais e não espanta, pois, que dois terços da actual população angolana viva na capital. 

Infelizmente, os projectos megalómanos ficavam-se pela Baixa e arredores dos novos condomínios, esquecendo-se dos problemas e das condições em que se vive na maioria dos bairros da cidade, crescida desordenadamente e onde falta tudo, desde a água à energia e os esgotos, passando pela segurança, para não falar dos centros médicos ou das escolas e, muito menos, de áreas e equipamentos de lazer e lúdicos.

Por isso, não estranha que por muitos que sejam os esforços do Governo para contrariar essa realidade os resultados pareçam paliativos, porque há necessidades crescentes dos cidadãos cada vez em maior número. As crises económicas internacionais que alguns iluminados da época diziam não afectar Angola, conjugadas com politicas erradas, com a mania das grandezas e a selvática acumulação primitiva de capital, que quase institucionalizou a corrupção e a impunidade, acentuaram as fragilidades de um falso gigante de pés de barro que hoje se confronta com níveis preocupantes de desemprego, pobreza, mesmo, e fome, estagnação económica e de provimento de serviços básicos.

“A vida faz-se nos municípios!” O slogan resgatado na propaganda do passado está a animar o Programa Integrado de Intervenção dos Municípios (PIIM) e abre uma janela de esperança na inversão das políticas de desenvolvimento nacional, combatendo as assimetrias regionais, sociais e outras. Problemas burocráticos podem atrasar a sua implementação pela disponibilidade das verbas previstas, mas há que ter em atenção que não basta repor ou criar equipamentos sociais e outros para que a situação se altere: são necessárias, paralelamente, medidas de incentivo para o relançamento da actividade produtiva para que a economia possa, efectivamente, começar a reerguer-se sem ser através do quase único produto de exportação actual, que é o petróleo, no qual também são necessários grandes investimentos para que possa manter-se como alavanca da restante cadeia de produção e serviços.

A governação de proximidade que o Presidente João Lourenço tem vindo a incentivar não pode, nem deve, ser exclusiva dele. Todos os servidores públicos devem abraçar a causa e arregaçar as mangas das camisas , abandonarem os fatos e gravatas e os gabinetes de ar condicionado na capital e irem conhecer o país real. aquele que não se compadece com discursos bonitos e que agonia nas dificuldades, muitas delas com soluções simples desde que encaradas com seriedade e responsabilidade. 

Seriedade e responsabilidade não se compadecem com o “deixa andar” que levou o país à situação actual, com milhentos de projectos por concluir ou sequer iniciados depois de consumirem milhões e milhões, uma boa parte a abarrotar as contas de uma elite depravada que não desiste de colocar obstáculos aos esforços que vão sendo feitos para minimizar as carências dos cidadãos. E isso não se reflecte apenas nos salões dos grandes decisores, estendendo-se a muitos funcionários dos escalões intermédios que também ainda não se conformaram com a nova realidade e insistem nas práticas ilícitas como se viu, por exemplo, no caso de distribuição de água em Luanda.

Corrigir o que está mal ainda vai levar tempo e a justiça não pode esmorecer no seu papel de mediação das relações sociais, actuando com firmeza contra aqueles que persistem na ilicitude em proveito próprio ou de grupos e em detrimento da maioria dos cidadãos.

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