Em Moçambique, o Observatório do
Meio Rural aponta a pobreza como uma das possíveis causas dos ataques
armados em Cabo Delgado. E recomenda o diálogo e políticas de
inclusão social contra a violência.
A província nortenha de Cabo
Delgado está a ser alvo de ataques armados desde outubro de 2017,
que ainda não foram reivindicados. Os ataques provocaram já pelo
menos duas centenas de mortos, alguns dos quais decapitados, milhares de
deslocados e centenas de casas incendiadas.
O Observatório do Meio Rural
realizou um estudo sobre este fenómeno que atinge vários distritos de Cabo
Delgado, província onde se localiza um dos maiores projetos de exploração de
gás natural, no norte moçambicano.
Um dos autores do estudo, o
investigador João Feijó, disse à DW África que em Cabo Delgado reuniram-se
algumas condições para que despoletassem tensões violentas.
"Em primeiro lugar,
fenómenos de pobreza que já se prolongam há muitos anos. Mas depois, nos
últimos 10 anos assiste-se a uma grande euforia em torno da exploração de
recursos naturais", explicou Feijó, acrescentando que "estas
descobertas precipitaram muita gente para Cabo Delgado, aumentaram as
desigualdades sociais, algumas pessoas ganharam com aquilo, houve uma grande
pressão sobre terrenos e as populações locais grande parte delas não
beneficiaram com isto".
"Foram criadas expetativas
iniciais muito grandes, as pessoas pensavam que aquilo ia ser no curto prazo,
não foi", pontuou.
Desigualdades
João Feijó apontou ainda a
existência de desigualdades étnico-linguísticas. A zona onde se registam os
ataques é predominante da etnia Mwani, um grupo que se considera vítima de
estigmatização.
O investigador ressaltou também a
existência de movimentos hiperradicais e hiperextremistas islâmicos que
utilizam interpretações fanáticas do alcorão, a existência de jovens que
estudaram no golfo pérsico e que no regresso ao país não encontraram
enquadramento nas mesquitas, e ainda conflitos entre várias facções reclamando
autoridade sobre o islão.
Comentando esta semana sobre os
ataques armados em Cabo Delgado, a Procuradora-Geral Adjunta da
República, Amébia Chuquela, disse existirem sinais e indicações que podem levar
mais tarde a afirmar que se está em face de terrorismo ou de extremismo
violento.
"Nós só podemos resolver a
questão de Cabo Delgado se nós começarmos também a pensar em investir nos
órgãos que estão aqui no terreno a fazer a investigação, a fazer a prossecução
e a fazer o julgamento destes casos", afirmou Chuquela.
Reforço institucional
O reforço institucional de
organizações relacionadas com a investigação criminal e Justiça constitui uma
das recomendações do estudo do Observatório do Meio Rural, o qual defende,
igualmente, que importa repensar a estratégia de aposta numa única solução: a
militar. "Acho que a via militar pode criar mais ressentimentos entre as
populacoes", considerou o investigador João Feijó.
"Acredito que isto aqui
implica negociações, implica um reforço positivo desta
população no sentido de inclusão social, politicas de emprego, politicas
formação, de educação. Portanto, é preciso haver um grande investimento naquela
zona. Acredito que é preciso que haja amnistias para estas populações
entregarem as armas".
Por seu turno, a
Procuradora-Geral Adjunta da República, Amabélia Chuquela, alerta
que "se nós não conseguirmos controlar a tempo e não investirmos
exatamente na prevenção e na repressão este fenómeno pode alastrar-se para
outras províncias".
O investigador João Feijó
partilha do mesmo ponto de vista: "Até a alta Zambézia encontramos uma
faixa que tem características semelhantes ao norte de Cabo Delgado
maioritariamente islâmico, grande pobreza, emergência de desigualdades sociais,
presenca de grandes investimentos quer extractivos quer turismo . Portanto, há
condicoes para se espalhar para o sul".
O estudo do Observatório do Meio
Rural recomenda, entre outras medidas, o aprofundamento da pesquisa
multidisciplinar sobre a insurgência armada, a promoção de políticas de
inclusão social, a enfatização das tradições locais de tolerância, a procura de
soluções regionais, a fiscalização do financiamento de organizacões religiosas
e de processos de branqueamento de capitais.
Leonel Matias (Maputo) | Deutsche
Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário