Reportagem da "Folha de
S.Paulo" com base em mensagens obtidas pelo "Intercept" aponta
que o ex-juiz impôs condições para aceitar acordo de delação que ainda estava
sendo negociado pelos procuradores da Lava Jato.
Mensagens atribuídas a
procuradores da operação Lava Jato apontam que em 2015 o então juiz Sergio Moro
interferiu nas negociações das delações de dois executivos da empreiteira
Camargo Corrêa.
Segundo o conteúdo das mensagens,
obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas em parceria com o
jornal Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (18/07), Moro teria
alertado os procuradores que só aceitaria homologar as delações se eles
propusessem sentença de pelo menos um ano de prisão em regime fechado para os executivos
Dalton Avancini e Eduardo Leite.
De acordo com a Folha, Moro,
que hoje é ministro da Justiça, desprezou os limites da atuação
de um juiz ao impor essas condições enquanto os advogados dos executivos
ainda negociavam as delações com os procuradores. O jornal citou que a Lei das
Organizações Criminosas, de 2013, determina que juízes devem manter distância
das negociações e só podem verificar a legalidade dos acordos após sua
assinatura.
De acordo com as mensagens, os
integrantes da força-tarefa da Lava Jato demonstraram incômodo com a
interferência do magistrado e divergiram sobre a melhor forma de utilizar essas
delações no processo.
As mensagens vazadas mostram que,
no dia 23 de fevereiro de 2015, o chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol,
escreveu ao procurador Fernando dos Santos Lima, que conduzia as negociações
com os executivos da construtora, sugerindo que ele consultasse Moro sobre as
penas a serem impostas aos executivos.
"A título de sugestão, seria
bom sondar Moro quanto aos patamares estabelecidos", disse Dallagnol, que
temia danos à Lava Jato se a opinião pública considerasse excessivos os
benefícios concedidos aos executivos.
Para Santos Lima, segundo a Folha,
era fundamental que as delações fossem utilizadas para abrir novas frentes de investigação
no futuro, o que, para ele, justificaria a proposta de redução das penas dos
delatores. "O procedimento de delação virou um caos" teria reclamado
ao responder a Dallagnol.
O procurador disse que via isso
como uma "barganha, onde se quer jogar para a plateia, dobrar demasiado o
colaborador, submeter o advogado, sem realmente ir em frente".
"Não sei fazer negociação
como se fosse um turco", escreveu Santos Lima, segundo a Folha.
"Isso é até contrário à boa fé que entendo que um negociador deve ter. É
bom lembrar que bons resultados para os advogados são importantes para que
sejam trazidos novos colaboradores."
"Vc quer fazer os acordos da
Camargo mesmo com pena de que o Moro discorde?", retrucou Dallagnol.
"Acho perigoso pro relacionamento fazer sem ir FALAR com ele, o que não
significa que seguiremos", opinou. "Tem que falar com ele sob pena de
ele dizer que ignoramos o que ele disse." (O jornal e o Intercept reproduzem
o conteúdo das mensagens sem corrigir gramaticalmente os textos.)
Dois dias depois, as mensagens
mostram que ficou acertado que Avancini e Leite, até então presos em caráter
preventivo há quatro meses em Curitiba, ficariam em prisão domiciliar por mais
um ano. Ou seja, o pedido de Moro foi atendido, segundo o jornal.
Em julho do mesmo ano, Moro
condenou os dois executivos pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de
dinheiro, aplicando as penas acertadas previamente com os procuradores, como
apontam as mensagens, em um caso envolvendo a corrupção na Petrobras.
O caso de Avancini e Leite foi o
primeiro em que executivos de empreiteiras admitiram práticas de corrupção.
Mais tarde, diretores das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez também
fizeram acordos de delação em troca de benefícios.
Segundo a Folha, os
procuradores acabariam se acostumando com as interferências de Moro.
“Moro tem reclamado bastante, mas
ao final sempre concorda com a nossa proposta”, escreveu meses depois o
procurador Paulo Roberto Galvão, outro membro da força-tarefa em Curitiba, ao
responder a um colega que perguntou sobre casos que contemplavam delações
premiadas, segundo a Folha.
Em outro caso, Moro pediu para
saber os termos do acordo de delação de Joao Ricardo Auler, outro executivo da
Camargo Corrêa. De acordo com o jornal, em um troca de mensagens com Moro,
Dallagnol consultou o então juiz para saber em que instância seria submetida a
delação.
"Vejo vantagens pragmáticas
de homologar por aqui, mas não quisemos avançar sem sua concordância",
disse o chefe da força-tarefa. Segundo a reportagem, Moro respondeu que
"para mim tanto faz aonde. Mas quais foram as condições e ganhos?".
"Vou checar e eu ou alguém informa", respondeu Dallagnol, de acordo com
o material obtido pelo Intercept.
Moro condenou Avancini e Leite a
16 anos e 4 meses de prisão, mas com o acordo de delação, a pena foi reduzida
para um ano de prisão domiciliar em regime fechado e mais dois anos em regime
semiaberto.
Em nota, Moro negou ter
participado das negociações sobre as delações premiadas e reafirmou que não
reconhece a autenticidade do material obtido pelo Intercept, e diz que
"não há ilegalidade ou imoralidade" em suas decisões como juiz. Ele
acusa os órgãos de imprensa de agir de modo sensacionalista.
Os advogados dos ex-diretores da
Camargo Correa não quiseram se manifestar sobre o conteúdo da reportagem.
Deutsche Welle | RC/ots
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